Acórdão nº 422/20.0SJPRT.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 07 de Dezembro de 2022

Magistrado ResponsávelLÍGIA TROVÃO
Data da Resolução07 de Dezembro de 2022
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Processo nº 422/20.0SJPRT-A.P1 Comarca do Porto Juízo Local Criminal do Porto – Juiz 5 Acordam, em conferência, os juízes da 1ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto: I – RELATÓRIO No processo comum nº 422/20.0SJPRT que correu termos pelo DIAP - a 2ª Secção do Porto, em 13/09/2021, o Ministério Público proferiu acusação para julgamento por Tribunal singular de AA imputando-lhe a prática de factos suscetíveis de integrar em autoria material e na forma consumada, de um crime de roubo p. e p. pelo art. 210º nº 1 do Cód. Penal ao, qual corresponde, em abstrato, pena de prisão de 1 a 8 anos.

Em 13/09/2021, em aditamento a tal despacho, o Ministério Público justifica a decisão de requerer o julgamento por Tribunal singular, nos seguintes termos: “Por lapso, na acusação, não se refere o art.° 16°, n° 3, do Código de Processo Penal.

Da competência do Tribunal Singular: Realizado o presente inquérito, resultaram suficientemente indiciados factos que permitem imputar ao arguido a prática de um crime de roubo, p. e p. pelo artigo 210°, n° 1°, do Código Penal.

A moldura punitiva de tal crime tem como limite máximo medida superior a 5 anos de prisão.

No entanto, porque se antevê que a pena a aplicar ao arguido, em resultado de uma eventual condenação pelo crime por que vai acusado, não ultrapassará os cinco anos de prisão, decide-se deduzir a subsequente acusação perante o Tribunal singular, nos termos do artigo 16°, n° 3, do Código de Processo Penal.

Notifique, com cópia do presente despacho e da acusação.”*Remetidos os autos ao tribunal do julgamento, no âmbito da apreciação e saneamento do processo – cfr. art. 311º do C.P.P. – em 03/03/2022, foi proferido despacho do seguinte teor (transcrição): “Questão prévia: Compulsados os presentes autos, nomeadamente a acusação pública, atinente à referência n° 427406898, constata-se que o presente Tribunal não é o competente.

Com efeito, o arguido, AA, com os demais sinais nos autos, encontra-se acusado pela prática, em autoria material, de um crime de roubo, p. e p. pelo art° 210°, n° 1, do Código Penal (CP), crime esse punido com pena de prisão de 1 a 8 anos.

Posteriormente à dedução de tal acusação, o Digno Magistrado do M°P°, através de despacho, atinente à referência n° 427989346, refere o seguinte: "(…)".

Comentando o referido preceito legal, Paulo Pinto de Albuquerque, refere o seguinte: "O juízo de determinação da competência do tribunal singular é um juízo objectivo do Ministério Público, fundamentado na apreciação de todas as circunstâncias relativas à ilicitude, à culpa e à punibilidade dos agentes. Não se trata de uma decisão discricionária, mas antes de uma concretização da relevância constitucional do principio da oportunidade" (cfr., a este propósito, Comentário do Código de Processo Penal à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, Universidade Católica Editora, Lisboa 2007, página 85).

Nos presentes autos, o Digno Magistrado do Ministério Público menciona o referido art° 16°, n° 3 do CPP, não tendo, porém, indicado qualquer motivo objetivo que justificasse tal uso.

Ora, em nosso entender, a mera referência ao disposto no referido preceito legal, é irrelevante, do ponto de vista jurídico, para afastar a competência do tribunal coletivo e fixar a competência do tribunal singular.

Assim, sendo o crime de roubo, imputado ao mencionado arguido, punido com pena de prisão de 1 a 8 anos e face ao preceituado no art014°, n° 2, al. b) do CPP, competente para o julgamento destes autos é o tribunal coletivo.

Face ao exposto, declaro a incompetência deste Juízo Local Criminal, ordenando que, após trânsito, os autos sejam remetidos ao Juízo Central Criminal do Porto.

Dê baixa.

Notifique”.

*Inconformado, o Ministério Público interpôs recurso da decisão em 24/03/2022, extraindo da motivação apresentada as seguintes conclusões (transcrição): “- O arguido foi acusado como autor material de um crime de roubo, p. e p. pelo artigo 210°, n° 1, do Código Penal, cuja moldura penal tem como limite máximo pena de prisão superior a 5 anos.

