Acórdão nº 6337/21.8T8VNG.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 28 de Novembro de 2022

Magistrado ResponsávelANTÓNIO LUÍS CARVALHÃO
Data da Resolução28 de Novembro de 2022
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Recurso de apelação n.º 6337/21.8T8VNG.P1 Origem: Comarca do Porto, Juízo do Trabalho de Vila Nova de Gaia – J3 Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto: RELATÓRIO AA (Autora[1]) apresentou formulário para impulsionar ação especial de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento contra “M..., S.A.

”(Ré), manifestando oposição ao seu despedimento, ocorrido em 02/08/2021, juntando cópia de decisão proferida em procedimento disciplinar que lhe foi instaurado.

Realizada «audiência de partes», frustrou-se a conciliação das mesmas.

Notificada a Ré para apresentar articulado de motivação do despedimento (AMD), a mesma apresentou tal articulado, juntando o procedimento disciplinar que instaurou à Autora, sua trabalhador, e alegando que o comportamento da Autora dado como provado consubstancia uma violação muito grave dos deveres de respeito, obediência e lealdade, violando as alíneas a), e) e f) do nº 1 do art.º 128º do Código do Trabalho, integrando justa causa de despedimento, acrescentando que a Autora litiga de má-fé ao deduzir uma pretensão cuja falta de fundamento não ignora, pelo que deve ser condenada em multa e indemnização condignas, a última em valor não inferior a €2.500,00; termina dizendo dever ser reconhecida a licitude e validade do despedimento, e condenada a Autora como litigante de má-fé.

Notificada, a Autora apresentou contestação, com dedução de reconvenção, pedindo que seja declarado ilícito o seu despedimento da Autora, e em consequência: a) ser a Ré condenada a pagar-lhe indemnização em substituição de reintegração, que nunca poderá ser inferior a €13.369,05; b) ser a Ré condenada a pagar-lhe as retribuições que deixou de auferir desde 02/08/2021 até ao transito em julgado da sentença, sem prejuízo do disposto no artigo 98-N, nºs 1 a 3, do CPT; d) ser julgada procedente a reconvenção e, consequentemente, ser a Ré condenada a pagar-lhe a quantia de €5.000,00 a título de indemnização por danos não patrimoniais.

Alegou, em resumo, por um lado que o procedimento disciplinar é ineficaz e ilegítimo porque não existe documento a conferir poderes ao seu instrutor, e por outro lado, contrariando os factos imputados, sendo o despedimento ilícito, tendo sofrido danos não patrimoniais com o comportamento da Ré ao longo do procedimento disciplinar.

A Ré apresentou resposta concluindo dever o pedido reconvencional improceder, devendo ser absolvida do mesmo.

Foi realizada «audiência prévia», na qual foram proferidos despachos: − a admitir a reconvenção; − a fixar o valor da ação em €5.051,00; − a fixar o objeto do processo e a enunciar os temas de prova.

Depois de realizada «audiência de discussão e julgamento», foi proferida sentença decidindo julgar a ação improcedente, e, em consequência: i) declarou lícito o despedimento da Autora, AA, promovido pela Ré “M..., S.A.”; ii) absolveu a Ré da totalidade dos pedidos contra a mesma formulados pela Autora; iii) condenou a Autora como litigante de má-fé na multa de 4 UC´s, bem como no pagamento à Ré de uma indemnização no valor de €1.000,00 (mil euros).

Não se conformando com a sentença proferida, dela veio a Autora interpor recurso, formulando as seguintes CONCLUSÕES, que se transcrevem[2]: …………………………….

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Termina dizendo dever o recurso ser julgado procedente, nos termos propugnados, e em consequência ser a sentença recorrida revogada na parte da alteração da matéria dada como não provada, e quanto à multa e à indemnização arbitrada à Recorrida derivada da litigância de má-fé.

A Ré apresentou resposta, formulando as seguintes CONCLUSÕES, que se transcrevem: …………………………….

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Termina dizendo dever o recurso ser julgado totalmente improcedente, mantendo-se integralmente a sentença recorrida.

Foi proferido despacho a mandar subir o recurso de apelação, imediatamente, nos próprios autos, e com efeito suspensivo.

O Senhor Procurador-Geral-Adjunto, neste Tribunal da Relação, emitiu parecer (art.º 87º, nº 3 do Código de Processo do Trabalho), pronunciando-se no sentido de merecer provimento o recurso, sendo referido essencialmente o seguinte: 3. Salvo melhor opinião, entende-se, também, que deveria alterar-se a matéria de facto dada como não provada, nos termos referidos pela Autora.

