Acórdão nº 220/19.4T9ORQ.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 22 de Novembro de 2022

Magistrado ResponsávelJO
Data da Resolução22 de Novembro de 2022
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acordam, em conferência, os Juízes da 2.ª Subsecção Criminal do Tribunal da Relação de Évora: I.

No processo comum n.º 220/19.4T9ORQ do Juízo de Competência Genérica de ..., Comarca de ..., os arguidos Casa do Povo... e AA foram, depois de pronunciados, submetidos a julgamento e, realizada a audiência, foi proferida sentença que decidiu, na parte que ora releva: “A) Condenar a arguida «Casa do Povo...», pela prática de 1 (um) crime de burla tributária (agravada) à Segurança Social, p. e p. pelos artigos 7.º e 87.º, n.ºs 1 e 2, do RGIT, na pena de 250 (duzentos e cinquenta) dias de multa, à razão diária de € 7,00 (sete euros), perfazendo o total de € 1.750,00 (mil setecentos e cinquenta euros); B) Condenar o arguido AA, pela prática, em coautoria material e na forma consumada, de 1 (um) crime de burla tributária (agravada) à Segurança Social, p. e p. pelos artigo 87.º, n.ºs 1 e 2, do RGIT, na pena de 140 (cento e quarenta) dias de multa, à razão diária de € 6,00 (seis euros), perfazendo o total de € 840,00 (oitocentos e quarenta euros); … E) Julgar o pedido de indemnização civil deduzido pelo «INSTITUTO DA SEGURANÇA SOCIAL, I.P.» integralmente procedente por provado e, em consequência, condenar solidariamente os arguidos/demandados no pagamento ao Demandante da quantia global de € 17.504,40 (dezassete mil quinhentos e quatro euros e quarenta cêntimos), acrescida dos respetivos juros de mora calculados à taxa legal aplicável de acordo com o regime de juros de mora das dívidas ao Estado e outras entidades públicas, consagrado no Decreto-Lei n.º 73/99, de 16/03, desde a data da notificação dos arguidos para contestarem o pedido de indemnização civil, até efetivo e integral pagamento.” O INSTITUTO DA SEGURANÇA SOCIAL, I.P. deduziu pedido de indemnização civil contra os arguidos pedindo a condenação destes no pagamento da quantia de € 17.504,40, acrescida dos respetivos juros legais, contabilizados até ao pagamento efetivo e integral de tal quantia.

Desta decisão condenatória vieram interpor recurso, com os fundamentos constantes das respectivas motivações que aqui se dá por reproduzida e as seguintes conclusões: 1. A arguida Casa do Povo...: “1. Para determinação da medida da pena, a Sentença atendeu ao grau de ilicitude, que considerou ser de nível médio.

  1. Não se olvide que foi AA, o outro arguido, que atuou nos exatos termos apurados na factualidade dada como provada, na qualidade de legal representante da pessoa coletiva Casa do Povo... e no interesse desta.

  2. Em todo o caso, a alínea a) do nº 2 do artigo 71º do Código Penal manda aferir do grau de ilicitude, seja qual for o tipo de responsabilidade. Portanto, não se pode excluir o ilícito em causa, embora neste caso se afigure que o tenha sido, por reporte ao arguido AA, pessoa singular.

  3. Não é relevante se a maior parte das burlas tributárias são caraterizadas por um grau de ilicitude inferior. O que conta é a intensidade do grau de ilicitude sub judicio: reduzido, moderado ou elevado.

  4. Voltando à reflexa responsabilidade da arguida Casa do Povo..., realça-se que o Instituto da Segurança Social concedeu à arguida a prestação de comparticipações sociais de valor € 17.504,40 como consequência direta e necessária da conduta de AA, no período temporal descrito na acusação.

  5. Assim, abaixo da média, na média ou acima da média: é uma apreciação estatística. Não demonstra a intensidade do grau de ilicitude.

  6. Ao fixar a pena considerando que o grau de ilicitude é de nível médio, o Tribunal apenas afirma que, na maior parte dos casos, o grau de ilicitude é mais baixo. Não esclarece se, na presente situação, o grau de ilicitude é reduzido, moderado ou intenso.

  7. Assim, na determinação da medida concreta da pena, o Tribunal violou o disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 71.º do Código Penal.

  8. Dos factos dados como provados, apenas se pode retirar que o grau de ilicitude não é reduzido, mas também não é elevado.

  9. Portanto, apenas se pode concluir que o grau de ilicitude é moderado.

  10. Por outro lado, também para determinar concretamente a medida da pena, o Tribunal considerou o modo de execução, como estipula o referido comando legal.

  11. Nessa medida, considerou o valor global da atribuição patrimonial indevidamente recebida (€ 17.504,40), o período a que a mesma se reporta, e o contexto em que os factos foram praticados, momento em que a instituição atravessava dificuldades económico-financeiras.

  12. Porém, não resultam considerandos sobre a responsabilidade das pessoas coletivas que, como se sabe, é de natureza excecional.

  13. Assim, para a determinação da medida concreta da pena da aqui recorrente, é relevante o facto da sua responsabilidade penal ser meramente reflexa da do arguido AA.

