Acórdão nº 547/20.2T9VLG.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 07 de Dezembro de 2022

Magistrado ResponsávelPAULO COSTA
Data da Resolução07 de Dezembro de 2022
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Proc.

nº 547/20.2T9VLG.P1 Relator: Paulo Emanuel Teixeira Abreu Costa Adjunto: Nuno Pires Salpico Adjunto: Paula Natércia Rocha Acordam, em conferência, na 1.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto I. Relatório No âmbito do Processo Comum Singular, a correr termos no Juízo Local Criminal de Valongo foi proferida sentença decidindo: “Pelo exposto, julgo procedente a acusação pública deduzida contra os arguidos AA, BB e “R..., Lda.”, em consequência do que decido condenar cada um dos mesmos, pela prática de um crime de desobediência, previsto e punido pelo art. 348.º, n.º 1, al. a), do Código Penal, nos seguintes termos: *a. O arguido AA na pena de 80 (oitenta) dias de multa, à taxa diária de €7,00 (sete euros), assim perfazendo um total de €560,00 (quinhentos e sessenta euros); b. A arguida BB na pena de 80 (oitenta) dias de multa, à taxa diária de €7,00 (sete euros), assim perfazendo um total de €560,00 (quinhentos e sessenta euros); c. A sociedade “R..., Lda.” na pena de 90 (noventa) dias de multa, à taxa diária de €100,00 (cem euros), assim perfazendo um total e €9.000,00 (nove mil euros).

*Custas criminais pelos arguidos, solidariamente, fixando-se a taxa de justiça em 3 (três) UC – arts. 344.º, n.º 2, al. b), 513.º e 514.º do Código de Processo Penal.” Inconformados, os arguidos interpuseram recurso, invocando as seguintes conclusões da sua motivação (transcrição): “1. A douta sentença impugnada condenou os ora Recorrentes na prática, cada um deles, de um crime de desobediência, previsto e punido pelo artigo 348º, nº 1, al. a) do Código Penal, na pena de 80 dias de multa à taxa diária de 7,00€, o arguido AA, e na pena de 80 dias de multa à taxa diária de 7,00€, a Arguida BB e na pena de 90 dias de multa à taxa diária de 100,00€, a arguida sociedade.

  1. Os Recorrentes não podem conformar-se com tal decisão, pois consideram que, salvo o respeito devido, o Tribunal fez uma errada avaliação da prova constante dos autos.

  2. Os Recorrentes não podem aceitar como provada a matéria de facto constante dos artigos 2 a 8, e 12 a 16, na medida em que os documentos constantes dos autos infirmam completamente tais factos.

  3. Não resulta de qualquer documento junto aos autos que tenha sido a sociedade arguida a realizar o referido aterro, até porque, naquela zona laboravam e laboram outras empresas, sendo certo ainda que, conforme resulta dos autos a fls. 85 a 88, os terrenos em referência não são e nem nunca foram propriedade da Sociedade Arguida.

  4. De nenhum documento constante dos autos, da autoria da sociedade arguida, resulta que esta assumiu como tendo sido por si efetuada a operação urbanista em crise.

  5. Competia à Assistente CM..., notificar o dono do terreno, para repor o mesmo no seu estado original ou eventualmente notifica-lo ao abrigo da audição prévia, para dizer o que tivesse por conveniente quanto à situação em que se encontrava o terreno, o que, de todo, não aconteceu.

  6. Atento até o decurso de mais de 10 anos entre a realização do aterro e a notificação para repor o terreno no estado original, não se compreende o comportamento da Assistente de não ter notificado o proprietário do terreno para a reposição.

  7. Não pode vir agora imputar-se, sem mais, aos Arguidos tal obrigação e consequente afirmar-se que estes desobedeceram a uma ordem legítima, uma vez que estes informaram, em tempo, conforme resulta de fls. 73, 89 e 96 dos autos, que não eram donos do terreno onde alegadamente se verificou a infração.

  8. Valorou o Tribunal os vários ofícios/documentos constantes dos autos, elaborados pela Assistente Câmara Municipal ..., nos quais esta se refere à sociedade Arguida como se esta fosse a proprietária dos referidos terrenos, o que por si só demostra a falta de rigor com que o assunto foi tratado.

  9. Assim, não resulta dos documentos constates dos autos os factos dados como provados e acima identificados: - que a sociedade arguida executou dois aterros; - que a Sociedade recebeu, em 18/10/18, 06/07/19, 10/07/2019 quaisquer missivas enviadas pela Câmara Municipal ...; - que sabiam os Arguidos AA e BB que a sociedade Arguida ao não repor os terrenos em causa na sua configuração original, estava a faltar à obediência devida a ordem legítima, regularmente comunicada e emanada de autoridade competente, conhecendo as consequências do respetivo incumprimento; - que sabiam os Arguidos AA e BB que pessoalmente, ao não reporem os terrenos em causa na sua configuração original, estavam a faltar à obediência devida a ordem legítima, regularmente comunicada e emanada de autoridade competente, conhecendo as consequências do respetivo incumprimento; - que não ignoravam ser o seu comportamento proibido e punido por lei; - que não deixaram de atuar como atuaram, agindo livre e conscientemente.

