Acórdão nº 1896/20.5T8FNC.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 30 de Novembro de 2022

Magistrado ResponsávelMARIA DA GRAÇA TRIGO
Data da Resolução30 de Novembro de 2022
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça 1. AA, BB, CC, DD e EE intentaram a presente acção declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, contra Seguradoras Unidas, S.A.

, pedindo a condenação desta a pagar, tudo com juros legais moratórios desde a citação até integral pagamento: - Aos autores, em conjunto, €60.000, pelo dano decorrente da morte de FF, e €10.000€ pelo dano decorrente das dores e antevisão pela vítima da sua própria morte no momento do embate e horas seguintes; - À autora AA € 20.000, à autora BB € 15.000, e aos demais autores €10.000/cada, por danos [morais] próprios sofridos com a morte da vítima; - Às autoras AA e BB, pelo dano patrimonial (alimentos) pela perda de rendimentos futuros da vítima, € 109.638,78; - À autora AA pelas despesas de transporte do falecido para o hospital e despesas de funeral, o montante de € 2.365,50.

Alegam, em síntese, que: no dia 22/08/2018, um veículo ligeiro de mercadorias, que circulava numa estrada, no sentido norte-sul (descendente), colheu um peão quando este fazia o atravessamento da via, provindo de uma propriedade privada em direcção ao veículo da sua mulher, que se encontrava estacionado do lado direito (ascendente) da estrada, carregando um fardo de erva às costas; do atropelamento resultou o falecimento do peão nesse dia; a eventual responsabilidade civil emergente da circulação do veículo encontrava-se transferida para a R. seguradora.

A R. seguradora contestou, aceitando alguns dos factos alegados pelos AA. e impugnando outros, e apresentou a sua versão dos mesmos; esclareceu que a proprietária do veículo era a C..., Lda., que transferiu para a R. a eventual responsabilidade civil decorrente da circulação do mesmo.

O Instituto da Segurança Social, I.P.

deduziu pedido de reembolso de prestações por si pagas à viúva e à filha do falecido, no valor total de € 15.994,27, e ainda aquelas a pagar até ao encerramento do processo, acrescentando que a culpa do condutor do veículo se presumia, nos termos do disposto no art. 503.º, n.º 3, do Código Civil, pois o veículo era conduzido por ele enquanto trabalhador por conta de outrem, sob a direcção, responsabilidade e interesse da entidade empregadora (a sociedade proprietária do veículo).

A R. contestou este pedido, no essencial, nos mesmos termos da anterior contestação, impugnando também os factos que permitiam a conclusão da condução por conta de outrem.

Por sentença de 20 de Dezembro de 2021 foi proferida decisão que julgou improcedente a acção, absolvendo a R. do pedido.

Inconformados, interpuseram os AA. recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa, impugnando a decisão da matéria de facto e pedindo a reapreciação da decisão de direito.

O Instituto da Segurança Social veio, ao abrigo do disposto nos n.ºs 2, 3 e 4 do art. 634.º do Código de Processo Civil, declarar a sua adesão ao recurso interposto pelos AA..

Por acórdão de 9 de Junho de 2022 foi pontualmente alterada a matéria de facto e, a final, foi proferida a seguinte decisão: «Pelo exposto, julga-se o recurso parcialmente procedente, revogando-se a sentença recorrida e condenando agora a ré a pagar: - aos 5 autores 60.000€ pelo dano morte, a repartir em partes iguais por cada um deles; - à autora AA 20.000€, à autora BB 15.000€ e aos demais autores 10.000€/cada, por danos próprios sofridos com a morte da vítima; - à autora AA 33.277,23€ de indemnização prevista no art. 495/3 do CC, a que há que descontar o valor de 12.743,15€ recebidos do ISS a título de pensões de sobrevivência, ficando pois reduzidos a 20.534,08€.

- à autora BB 17.617,50€ de indemnização prevista no art. 495/3 do CC, a que há que descontar o valor de 2.392,79€ recebidos do ISS a título de pensões de sobrevivência, ficando pois reduzidos a 15.224,71€.

- à autora AA, as despesas de funeral comprovadas (art. 495/1 do CC), 1.665€, a que há que descontar 965,03€ do subsídio por morte recebidos do ISS, ficando pois reduzidos a 699,97€.

- ao ISS 16.100,97€ (= 965,03€ + 12.743,15€ + 2.392,79€).

Tudo com juros de mora à taxa legal desde a citação/notificação [em 08/06/2020 quanto ao pedido dos autores e em 12/02/2021 quanto ao pedido do ISS, mas quanto a este apenas relativamente aos valores que já nessa altura estavam pagos, vencendo-se juros quanto aos outros valores pagos pelo ISS a partir da data desses pagamentos] até integral pagamento Quanto ao pedido dos autores, custas, na vertente de custas de parte por não haver outras, pela ré seguradora (na proporção de 65,37%) e pelos autores (na proporção de 34,63%).

Quanto ao pedido do ISS, custas, na vertente de custas de parte (não há outras), em 75% pela ré (o ISS está isento delas).».

