Acórdão nº 5011/22.2JAPRT-A.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 07 de Dezembro de 2022

Magistrado ResponsávelPEDRO VAZ PATO
Data da Resolução07 de Dezembro de 2022
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Proc. nº 5011/22.2JAPRT.P1 Acordam os juízes, em conferência, no Tribunal da Relação do Porto I – O Ministério Público vem interpor recurso do douto despacho do 1º Juízo de Instrução Criminal do Tribunal Judicial da Comarca do Porto que indeferiu o seu requerimento de informação sobre dados de tráfego de operadora de comunicação.

Da motivação do recurso constam as seguintes conclusões: «1. São meio de prova válida, em processo penal, os dados de tráfego e de localização passíveis de serem conservados pelas operadoras de telecomunicações nos termos que o são e, na parte aplicável, dos arts. 2º, nº 1, als. d) e e) e 6º e ss da Lei 41/2004, de 18-8, do art. 48º, nº 7, da Lei 5/2004, de 10-2, e do art. 10º, da Lei 23/96, de 26-7; 2. Desde que o processo penal em causa vise a investigação e punição de crimes de catálogo do artigo 187º do CPP e dos previstos na Lei do cibercrime -conforme resulta do artigo 11º da mesma lei, e, 3. Se validamente obtidos - ou seja - juntos ao processo por ordem de Juiz de Instrução criminal - porquanto a sua obtenção foi prevista com reserva de juiz - cf. artigo 187º do CPP, uma vez que, 4. O acórdão do Tribunal Constitucional n.º 268/2022 - Diário da República n.º 108/2022, Série I de 2022-06-03, só declarou a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da norma constante do artigo 4. da Lei n.º 32/2008, de 17 de julho, conjugada com o artigo 6.º, da mesma lei, por violação do disposto nos números 1 e 4 do artigo 35.º e do n.º 1 do artigo 26 º, em conjugação com o n.º 2 do artigo 18.º, todos da Constituição.

5. Não declarou «nula a prova recolhida (...) com o recurso aos metadados fornecidos pelas operadoras» nem a «nulidade da análise aos metadados» nem disse que toda e qualquer recolha e conservação dados e independentemente do período de conservação constitui prova proibida, pelo que, 6. A declaração de inconstitucionalidade apenas afeta de invalidade a prova que seja obtida através de pedidos de informação remetidos às operadoras de comunicações, no âmbito da Lei nº 32/2008, com efeitos a partir da entrada em vigor da lei, ou seja, 17 de julho de 2008, que, assim, terão sido efetuados ao abrigo de uma norma declarada inconstitucional.

7. Estando excluídos de tal declaração de inconstitucionalidade todos os dados de tráfego que digam respeito ao limite temporal até seis meses após a data em que são gerados, 8. Os quais continuam a ser meio de prova válida, em processo penal, desde que a ordem do pedido dos mesmos à respetiva operadora, seja emitida por um juiz de instrução criminal e em inquéritos em que se investigue algum dos crimes de catálogo do artigo 187º do código de processo penal e/ou da lei do cibercrime.

Porque, 9. Mesmo para os que entendiam que, após a entrada em vigor da Lei 32/2008 e da Lei Ciber Crime, foi revogada tacitamente a extensão do regime das escutas telefónicas, previsto nos arts. 187º e ss, mormente no art. 189º, nº 2, do CPP, às áreas das "telecomunicações electrónicas", "crimes informáticos" e "recolha de prova electrónica", passando aquela Lei a reger a obtenção dos dados aí especificados conservados e o art. 189º, nº 2, a obtenção desses dados em tempo real; 10. Com o Ac. 268/2022, de 19-4, e nos termos do art. 282º, nº 1; da CRP, o art. 189º, nº 2, do CPP, relativamente ao qual não houve nessa parte revogação expressa sequer, é a norma habilitante para obter os dados de tráfego e localização, conservados ou em tempo real, sendo que, quanto aos conservados, importa fazer a sua articulação com os regimes jurídicos que estabelecem, agora, as condições e prazo de conservação, como seja os arts. 2º, nº 1, als. d) e e) e 6º e ss da Lei 41/2004, de 18-8, o art. 48º, nº 7, da Lei 5/2004, de 10-2, e o art. 10º, da Lei 23/96, de 26-7; 11. As faturações detalhadas e localizações celulares - informações requeridas - não são suscetíveis de violar a intimidade das pessoas, porquanto se traduziram apenas nas listagens onde constam números de telefone, não importando obter, relativamente aos mesmos, a identificação dos respetivos titulares, com exceção dos suspeitos.

