Acórdão nº 5397/16.8T8PRT.P1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 15 de Dezembro de 2022
Magistrado Responsável | ANA PAULA LOBO |
Data da Resolução | 15 de Dezembro de 2022 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
I – Relatório I.1 – Questões a decidir AA e BB, interpuseram recurso de revista excepcional do acórdão proferido pela ... Secção do Tribunal da Relação do Porto em 1 de Julho de 2021 que julgou totalmente improcedente a acção por eles interposta contra os réus, na qual formularam o pedido de condenação destes ao pagamento de uma indemnização pelos danos sofridos pelo errado acompanhamento médico pré-natal e consequente nascimento de uma filha portadora de síndrome de Down.
Por acórdão da formação a que se refere o art.º 672.º, n.º 3 do Código de Processo Civil proferido em 15 de Setembro de 2022, foi admitido o recurso de revista excepcional interposto pelos autores.
Apresentaram alegações de recurso que culminam com as seguintes conclusões: 1.
Vem o presente recurso interposto do douto Acórdão de fls. que enferma de violação da lei substantiva consistente em erro de interpretação e aplicação das normas e violação da lei de processo, assim como de erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa, por ofensa de uma disposição expressa de lei que exige certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força probatória de determinado meio de prova, violando assim os arts. 562º, 563º, 564º, 566º, 798º, 799º, 800º do Código Civil, art.º 142º do Código Penal, arts. 64º e 67º da CRP bem como arts. 2º, 6º, 7º, 412º, 414º, 417º, 423º, 425º, 426º, 429º, 430º, 436º, 452º, 454º, 463º, 465º do Código de Processo Civil.
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Em primeiro lugar, importa dizer que o douto Acórdão do Tribunal da Relação do Porto embora confirme a decisão da 1ª instância, o faz com base numa fundamentação essencialmente diferente.
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Pois, enquanto a decisão de 1ª instância assentou na alegada falta de prova do incumprimento das leges artis, o Acórdão do TRP entendeu: “concluir que a pretensão dos AA sempre claudicaria sem instrução do processo, pois o alegado direito que fundamenta a sua requerida indemnização, não pode ser ressarcível na ordem jurídica nacional. Deste modo, não existe dupla conformidade de decisões.
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Caso assim se não entenda, o que só por mera hipótese processual se concebe, o Acórdão recorrido deverá ser passível de recurso de revista excecional ao abrigo da alínea a) do n.º 1 do art. 672.º do CPC, em virtude da relevância jurídica da questão da responsabilidade médica sobretudo nas ações de wrongful birth que são muita escassas em Portugal, nomeadamente devido à dificuldade de prova por parte dos AA., que se revela pelo elevado grau de complexidade e especificidade e exige conhecimentos técnicos que os AA. não possuem, tendo gerado controvérsia na doutrina e/ou na jurisprudência, que aconselham a respetiva apreciação pelo STJ, com vista à obtenção de uma decisão suscetível de contribuir para a formação de uma orientação jurisprudencial (cfr. Ac. STJ de 12-10-2017 Revista excecional n.º 1118/13.5TYLSB.L1-A.S1).
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O pressuposto da al. a) do n.º 1 do art. 672.º do CPC preenche-se com a existência de divergências na doutrina ou na jurisprudência sobre a questão ou questões em causa, ou ainda nos casos em que o tema está eivado de novidade, pois só existem três acórdãos sobre wrongful birth, tudo de sorte que o cidadão comum que lida com este tipo de assuntos não pode legitimamente estar seguro da interpretação com que pode contar por parte dos tribunais.
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Para além de estar em causa interesses de particular relevância social, como é o caso do direito do paciente a prestação de cuidados de saúde, nomeadamente na assistência à maternidade e ao planeamento familiar que são direitos constitucionais.
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Ora, tais ações de wronful birth constituem um novidade em Portugal existindo apenas 3 Acórdãos do STJ sobre essa matéria e todos eivados de controvérsia e inclusive vários votos de vencido, gerando grande polémica quer na doutrina quer na jurisprudência, tendo em conta a distinção entre obrigações de meios e obrigações de resultado, a presunção da culpa, as legis artis especificas da classe médica de que o homem médio não tem conhecimento, o direito à vida, o direito à não existência, quem tem ou não legitimidade para estas ações, a reformulação da relação de causalidade e do próprio dano que consiste no direito à autodeterminação reprodutiva da mulher e qual o direito do pai, etc.
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Tanto mais que no caso sub judice, o Tribunal da Relação do Porto não atribuiu qualquer relevância à confissão livre e sem reservas do R. médico que consta da Ata de Julgamento de fls.
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Por outro lado, não admitiu os documentos juntos à Apelação que provam que as técnicas de rastreio de Sindrome de Down, designadamente os testes serológicos (AFP, HBCg e PAPPA) e a translucência da nuca, já eram usadas em 1995, independentemente da idade da grávida e dos seus antecedentes familiares, que poderiam levar à realização da amniocentese, razões pelas quais a apreciação desta questão é claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.