  1. Vem a R. interpor recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, formulando as seguintes conclusões: «I. Vem o presente recurso de revista interposto do Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa que julgou parcialmente procedente o recurso de apelação apresentado pelos Autores melhor identificados nos autos, condenando a Ré ao pagamento dos seguintes valores: h) €60.000,00 (sessenta mil euros) pelo dano morte, a repartir em partes iguais por cada um dos Autores; i) €20.000,00 (vinte mil euros) à Autora AA, €15.000,00 (quinze mil euros) à Autora BB e €10.000,00 (dez mil euros) a cada um dos demais Autores, pelos respetivos danos próprios sofridos com a morte da vítima; j) €33.277,23 à autora AA a título de indemnização prevista no art.º 495/3 do Código Civil (CC), a que há que descontar o valor de €12.743,15 recebidos do ISS a título de pensões de sobrevivência, ficando, pois, reduzidos a €20.534,08; k) €17.617,50 à autora BB, a título de indemnização prevista no art.º 495, n.º 3 do CC, a que há que descontar o valor de €2.392,79 recebidos do ISS a título de pensões de sobrevivência, ficando, pois, reduzidos a €15.224,71; l) à autora AA, as despesas de funeral comprovadas (art. 495/1 do CC), 1.665€, a que há que descontar 965,03€ do subsídio por morte recebidos do ISS, ficando, pois, reduzidos a 699,97€.

    m) ao ISS o valor de €16.100,97 (= €965,03 + €12.743,15 + €2.392,79); n) todos os valores com juros de mora à taxa legal desde a citação/notificação [em 08/06/2020 quanto ao pedido dos autores e em 12/02/2021 quanto ao pedido do ISS, mas quanto a este apenas relativamente aos valores que já nessa altura estavam pagos, vencendo-se juros quanto aos outros valores pagos pelo ISS a partir da data desses pagamentos] até integral pagamento; II. Neste contexto, o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, ora recorrido, procede também à alteração da matéria de facto, do seguinte modo (sem destaque no original): “1. No dia 22/08/2018, cerca das 09h35, na Estrada ..., ..., ..., GG conduzia um veículo ligeiro de mercadorias, matrícula ..-..-SV, marca Mitsubishi, modelo Canter [...; peso máximo 3500], e HH encontrava-se apeado na referida rua.

  2. Nas mesmas circunstâncias de tempo e lugar referidas em 1, o peão saía de uma propriedade privada, tendo em vista a travessia da aludida via de trânsito.

  3. Com um fardo de erva às costas, com o intuito de atravessar a referida via pública, em direcção ao veículo da sua mulher, que se encontrava estacionado no lado direito (ascendente) da faixa de rodagem, olhou para a esquerda e para a direita, com o intuito de verificar se circulavam veículos quer no sentido ascendente, quer no sentido descendente.

  4. Ao iniciar o atravessamento da via pública, o peão foi colhido pelo veículo, que circulava naquela estrada em sentido descendente, numa recta no sentido norte-sul (P.../C...).

  5. [O condutor d]o veículo, no dia, hora e local aludidos em 1, quando avistou o peão com um fardo de erva às costas e uma foice na mão, parado na berma da estrada, abrandou a marcha.

  6. Tendo continuado a sua circulação, presumindo que o peão aguardaria a sua passagem.

  7. Acto contínuo, veio o peão a embater na zona do canto frontal direito (faróis e retrovisor) do veículo. => O peão avançou em frente e foi colhido pela frente, a cerca 20/30 cm da esquina direita, do veículo.

  8. Tendo o peão, consequentemente, sido projectado para o chão, levado pelo veículo, acabando por ficar a 21,60m do local de embate.

  9. O peão olhou para ambos os lados da faixa de rodagem antes de dar início à travessia. …” III. Assim, da matéria de facto ora fixada pelo Tribunal da Relação de Lisboa decorre a culpa exclusiva do lesado na ocorrência do acidente, pois, como resulta do douto acórdão, o lesado “(…) olhou para a esquerda e para a direita, com o intuito de verificar se circulavam veículos quer no sentido ascendente, quer no sentido descendente …”, “(…) olhou para ambos os lados da faixa de rodagem antes de dar início à travessia…” e, por último, “(…) o peão avançou em frente e foi colhido pela frente, a cerca 20/30 cm da esquina direita, do veículo”, IV. Em abono da verdade, ao suprimir o entendimento no sentido de que o peão embateu no “canto frontal direito (faróis e retrovisor) do veículo” e fixando que esse mesmo embate se verificou a “cerca 20/30 cm da esquina direita, do veículo” (vide ponto 32 da matéria de facto do Acórdão), vem o Meritíssimo Tribunal a quo reforçar tal entendimento, na medida em que fica demonstrado e assente que o peão avançou para a estrada quando o veículo seguro se encontrava já demasiado próximo, sendo manifestamente impossível ao condutor deste último evitar a colisão.

    1. E assim conclui o douto acórdão recorrido quando afirma que “os factos provados permitem (…) concluir que o peão avançou quando o veículo estava a uma distância muito próxima” (cfr. Página 29 do acórdão recorrido).

    2. Concomitante, da mesma matéria de facto ora fixada pelo Tribunal da Relação de Lisboa não foi dado como provado qualquer facto atinente à falta de zelo ou diligência daquele que assumia a direção efetiva do veículo seguro pela Ré/Recorrente.

    3. Isso mesmo é também afirmado, entre parêntesis, pelo Venerando Tribunal a quo: “o que afasta a prova efectiva do condutor do veículo e, por isso, a condenação da ré com base na culpa efectiva do...

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