12. 0 princípio da inviolabilidade das comunicações privadas, tem necessariamente de recuar, à luz do princípio da proporcionalidade, face às necessidades da justiça criminal na procura da verdade porque a finalidade primeira da investigação criminal é a perseguição de infrações criminais, como defesa dos direitos fundamentais dos cidadãos e da comunidade que são lesados com essas infrações. Pelo que, 13. 0 Meritíssimo Juiz de instrução criminal, ao indeferir o requerimento de localização celular e faturação detalhada, sobre o Cartão SIM (número telefone) usado por alguém que, ao contactar um cliente bancário se identificou como sendo funcionária do Banco, informando que, para evitar um acesso ilegítimo à sua conta, e de que, para o travar, teria que clicar num link que lhe ia enviar por email, e, na sequência do contacto e procedimento em conformidade, veio a ocorrer a transferência, não consentida, de fundos - 7.898,47€ - e revelar-se que o telefone e email eram falsos contactos do Banco, violou os dos artigos 187º, nºs 1-a), 189º, 125º, 126º e 167º do Código de Processo Penal e 14º, nº 4 e 18º da Lei do Cibercrime e artigo 6º.1, da Lei nº 41/2004 e 10º, da Lei n.º 23/96.» O Ministério Público junto desta instância emitiu douto parecer, reiterando a posição assumida pelo Ministério Público junto do Tribunal de primeira instância, e alegando, em síntese, o seguinte: Tal posição reflete uma solução interpretativa que defende, ao mesmo tempo, os interesses constitucionais da investigação criminal e os direitos fundamentais individuais de cidadãos em conflito com a lei, seguindo a presunção de que o legislador e o interprete não desconhecem as especificidades das realidades humanas que pretendem regular.

O acórdão do Tribunal Constitucional n.º 268/2022 não declarou que toda e qualquer recolha e conservação de dados por operadores de comunicação, independentemente do período de conservação, constitui prova proibida.

A declaração de inconstitucionalidade decorrente desse acórdão não impede a conservação de dados para as finalidades previstas no artigo 6.º na Lei n.º 41/2004, de 18 de agosto (Lei relativa à proteção de dados pessoais e privacidade nas telecomunicações), ou seja, para efeitos de faturação dos assinantes e pagamento das interligações, durante o período de seis meses, nem o posterior acesso a tais dados e utilização dos mesmos no âmbito da investigação criminal. Tal utilização foi admitida na jurisprudência antes da entrada em vigor das Leis n.º 32/2008, de 17 de julho, e 109/2009, de 15 de setembro (Lei do Cibercrime), e da reforma do Código de Processo Penal. A recolha desses dados não colide com direitos fundamentais como a privacidade, o sigilo das comunicações ou autodeterminação informacional. Neste sentido, pronunciou-se a Procuradoria Geral da República em comunicado subsequente à publicação dessa Por outro lado, a declaração de inconstitucionalidade dos artigos da Lei n.º 32/2008, de 17 de julho, tem por efeito (à luz dos que dispõe o artigo 282.º, n.º 1, da Constituição) a repristinação da vigência do n.º 2, do artigo 189.º do Código de Processo Penal neste âmbito do acesso e utilização de dados conservados pelas operadoras de comunicação. O legislador nunca distinguiu nesse preceito entre dados conservados e dados obtidos em tempo real. Antes da entrada em vigor dessa Lei n.º 23/2008 a norma de habilitação em que se baseava o acesso e utilização desses dados era esse n.º 2 do artigo 189.º do Código de Processo Penal.

Esta interpretação é imposta por aquilo a que se designa como “situação de emergência normativa” e “estado de necessidade processual”, pois, de outro modo, ficará comprometida a investigação no âmbito da criminalidade em ambiente digital.

Reconhecendo embora que não é esta a interpretação que tem prevalecido na jurisprudência, invoca este parecer o acórdão da Relação de Coimbra de 1 de junho de 2022, proc. n.º 1527/21.6GGCBR-A.C1, relatado por Alcina Ribeiro, in...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT