Acórdão nº 422/20.0T9SLV.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 22 de Novembro de 2022

Magistrado ResponsávelF
Data da Resolução22 de Novembro de 2022
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acordam, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora: 1. RELATÓRIO 1.1. Neste processo comum n.º 422/20.0T9SLV, do Tribunal Judicial da Comarca de Faro – Juízo de Competência Genérica de Silves, foi submetido a julgamento, com a intervenção do Tribunal Singular, o arguido AA, melhor identificado nos autos, estando acusado da prática de um crime de desobediência, p. e p. pelo artigo 348º, n.º 1, al. b), do Código Penal.

1.2. Realizado o julgamento, foi proferida sentença, em 21/04/2022, depositada em 26/04/2022, na qual se decidiu absolver o arguido da prática do crime de desobediência, por que vinha acusado.

1.3. Inconformado com o decidido, o Ministério Público interpôs recurso para este Tribunal da Relação, apresentando a respetiva motivação e formulando, a final, as conclusões que seguidamente se transcrevem: «1. O presente recurso reporta-se, quer à Matéria de Direito, quer à Matéria de Facto que foi dada como não provada, nomeadamente as als.) a), b) e c).

  1. Tais factos, salvo o devido respeito, foram incorrectamente julgados pelo Tribunal recorrido, consubstanciando, erro de julgamento (412.º, n.º 3, al. a), do Código de Processo Penal.

  2. Atenta a prova produzida, salvo o devido respeito, deveria o tribunal a quo ter procedido à alteração não substancial do factos, no que concerne à alínea a) dos factos não provados, passando a ter a seguinte redação: “Atenta a condenação do arguido, no âmbito da referida sentença, foi aquele regularmente notificado do despacho de 19 de Outubro de 2020, que determinava que deveria proceder à entrega do título de condução que se encontrava na sua posse, no prazo de dez dias, para cumprimento integral da pena acessória que lhe foi imposta, sob pena de, não o fazendo, incorrer na prática de um crime de desobediência”.

  3. Ao contrário do considerado pelo Tribunal a quo, dúvidas não restam (desde logo pela conduta do arguido ao entregar em 31-10-2019, quer de licença de condução (ADV00300518), quer a guia de substituição de carta de condução FA-86722), que o arguido era conhecedor da obrigação de entrega da 2ª via da carta de condução, pelo que decidiu e quis não proceder à entrega, tal como o tinha feito anteriormente.

  4. Neste sentido, entende-se que deverá ser modificada a decisão proferida sobre a matéria de facto dada como não provada (alíneas b) e c), devendo, consequentemente tais factos ser considerados dados como provados.

  5. A exigência de notificação pessoal do arguido é injustificada no presente caso, acarretando desvantagens para o normal desenrolar do processo, sem quaisquer acrescidas garantias para o arguido, não sendo exigível legalmente (Lei n.º 20/2013, de 21 de Fevereiro, ao art. 196º, n.º 3, alínea e), do C.P.P.

  6. O tribunal a quo deveria ter tido em linha de conta o Acórdão Uniformizador de Jurisprudência n.º 6/2010, não obstante o mesmo não versar sobre o mesmo thema decidendum, mas uma vez que se aproxima nas suas repercussões práticas, entendendo-se que os argumentos utilizados neste acórdão também serão de sopesar neste tipo de situações, pois ao se permitir que a notificação do despacho de revogação da suspensão da pena de prisão seja efectuada por via postal simples com prova de depósito, não se entende porque no caso em apreço se exigisse que fosse pessoal, razão pela qual, não se anteveem entraves à aplicação daquela jurisprudência ao presente caso.

  7. Pelo exposto, o Tribunal a quo violou as disposições conjugadas do n.º 1, al. c) e nº 3 do artigo 113.º, alínea c) do n.º 3 do artigo 196.º, 214.º, n.º 1, al. e) todos do Código de Processo Penal.