- O Ministério Público remeteu os Autos para julgamento perante Tribunal Singular, dado ter utilizado o mecanismo processual previsto no art. 16º nº 3, do Código de Processo Penal.

O Mmo Juiz entendeu que o Ministério Público não indicou "qualquer motivo objetivo que justificasse tal uso", ou seja, que não fundamentou a opção pela competência do Tribunal Singular, pelo que, sindicando a legalidade substantiva de tal atribuição, declarou a incompetência deste Juízo Local Criminal para o julgamento, e determinou a remessa dos Autos à Instância Central Criminal do Porto para julgamento perante o Tribunal Coletivo.

- Não compete ao Tribunal Singular verificar da legalidade substantiva da atribuição de competência, pelo que ultrapassou, no caso concreto, os seus poderes de cognição, tendo conhecido de questão sobre a qual se não podia pronunciar.

- Face ao exposto, o douto despacho em apreço violou o disposto nos arts. 10° e 1673 do Código de Processo Penal, pelo que, e por violação das regras de competência do Tribunal, enferma de nulidade insanável, nos termos do disposto no 119º al. e) deste mesmo Código “.

Pugna pela revogação do despacho recorrido e a sua substituição por outro, a proferir nos termos do disposto nos arts. 311º e 311º-A do CPP.

*O arguido AA não apresentou resposta.

*Nesta Instância, a Exmª Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer no sentido de que deve ser atribuída a competência ao tribunal singular apesar de reconhecer que a decisão do Ministério Público de usar da faculdade prevista no art. 16º nº 3 do CPP, padece de irregularidade por não se encontrar fundamentada por nada dizer quanto às razões pelas quais, em concreto, se entende que ao arguido não será aplicada pena de prisão superior a 5 anos, mas considera tal vício sanado com a remessa dos autos ao tribunal do julgamento não fazendo sentido a aplicação do nº 2 do artigo 123.º do CPP, uma vez que a decisão do M.ºP.º, mesmo fundamentada, não seria sindicável pelo juiz de instrução ou de julgamento; acrescenta que não cabia ao juiz do julgamento, apreciar a validade da decisão do Ministério Público de fixar a competência material do Tribunal Singular para julgamento do crime de Roubo imputado ao arguido, sendo o despacho recorrido nulo por violação das regras da competência do tribunal (artigo 119º, e) do CPP); em seu entender deverá ser declarada a nulidade do despacho judicial recorrido, mantendo-se a competência do Tribunal Singular e os autos prosseguirem nos termos dos artigos 311.º, 311.º-A do CPP.

*Foi cumprido o estabelecido no art. 417º nº 2 do CPP, não tendo havido resposta.

*Foram colhidos os vistos legais e realizada a conferência.

*II – FUNDAMENTAÇÃO II.1 Constitui jurisprudência corrente dos tribunais superiores que o âmbito do recurso se afere e se delimita pelas conclusões do recorrente formuladas na respetiva motivação, onde sintetiza as razões de discordância com o decidido e resume o pedido, sem prejuízo da tomada de posição sobre todas e quaisquer questões que sejam de conhecimento oficioso e de que ainda seja possível conhecer (deteção de vícios decisórios ao nível da matéria de facto emergentes da simples leitura do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, referidos no artigo 410º nº 2 ou os vícios da sentença previstos no art. 379º, ambos do CPP) – cfr. art. 412º nº 1 do CPP e Ac. do Plenário das Secções do STJ nº 7/95 de 19/10/95, publicado no D.R., I - Série-A, de 28/12/95 e AUJ nº 10/2005, de 20/10/2005 publicado no D.R., Série I-A, de 07/12/2005 – podendo o recurso igualmente ter como fundamento a inobservância de requisito cominado sob pena de nulidade que não deva considerar-se sanada ( cfr. art. 410º nº 3 do CPP )[1].

Da leitura dessas conclusões, são as seguintes as questões que o recorrente coloca a este Tribunal: - saber se o uso pelo MºPº da faculdade concedida pelo art. 16º nº 3 do CPP, atributiva da competência para julgamento ao tribunal singular, é judicialmente...

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