  10. Resulta, pois, dos autos, que não se mostram preenchidos todos os elementos objetivos e subjetivos do tipo de crime de desobediência, pelo que se impõe a absolvição dos Arguidos. Vejamos: 12. No que concerne à sociedade Arguida (e sem prejuízo do que supra se expos quanto à falta de prova de que tenha sido esta a autora da operação urbanística levada a cabo nos prédios identificados nos autos), não se encontra minimamente demonstrado que esta sociedade tenha recebido, e, por isso, tomado conhecimento, nomeadamente da missiva datada de 06/07/2019 de fls. 41, já que esta foi, alegadamente, remetida para um apartado, e o seguimento do envio da carta, de fls. 42 nem sequer identifica quem poderá ter recebido a mesma.

  11. Não teve a Câmara Municipal ... o cuidado de enviar uma carta com aviso de receção, para demonstrar que a ordem e a cominação chegaram efetivamente ao conhecimento do destinatário.

  12. Pelo que, não se encontra verificada a imposição legal de o destinatário ter tido conhecimento da ordem e que, ao não a cumprir estava a cometer um crime 15. Resulta dos autos que os Arguidos AA e BB não foram notificados das referidas missivas/ofícios da Câmara Municipal ... datadas de 18/10/18 – de fls. 38, de 06/07/19 – fls. 41, 10/07/2019 – fls. 24, nem, sequer na qualidade de legais representantes da Sociedade Arguida, e muito menos na sua condição pessoal.

  13. O crime de desobediência é um crime de facere que determina um dever de ação ou omissão.

  14. São elementos objetivos (e comutativos) do tipo do crime, a) a existência de ordem ou mandado de autoridade ou funcionário, na aceção do art. 386° do c. penal, impondo uma determinada conduta, um dever de ação ou omissão; b) a sua legalidade material e formal; c) a competência de quem a emite; d) a comunicação regular da ordem ao destinatário; e) a cominação não legal, mas expressa da autoridade da ordem ou mandato a conferir à conduta transgressora o caracter de desobediência; f) o conhecimento pelo agente da ordem ou mandado.

  15. Basta uma consulta atenta dos autos e uma análise da prova documental produzida para se perceber que não estão preenchidos todos os elementos do tipo do crime quanto aos Arguidos.

  16. Repete-se, que quanto á sociedade – único destinatário das missivas constantes dos autos –, não resulta demonstrado que as notificações tenham chegado ao conhecimento da sociedade e/ou dos seus legais representantes; 20. Nos termos do artigo 11º do CP, que dispõe sobre a excecionalidade da punição das sociedades, e estando prevista, em abstrato, a punibilidade do crime em análise, é necessário que se proceda à notificação da ordem ao seu Legal Representante, e que nos presentes autos não aconteceu.

  17. A responsabilidade da pessoa coletiva pressupõe sempre que o seu representante atue por ela com culpa, pois a culpa da pessoa coletiva resulta da culpa da pessoa física que atuou em seu nome e no seu interesse.

  18. Quanto aos Arguidos AA E BB resulta dos autos que nenhuma missiva lhes foi dirigida, nem enquanto legais representantes da Sociedade arguida, nem a título pessoal.

  19. A douta sentença é completamente omissa quanto à sustentação probatória do facto provado em 6, não fundamentando como suporta essa sua decisão, já que, e como resulta dos autos, nunca os arguidos, repete-se, nem como legais representantes da sociedade arguida, nem a título pessoal, receberam por parte da CM... qualquer missiva ou ofício, ou seja, não receberam qualquer ordem e ou advertência por parte de quem quer que seja.

  20. A doutrina e a jurisprudência consideram que o conceito de “ordem”, contante do artigo 348º do CP, envolve um comando de caracter pessoal e concreto, especialmente dirigido ao agente do crime, de natureza obrigatória para a pessoa a quem se dirige, que a vincula a uma ação ou omissão, a um facere ou non facere, consoante o sentido desse comando.

  21. Os destinatários têm de ter conhecimento efetivo da ordem ou mandado a que ficam sujeitos, pelo que, se exige um processo regular e capaz para a sua transmissão, para que aqueles tenham conhecimento do que lhes é imposto ou exigido.

  22. Com a cominação prévia e expressa por parte da autoridade já o destinatário sabe que, se não cumprir, pratica o crime de desobediência.

  23. Nos autos apenas existe um único ofício no qual se faz a cominação de que incumprindo uma determinada ordem os seus destinatários cometem um crime de desobediência.

  24. Esse ofício não foi dirigido ao arguido AA nem à arguida BB 29. Também não ficou demonstrado, repete-se, que a Sociedade Arguida tomou conhecimento do mesmo, já que, como se disse, a carta foi remetida para um apartado sem registo e nem aviso de receção, 30. Verificando-se assim, além do mais, uma dúvida razoável e inultrapassável que impede que tal facto seja dado com o provado.

  25. De resto, se quanto à sociedade poder-se-ia até aceitar que, em abstrato, poderíamos estar perante um crime de desobediência previsto numa disposição legal – RJUE – e, desta forma aplicando-se o nº 1 al. a) do artº 348º do CP, 32. Certo é que tal regime – RJUE – apenas é de aplicação à sociedade Arguida e nunca aos Arguidos AA e BB, pelo que, em relação a estes seria SEMPRE obrigatória, além da própria notificação, que esta...

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