Acórdão nº 3383/19.5T8VCT.G1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 30 de Novembro de 2022

Magistrado ResponsávelFERNANDO BAPTISTA
Data da Resolução30 de Novembro de 2022
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça, Segunda Secção Cível I – RELATÓRIO AA e BB vieram propor acção declarativa de condenação contra Banco BIC Português, S.A.

peticionando que (i) o R. seja condenado a pagar aos AA. o capital e juros vencidos que, nesta data, perfazem a quantia de € 115.000,00, sendo €57.500,00 para cada um dos AA., bem como os juros vincendos desde a citação até efectivo e integral pagamento, ou, caso assim não se entenda, (ii) se declare nulo qualquer eventual contrato de adesão que o R. invoque para ter aplicado a quantia de € 100.000,00 que os AA. entregaram ao R., em obrigações subordinadas SLN 2006, sendo € 50.000,00 de cada um dos AA., (iii) se declare ineficaz em relação aos AA. a aplicação que o R. tenha feito desses montantes, (iv) se condene o R. a restituir aos AA. a quantia de € 115.000,00, sendo € 57.000,00 para cada um dos AA., que ainda não receberam dos montantes que entregaram ao R. e de juros vencidos à taxa contratada, acrescidos de juros legais vincendos, desde a data da citação até efectivo e integral cumprimento, e, ainda, num caso ou noutro, (v) seja o R. condenado a pagar aos AA. a quantia de € 5.000,00, sendo € 2.500,00 para cada um dos AA., a título de dano não patrimonial.

Alegam, para o efeito e em síntese, que eram clientes do BPN (Banco Português de Negócios) e que em Abril de 2006 o gerente do Banco R. disse aos AA. que tinha uma aplicação em tudo igual a um depósito a prazo e com capital garantido pelo BPN e com rentabilidade assegurada. Os AA. anuíram e entregaram ao R., cada um deles, a quantia de € 50.000,00, num total de €100.000,00, que este, sem que os AA. se tivessem apercebido, utilizou para adquirir obrigações SLN 2006, que os AA. desconheciam o que fosse. Alegam que se soubessem que o dinheiro seria investido no produto em que foi investido nunca o autorizariam, pois não era sua intenção investir em produtos de risco, mas apenas numa aplicação com as características de um depósito a prazo, pois o R., alegam, sempre assegurou que a aplicação em causa tinha a mesma garantia de um depósito a prazo. Quando, em Novembro de 2015, os juros deixaram de ser pagos, os AA. descobriram o tipo de produto em que o dinheiro foi investido e, em Maio de 2016, data da respectiva maturidade, não o puderam reaver de imediato. Ficaram alarmados, com ansiedade e preocupados com temor de perder os valores entregues ao R.

O R. foi regularmente citado e contestou a acção invocando a excepção de incompetência do tribunal em razão do território, a prescrição do direito invocado pelos AA., por impugnação motivada e alegando factos enquadráveis, para além dos alegados para fundamentar a excepção de prescrição, em excepção peremptória inominada de direito material.

A excepção de incompetência territorial foi julgada improcedente nos termos do despacho de fls. 42-42v (...66).

A audiência prévia foi dispensada, foi proferido o despacho saneador, definido o objecto do processo e seleccionaram-se os Temas de Prova.

Realizou-se a audiência de discussão e julgamento, com observância de todas as formalidades legais.

* No final, foi proferida sentença, tendo-se decidido nos seguintes termos: “Em face do exposto, julgo a acção proposta por AA e BB contra Banco BIC Português, S.A., parcialmente procedente, por parcialmente provada, e, consequentemente, condeno o Réu a pagar a cada um dos Autores a quantia de € 50.000,00 (num total global de € 100.000,00), acrescida de juros à taxa legal de 4% desde a citação, contados sobre cada uma das quantias de € 50.000,00, até integral e efectivo pagamento.”.

Inconformado com essa sentença, apresentou o R. Banco BIC Português, S.A. recurso de apelação, tendo a Relação, em acórdão de 17.12.2020, decidido (após eliminar o ponto p) da matéria de facto dada como provada) julgar improcedente o recurso e manter a sentença recorrida.

Por decisão de 11-02-2021, a Relação decidiu, ainda, indeferir o pedido de reforma do acórdão.

** De novo inconformado, vem o R. Banco BIC Português, S.A., interpor recurso de revista, apresentando alegações que remata com as seguintes CONCLUSÕES 1) O recurso ora interposto é de revista excepcional, a admitir nos termos do disposto no art.º 672 nº 1 als. a) e b) do CPC.

2) Ambas as decisões das instâncias acabam por condenar o Banco-R. no pagamento de indemnização por violação do dever de informação enquanto intermediário financeiro.

3) O âmbito dos concretos deveres de informação a observar pelo intermediário financeiro tem sido objecto de vasta jurisprudência, com soluções e orientações bastante distintas, para não fizer completamente opostas.

4) Pontificaaestepropósitoasdiferentesposiçõesquantoànecessidadeegraudeinformaçãodorisco de insolvência da entidade emitente bem como do risco de incumprimento da obrigação de reembolso, por oposição à menção de “capital garantido”.

