Acórdão nº 7323/23.9T8VNG.P1 de Tribunal da Relação do Porto, 2024-02-08

Ano2024
Número Acordão7323/23.9T8VNG.P1
ÓrgãoTribunal da Relação do Porto
Apelação nº 7323/23.9T8VNG.P1





ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO


I – Resenha histórica do processo

1. A..., SA instaurou procedimento cautelar comum contra Citizen´s Voice Consumer Advocacy Association, AA e BB, pedindo:
a) Os Requeridos proibidos de manter publicações na página oficial da Requerida na internet, ou nas respetivas páginas no Facebook, Instagram ou noutra rede social alternativa, nas quais imputem à Requerente a prática de quaisquer crimes, designadamente dos crimes de especulação de preços e de publicidade enganosa;
b) O 2.º Requerido proibido de manter publicações nas respetivas páginas de Facebook, Instagram ou outra rede social alternativa, nas quais impute à Requerente a prática de quaisquer crimes, designadamente dos crimes de especulação de preços e de publicidade enganosa;
c) Os Requeridos proibidos de divulgar publicamente as ações judiciais instauradas contra a Requerente que se encontrem ainda pendentes bem como proibida a divulgação das ações que alegadamente estejam em preparação;
d) Os Requeridos condenados a retirar de imediato todas as referências efetuadas à Requerente no site da internet e da página do “Facebook”, e “Instagram” da 1.º Requerida nas quais imputam à Requerente “uma prática de disparidade de preços entre os anunciados pelo A... e os efetivamente cobrados no momento do pagamento” ou ainda de comportamentos lesivos ou ainda de comportamentos lesivos dos direitos dos consumidores;
e) Os Requeridos proibidos de efetuarem publicações pelos mesmos meios eletrónicos relativas a eventuais inquéritos de processos criminais que estejam eventualmente em curso por factos imputados à Requerente;
f) Devendo, ainda, os Requeridos ser condenados ao pagamento de sanção pecuniária compulsória calculada ao valor diário de 5.000,00 (cinco mil euros) até cumprimento integral das determinações que lhes forem impostas.
Em resumo, fundamentou a Requerente as suas pretensões alegando que está a ser alvo por parte dos Requeridos de uma campanha (nas páginas oficiais em que opera nas redes sociais “Facebook”, “Instagram” e na sua página online da internet), dolosamente pré-ordenada, contra o seu bom nome e reputação, através da imputação pública da prática de crimes, a par da imputação de alegados comportamentos lesivos dos direitos dos consumidores, causadora de gravosos danos ao seu bom nome e reputação. Tal causa-lhe lesão grave e dificilmente reparável à Requerente, pois abala a confiança gerada junto dos consumidores e é susceptível de conduzir à perda da sua clientela.
Citados para o efeito, os Requeridos deduziram oposição. No seu articulado invocaram o seu direito de opinião pública, o de participação cívica, bem como o direito de liberdade de expressão e informação/divulgação das suas ações aos seus associados e consumidores em geral. Impugnaram parcialmente a factualidade alegada. Consideraram não existirem factos consubstanciadores dos pressupostos do procedimento cautelar. Invocaram ainda a ilegitimidade do 3º Requerido e pediram a condenação da Requerente como litigante de má-fé.
Realizada audiência de discussão e julgamento [[1]], foi proferida sentença, que decidiu:
A. determino a proibição de a Requerida Citizen´S Voice-Consumer Advocacy Association manter publicações na sua página oficial na internet, ou nas respetivas páginas no “Facebook”, “Instagram” ou noutra rede social alternativa, nas quais imputem à Requerente a prática de quaisquer crimes, designadamente dos crimes de especulação de preços e de publicidade enganosa, pelos quais não tenha sido condenada;
B. Determino a proibição de o Requerido AA manter publicações nas respetivas páginas de “Facebook”, “Instagram” ou outra rede social alternativa, nas quais impute à Requerente a prática de quaisquer crimes, designadamente dos crimes de especulação de preços e de publicidade enganosa, pelos quais não tenha sido condenada;
C. Condeno os Requeridos Citizen´S Voice-Consumer Advocacy Association e AA a retirar de imediato todas as referências efetuadas à Requerente no site da internet e das páginas do “Facebook”, e “Instagram” nas quais, imputam à Requerente a prática de crimes de especulação de preços e de publicidade enganosa, pelos quais não tenha sido condenada.
D. Condeno os Requeridos Citizen´S Voice-Consumer Advocacy Association e AA a pagar a quantia de €1.000,00 (mil euros) por cada dia de atraso no cumprimento do determinado em a) a c), a título de sanção pecuniária compulsória.
II – Absolvo os Requeridos Citizen´S Voice-Consumer Advocacy Association e AA do demais peticionado.
III - Absolvo o Requerido BB de todos os pedidos contra o mesmo formulados.