  8. A comunicação ao destinatário/arguido (notificação do despacho de 19-10-2020) foi regular, correcta e objectivamente efectuada, sendo certo que, o arguido bem sabia que deveria entregar a 2ª via da carta de condução, já que em momento anterior entregou a respectiva guia e a licença de condução ADV00300518, encontrando-se preenchidos os elementos objectivos do tipo.

  9. No que concerne aos elementos subjectivos, não nos subsiste qualquer dúvida no sentido de que o arguido devidamente notificado do despacho de 19 de Outubro de 2020, ficou ciente da ordem transmitida para entrega da 2ª via da carta de condução e da cominação em caso de omissão e, em consequência, que representou necessariamente o resultado ilícito decorrente da omissão de entrega dos documentos (desobediência à ordem que lhe havia sido transmitida), não se vislumbrando qualquer outro desiderato que não o intencional.

  10. Pelo exposto, pugna-se pela modificação da decisão proferida sobre a matéria de facto dada como não provada (alíneas b) e c), devendo, consequentemente tais factos ser considerados dados como provados.

  11. A ordem contida na notificação realizada ao arguido é legítima e provém da entidade a quem a lei conferiu poderes para a dar, sendo punível como desobediência, pois que, não se procedendo à entrega tempestiva do título de condução, viola-se mandado transmitido por agente de autoridade, investido de poderes para tanto.

  12. Neste sentido, subsumindo os factos às normas supra referidas, conclui-se que o arguido preencheu com a sua conduta, não só os elementos objectivos, como, também os subjectivos do tipo de ilícito, do crime de desobediência do artigo 348, n.º 1, al. b), do Código Penal, não podendo, por isso, deixar de ser condenado pela sua prática, razão pela qual, a decisão recorrida deverá ser revogada por violação do disposto nos artigos 14º e 348.º, n.º 1, alínea b),do Código Penal, e substituída por outra que, declarando a responsabilidade criminal decorrente dos factos que integram o objecto do processo, condene o arguido.

    Porém, Vossas Excelências, como sempre, doutamente decidirão, fazendo a habitual JUSTIÇA!».

    1.4. O arguido não apresentou resposta ao recurso.

    1.5. O recurso foi regularmente admitido.

    1.6. Nesta Relação, o Exm.º Procurador-Geral Adjunto emitiu Parecer no sentido de o recurso dever merecer provimento.

    1.7. Foi cumprido o disposto no art.º 417º, n.º 2, do Cód. Proc. Penal, não tendo sido exercido o direito de resposta.

    1.8. Efetuado exame preliminar e colhidos os vistos, vieram os autos à conferência, cumprindo agora apreciar e decidir.

  13. FUNDAMENTAÇÃO 2.1.

    Delimitação do objeto do recurso Constitui jurisprudência uniforme que os poderes de cognição do tribunal de recurso são delimitados pelas conclusões extraídas pelo recorrente da motivação de recurso (cf. artigos 403º, nº 1 e 412º, nºs 1, 2 e 3, do Código de Processo Penal), sem prejuízo, da apreciação das questões de conhecimento oficioso, como sejam as nulidades que não devam considerar-se sanadas (cf. artigos 410º, nº 3 e 119º, nº 1, ambos do Código de Processo Penal).

    Assim, no caso em análise, considerando as conclusões da motivação do recurso as questões suscitadas são as seguintes: - Impugnação da matéria de facto dada como não provada nas alíneas a), b) e c), por erro de julgamento.

    - Violação dos artigos 196º, nº 3 al. c), 113º, nº 1 al. c), nº 3 e 214.º, n.º 1, al. e), do Código de Processo Penal, 348.º, nº 1 al. b) e 14º ambos do Código Penal.

    2.2. É o seguinte o teor da sentença recorrida, nos segmentos que relevam para a apreciação do mérito do recurso: «(...) II -FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO.

    A) FACTUALIDADE PROVADA: Da discussão da causa resultaram provados os seguintes factos: 1. Por sentença proferida em 17/10/2019, no âmbito do processo sumaríssimo nº 179/19.

    7GTABF, do Tribunal Judicial da Comarca de Faro – Juízo de Competência Genérica de Silves...

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