5) Varia, igualmente, e diríamos de forma inaudita, a interpretação e consequências jurídicas do anúncio do produto de “capital garantido”, ali vendo algumas decisões uma verdadeira fiança ou assunção de dívida – como parece ser o caso da decisão recorrida, ao passo que outras veem na mesma exacta expressão apenas uma afirmação de segurança do investimento num contexto de pressuposta segurança por parte de todo o contexto social e financeiro no momento em que é feita a aplicação, ou por fim, quem veja – como é na realidade, uma mera característica da própria emissão, em que o valor de reembolso é necessariamente igual ao valor nominal do título.

6) Estes concretos temas e questões, além de relevantes na discussão da pura dogmática jurídica, são hoje, na ressaca da chamada “crise das dívidas”, uma das pedras de toque de todo o sistema financeiro, por um lado, e judicial por outro, em face do volume de contencioso pendente em todos os Tribunais perante o não reembolso de inúmeras emissões de vários instrumentos de dívida.

Além disso, 7) O volume do contencioso exactamente com este objecto, com a definição e delimitação do dever de informação na comercialização de instrumentos financeiros em momento anterior a Dezembro de 2007, é hoje considerável e com um grande impacto na economia e na sociedade portuguesa em geral, até pela repetição de situações análogas em várias instituições bancárias, por corresponder a uma actividade corrente antes da chamada crise das dívidas.

8) Não podemos senão concluir pela admissibilidade do presente recurso de revista, nos citadostermos do disposto no art.º 672º nº 1 . als. a) e b) do Código de Processo Civil.

9) A ocorrência de ambiguidade ou de obscuridade passa a configurar causa de nulidade da sentença apenas na medida em que torne a decisão ininteligível, como resulta do artigo 615.º, n.º , alínea c), do actual CPC. Neste contexto, sendo o requerimento em causa mero pedido de aclaração do acórdão, forçoso é concluir que não poderá ser atendido.

10) O requerimento de aclaração dos Recorridos, nos termos em que é efectuado, não integra qualquer expressão de direta de erro de julgamento grosseiro decorrente de lapso manifesto e erro notório na determinação das normas aplicáveis ou na qualificação jurídica dos factos, assentando antes em considerações que traduzem a imputação de críticas ao decidido, com vista ao reexame e a consequente modificação do julgado, devendo ser desatendido.

Acresce que...

11) A menção à expressão capital garantido não tem por si só a virtualidade de atribuir qualquer senso desaparecimento de todo o risco de qualquer tipo de aplicação... A este propósito, de resto, e quase esvaziando tudo o que pudéssemos alegar, é eloquente o parecer adiante junto do PROF. PINTO MONTEIRO, onde se chega a esta mesma conclusão! 12) A expressão capital garantido mais não é do que a descrição de uma característica técnica do produto – corresponde à garantia de que o valor de reembolso, no vencimento, é feito pelo valor nominal do título e correspondente ao respectivo valor de subscrição! Ou seja, o valor do capital investido é garantido! 13) Veja-se a este propósito o Plano de Formação Financeira em site do Conselho de Supervisores Portugueses – www.todoscontam.pt! 14) Vale isto por dizer que, ainda que se entenda que esta expressão mereceria uma densificação ou explicação aos clientes, a fim de evitar qualquer confusão, o certo é que, transmitindo uma característica técnica, não se poderá firmar que o banco, ou os seus colaboradores agiram com culpa, e muito menos grave! 15) insistimos no facto de esta menção, ainda que interpretada por um “leigo” apenas deveria permitir concluir pela segurança atribuída ao instrumento financeiro em causa! E não a qualquer tipo de garantia absoluta de cumprimento da entidade emitente.

16) A apresentação de características de um produto financeiro meramente descritivas, com indicação de prazo, remuneração, garantia de capital, liquidez por endosso não parece constituir de qualquer forma uma forma de manifestação de uma vontade de vinculação por parte de quem as anuncia! 17) E o certo é que as Obrigações eram então, como são ainda de uma forma geral, um produto conservador, com um risco normalmente reduzido, indexado à solidez financeira da sociedade emitente. Ao que acrescia, no caso concreto, e em abono desta sociedade emitente pertencer ao mesmo Grupo que o Banco Réu - mais, de ser a sua sociedade totalmente dominante! 18) Tanto mais que o risco de um DP no Banco seria, então, semelhante a uma tal subscrição de Obrigações SLN, porque sendo a SLN dona do Banco a 100%, o risco da SLN estava indexado ao risco do próprio Banco.

19) Ao entender esta expressão como tendo valor negocial, o tribunal a quo violou o disposto no art.º 236 º do Código Civil.

De resto, 20) O dever de informação quanto aos “riscos do tipo de instrumento financeiro” surge perfeitamente densificado quanto ao seu cumprimento, não deixando o legislador uma cláusula aberta que permita margem para dúvida quanto ao alcance do seu dever.

21) De facto, se é verdade que a informação tem que ser completa...

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