2. Para assim decidir, o Tribunal considerou indiciariamente provada a seguinte factualidade:
1. A Requerente é uma sociedade comercial, constituída em 1979, que tem por objeto a produção e comércio de produtos alimentares e não alimentares, incluindo medicamentos não sujeitos a receita médica e, de um modo geral, de todos os produtos de grande consumo, a exploração de centros comerciais, a prestação de serviços e, ainda, o de importações e de exportações.
2. Explora, a nível nacional, a cadeia de supermercados da marca A..., que ocupa uma posição de liderança no segmento de supermercados e conta com mais de 32.000 colaboradores.
3. A Requerente integra-se no Grupo B..., com atividade desde 1792.
4. Do Código de Conduta deste grupo societário consta que o “Grupo B... conduz os seus negócios com respeito pelo cumprimento das leis aplicáveis nos países onde opera (…) conduz a sua atividade com honestidade, rigor e integridade. (…) existe tolerância zero para qualquer comportamento que integre a prática de atos de corrupção, tráfico de influências, recebimento ou oferta indevidos de vantagem ou pagamento ou recebimento de quaisquer benefícios contrários à lei ou a este Código de Conduta, (…) como parte integrante dos seus princípios e valores éticos, o Grupo adota políticas comerciais que visam garantir a proteção dos direitos dos consumidores e o respeito pelas normas de concorrência e de lealdade no comércio vigentes em todos os ordenamentos jurídicos em que atua que não dá nem recebe, directa ou indirectamente, subornos ou quaisquer outras vantagens impróprias para o seu negócio.”
5. A Requerente desenvolve a sua atividade no sector do retalho alimentar.
6. É um setor marcado pela competitividade, ligação à comunidade em que se insere geograficamente e suportado na confiança gerada junto dos seus clientes.
7. A 1ª Requerida é uma associação constituída por escritura pública outorgada em 14 de dezembro de 2021 na Conservatória do Registo Comercial de Vila Nova de Gaia, tendo como fim estatutário declarado a “Defesa dos consumidores na União Europeia, seus associados, e dos consumidores em geral, que sejam cidadãos da União Europeia ou que sejam cidadãos de Estados terceiros residentes na União Europeia”.
8. Os 2º e 3º Requeridos integram o órgão de direção da Requerida, tendo sido eleitos em assembleia geral eleitoral realizada no dia 15 de dezembro de 2021.
9. A Requerente desenvolve atividade em todo o território continental há mais de 40 anos, explorando cerca de 470 estabelecimentos comerciais de supermercado.
10. A forma como se relaciona com os seus clientes e ética da sua atuação são fatores decisivos para a sua imagem comercial.
11. É essencial à sua atividade que se mantenha intacta na comunidade a sua imagem de credibilidade, a sua reputação e o respetivo prestígio social.
12. A Requerida, com intervenção direta do 2º Requerido, vem imputando à Requerente, nas páginas oficiais em que opera nas redes sociais “Facebook” e “Instagram” e na sua página online da internet, a prática de um número crescente de crimes de especulação e de crimes de publicidade enganosa.
13. Na página oficial da Requerida na internet: https://citizensvoice.eu, no dia 27.09.2023 constava a seguinte comunicação: “Outros alertas relevantes Na incessante luta pelos direitos dos consumidores, avançamos com várias ações judiciais perante as várias reclamações dos clientes do A..., S.A. ("A..."). Essas queixas lançam luz sobre as alarmantes disparidades de preços entre os anunciadas pelo A... e os efetivamente cobrados no momento do pagamento. Revelando uma prática generalizada e ilícita, diversas lojas do A... estão sob a acusação, onde uma infinidade de bens essenciais, predominantemente alimentos, têm apresentado discrepâncias gritantes entre os preços apresentados nas prateleiras e os pagos no momento do pagamento pelos consumidores desprevenidos. Surpreendentemente, essas disparidades chegam a ultrapassar uns impressionantes 100 % (o dobro do preço anunciado) em determinados produtos, com alguns casos dessa exploração se manter por um descarado período de mais de 30 dias. Como resposta, até ao momento, demos entrada com 58 ações coletivas (ações populares) – estando outras 10 em preparação -, procurando que seja feita justiça para as massas de consumidores lesados. Verifique AQUI se foi vítima dessas táticas nas diferentes lojas do A... e nas datas em questão. No entanto, é crucial reconhecer que todos os consumidores, independentemente das suas compras, foram lesados pela distorção das condições de equidade concorrencial. Este comportamento, reiterado, em diferentes datas, pelo A..., mesmo depois de ter sido citado e ter contestado pelo menos uma ação judicial, na sua essência, mina perpetuamente a confiança dos consumidores. Portanto, iremos procurar, pelos meios legais, a reparação e a compensação adequada para todos aqueles que sofreram essa grosseira violação do direito a uma relação de consumo justa.”
14. Da mesma página na internet - https://citizensvoice.eu/accoes-populares/ consta publicação com o seguinte teor:
LESADOS A... BRAGA
Universo de todos os consumidores que adquiriram limões no A... Braga ... durante os dias 25 e 26 de
...

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