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Sem prescindir, sempre se dirá que tal Acórdão está em contradição com os dois únicos Acórdãos do STJ que versam sobre a mesma questão fundamental de direito, designadamente: o Ac. STJ de 17.01.2013 in dgsi Proc. 9434/06.6TBMTS.P1.S1: em que os RR. foram condenados por violação do dever cuidado na preterição da leges artis na matéria de execução do diagnóstico porque este deveria ter conduzido à aferição das aludidas malformações, atentos os meios empregues em termos de equipamento e tendo em atenção a preparação privilegiada do Réu, impedindo assim a Autora de utilizar o meio legal que lhe era oferecido, atento o tempo de gestação em curso, de não levar a termo a sua gravidez caso o entendesse, o que esta teria feito atentas as circunstâncias, daqui decorrendo o dever de indemnizar a Autora por banda dos Réus.
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E ainda, quando o Supremo entenda que a decisão de facto pode e deve ser ampliada, ou quando ocorrem contradições da matéria de facto que inviabilizem a decisão jurídica do pleito, caso específico do normativo inserto no artigo 729º, nº3 do CPCivil (atual art. 682º nº 3 do CPC) 12.
Mas o princípio da livre apreciação da prova cede em determinadas situações, perante o princípio da prova legal, designadamente no caso da prova por confissão, da prova por documentos autênticos e dos autenticados e particulares devidamente reconhecidos, cfr artigos 358º, 364º e 393º do CCivil” 13.
Quer dizer, o Réu médico pertencente ao corpo clínico da Ré e sendo até seu sócio-gerente, pessoa com conhecimentos e capacidades acima da média, sendo reconhecido como conceituado pelos seus pares e até como pioneiro, tendo inclusive contribuído para a alteração da Lei de IVG no sentido do alargamento do prazo, no caso de malformações, das 16 para as 24 semanas – e face à confissão livre e voluntária do mesmo era a pessoa que estava nas melhores condições no âmbito da especialidade que exerce. Não se esqueça que foi recomendado à A. pela sua amiga médica CC a quem assistiu nas suas quatro gravidezes.
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Pelo que os Recorrentes não escolheram um médico qualquer, mas antes aquele que à época seria o melhor na sua especialidade, motivo pelo qual já tinha sido anteriormente Director de Obstétricia no Hospital 1, onde tentou implementar o teste combinado que não propôs à Recorrente, nem sequer a informou da sua existência, bem sabendo o quão importante era para os Recorrentes que o seu primeiro filho nascesse perfeito (como aliás para quaisquer progenitores) o que significa sem qualquer malformação. Tendo inclusive os Recorrentes questionado o médico a tal propósito por diversas vezes e sobretudo depois da apendicite e suas complicações, ao que o mesmo sempre respondeu estar tudo bem com o bebé.
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De todo este complexo factual pode-se concluir sem qualquer margem para dúvidas que por parte dos Réus houve uma conduta ilícita e culposa, pois poderiam e deveriam ter agido de outro modo face aos seus específicos conhecimentos, traduzindo-se a violação do dever cuidado na preterição da leges artis na matéria de execução do diagnóstico porque este deveria ter conduzido à realização de análises básicas (que nunca fizeram, que só por si constitui um violação grave do dever de prestar os cuidados de saúde) e especificas (de que tinha conhecimento privilegiado e até dos laboratórios que as faziam) o que conduziria ao rastreio e posterior aferição das aludidas malformações através da amniocentese. Assim como, poderia ter encaminhado a Recorrente para o seu amigo Dr. DD para fazer a ecografia da TN já que era considerado pioneiro nesse campo, na altura.
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Pelo que podemos concluir que ao Réu médico se exigia que tivesse actuado com aquele grau de competência e cuidado que seria razoável e expectável de um profissional do seu gabarito, agindo em situações semelhantes.
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Houve por banda dos Réus um erro médico, consistente numa falha profissional, não intencional, consistente na falta de realização de exames básicos de diagnóstico como as análises clínicas normais e ainda dos meios complementares de diagnóstico de que os Recorrentes nem sequer foram informados.
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Dúvidas não se suscitam que a conduta dos Réus ao fornecerem à Autora uma «falsa» representação da realidade fetal, através dos exames ecográficos que lhe foram feitos e das análises e dos exames complementares de diagnostico que não fizeram contribuíram de forma decisiva para que a mesma, de forma descansada e segura, pensando que tudo corria dentro da normalidade, levasse a sua gravidez até ao termo: estamos em sede de causalidade adequada, pois a conduta dos Réus foi decisiva para o resultado produzido, qual foi o de possibilitarem o nascimento da EE com Sindrome de Down, o que não teria acontecido se aqueles mesmos Réus tivessem agido de forma diligente, impedindo assim a Autora de utilizar o meio legal que lhe era oferecido de não levar a termo a sua gravidez caso o entendesse, o que esta teria feito atentas as circunstâncias”.
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Por sua vez, o douto Acórdão em apreço também está em contradição com o Ac. STJ de 12.03.2015 in dgsi Proc. 1212...
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