  14. Ao não a tomar em consideração, o Tribunal violou a alínea a) do n.º 2 do artigo 71.º do Código Penal.

  15. Já quanto à intensidade do dolo, igualmente este ficou indexado ao dolo direto do arguido AA, quando o mesmo, evidentemente, se poderia afirmar somente dolo eventual para a recorrente.

  16. No que respeita à medida concreta da pena, o limite máximo fixa-se de acordo com a culpa do agente. O limite mínimo situa-se de acordo com as exigências de prevenção geral.

  17. A pena concreta é achada considerando as exigências de prevenção e todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor ou contra o arguido.

  18. Dado que se tem escolhida o tipo de pena, temos, assim, uma moldura penal abstrata de 240 dias de multa a 1200 dias de multa.

  19. Nunca pode ser infligida ao arguido uma pena que vá para além dos limites impostos pela medida da sua culpa.

  20. A culpa afere-se pelas circunstâncias de facto que rodearam a conduta do arguido.

  21. De acordo com a matéria de facto dada como provada, a culpa da Casa do Povo... é reduzida.

  22. A medida da culpa da arguida importa que a pena não seja superior aos 250 dias de multa.

  23. Por outro lado, as exigências de prevenção geral – que nunca são de descurar – não se fazem sentir com particular acuidade neste domínio. Deste modo, as necessidades de prevenção geral não justificam que o limite mínimo vá para além daquele que é prescrito pela moldura abstrata: 240 dias de multa.

  24. No que toca às circunstâncias que não integram o tipo e que depõem a favor ou contra o arguido, há a considerar nomeadamente a ausência de antecedentes criminais da arguida Casa do Povo....

  25. Por fim, estabelece o n.º 2 do artigo 47.º do Código Penal que: Cada dia de multa corresponde a uma quantia entre € 5 e € 500, que o tribunal fixa em função da situação económica e financeira do condenado… 27. Ora, ficou provado que no período temporal em apreço nos autos a Casa do Povo... enfrentava sérias dificuldades financeiras devido à falta de liquidez para custear os gastos correntes da referida instituição, designadamente, salários, consumíveis e alimentação dos utentes. Tendo apresentado resultados negativos relativos ao exercício económico dos anos de 2016 e 2017. A Casa do Povo... requereu que a restituição das alegadas atribuições patrimoniais indevidamente feitas pelo «Instituto da Segurança Social, I.P.» fosse paga em prestações, o que foi rejeitado pelos respetivos serviços centrais. O «Instituto da Segurança Social, I.P.» optou ainda por não efetuar a compensação do valor constante do ponto 16) da acusação com as posteriores atribuições patrimoniais feitas à «Casa do Povo...», porquanto esta é uma instituição de solidariedade social com poucos recursos financeiros e completamente dependente do ISS, o que conduziria a uma situação de rutura nas contas, colocando em causa a sua sobrevivência e o apoio aos idosos em causa.

  26. Assim, face à evidente situação económica e financeira da arguida Casa do Povo..., afigura-se justo a aplicação da multa à razão da taxa mínima legal, que se cifra em € 5.” Termina no sentido de ser estipulada a pena de multa em € 1200 (240dias x 5€).

  27. O arguido AA: “1. A Sentença é nula por violação do art. 374º, n. 2 do CPP 2. Da sua leitura não é possível perceber qual o processo lógico-mental utilizado para chegar à conclusão que se mostram preenchidos os elementos objetivos e subjetivos do crime burla tributária (agravada) imputado ao arguido, designadamente que o arguido deu instruções à administrativa para integrar falsos utentes nas listagens e remetê-las mensalmente ao ISS.

    Subsidiariamente, 3. quanto à impugnação da matéria de facto, o recorrente sindica os pontos 11, 12, 13, 14, 15 e, 16, 4. Pugna que identificados nos pontos, nos moldes especificados nas alegações, devem passar para os não provados.

  28. Quanto à matéria de direito, e independentemente da procedência da impugnação à matéria de facto, entende o recorrente que a pena a aplicar teria que, necessariamente, incluir a perda das vantagens patrimoniais obtidas pela Casa do Povo... com a imputada prática do crime de burla à Segurança Social nos termos do art. 110º, n.1 al b) do Cod. Penal; 6. Já na dependência da procedência da matéria de facto, na parte criminal, deve o arguido ir absolvido, porquanto a sua conduta, meramente omissiva, consubstancia um facto atípico.

  29. E, consequentemente, no que concerne ao pedido de indemnização cível, deve o mesmo ser julgado improcedente, por falta do pressuposto ilicitude ou, caso assim não se entenda, o mesmo reduzido para €4.961,40. “ Termina pedindo seja julgada verificada a nulidade arguida, com as necessárias consequências e, subsidiariamente, deve o arguido ir absolvido quer na parte criminal, quer no pedido de indemnização civil ou reduzido ao montante de €4.961,40.

    O M.º P.º apresentou resposta às motivações de ambos os recursos, defendendo a manutenção da decisão proferida, concluindo que: “1. Os arguidos «Casa do Povo...» e AA foram condenados, além do mais, por sentença de 24 de Janeiro de 2022, proferida pelo Tribunal Judicial da Comarca de ... - Juízo de Competência Genérica de ..., pela prática cada um de 1 (um) crime de burla tributária (agravada) à Segurança Social, p. e p. pelo 87.º, n.ºs 1 e 2, do...

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