Assim, deveria ser alterada a matéria de facto dada como não provada nos pontos 2, 10, 11, 3 e 4, pelas razões e nos termos referidos pela Recorrente, na sua alegação.

Do mesmo modo, salvo melhor opinião, entende-se ser exagerada a condenação da Recorrente como litigante de má-fé, atentos os factos provados, (ii) A gerente de loja confrontou a Autora com os factos aqui descritos, tendo a Autora afirmado que a supervisora, por lapso, não registou o livro, acrescentando que queria pagar o mesmo; jj) A gerente de loja informou a Autora que a situação tinha sido reportada e estava sob tratamento do gestor de zona, BB; kk) A Autora referiu que não havia necessidade de reportar a situação e reiterou que pagaria o livro para a situação ficar resolvida, não havendo necessidade de estar a criar problemas para a supervisora e, inclusive, e na presença da colaboradora CC, mostrou com o seu telemóvel uma foto do código de barras do referido livro; ll) No dia 15 de junho de 2021 a Autora remeteu uma carta registada para a loja dirigida à gerente de loja, com o seguinte teor: “Venho por este meio solicitar que me informem como poderei proceder ao pagamento do livro “O Monstro das Cores” com o respetivo EAN 9789896652845 que após ser abordada na passada quinta-feira dia 10 de junho de 2021 se o tinha levado no dia 31 de maio de 2021 no qual confirmei, apos análise dos meus movimentos de compras detetei que a colega DD (Permanência no momento da loja) por lapso não efetuou o registo do mesmo e na minha boa-fé não confirmei o respetivo talão no ato da respetiva compra com os restantes artigos. Desta forma e como e minha intenção ficar na posse do respetivo artigo, pretendo que me informem como posso proceder ao respetivo pagamento do referido artigo, pois não me sinto bem em ter um artigo que não foi pago devido a lapso do registo da colega, não querendo o prejuízo para a colega e para a empresa”), atenta a antiguidade da Recorrente na empresa, e o que é dito a seu respeito nas fichas de avaliação, o valor diminuto de €25,90, as circunstâncias em que os factos ocorreram, a “pouca diligência” de outros colaboradores da empresa, a vontade de devolver o valor do livro, etc.

A Ré apresentou resposta, manifestando discordância com o parecer, concluindo dever ser decidido pela improcedência do recurso, mantendo-se integralmente a decisão recorrida.

Procedeu-se a exame preliminar, foram colhidos os vistos, após o que o processo foi submetido à conferência.

Cumpre apreciar e decidir.

*FUNDAMENTAÇÃO Conforme vem sendo entendimento uniforme, e como se extrai do nº 3 do art.º 635º do Código de Processo Civil (cfr. também os art.ºs 637º, nº 2, 1ª parte, 639º, nºs 1 a 3, e 635º, nº 4 do Código de Processo Civil – todos aplicáveis por força do art.º 87º, nº 1 do Código de Processo do Trabalho), o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação apresentada[3], sem prejuízo, naturalmente, das questões de conhecimento oficioso.

Assim, aquilo que importa apreciar e decidir neste caso[4] é saber se: ● verifica-se erro no julgamento da matéria de facto? ● não devia ter sido aplicada à Autora a sanção disciplinar mais grave prevista pelo legislador? ● a Autora não devia ter sido condenada por litigância de má-fé?*Porque tem interesse para a decisão do recurso, desde já se consignam os factos dados como provados e como não provados na sentença de 1ª instância, objeto de recurso.

Quanto a factos PROVADOS, foram considerados os seguintes, que se reproduzem: a) A Ré é uma sociedade comercial que, na prossecução do seu escopo social, se dedica a todo o comércio retalhista e armazenista, nomeadamente a exploração de centros comerciais, grandes armazéns, charcutarias, confeitarias, cafés, restaurantes, padarias, talhos, relojoarias e ourivesarias, e ainda as indústrias de confeitaria, padaria, charcutaria e outras pequenas indústrias e a distribuição em livre serviço, a importação de todos os bens destinados ao comércio retalhista. A sociedade pode ainda importar e comercializar medicamentos não sujeitos a receita médica e, a título acessório, prestar serviços na área de comércio retalhista e grossista a outros estabelecimentos de livre serviço, bem ainda como a promoção, desenvolvimento e gestão imobiliária, compra e venda de imóveis próprios ou alheios e revenda dos adquiridos para esse fim e arrendamento de imóveis; b) A Autora, por sua vez, foi admitida ao serviço da Ré a 07 de maio de 2012 e, à data do despedimento, detinha a categoria profissional de Operadora Especializada; c) À data do despedimento, a Autora exercia as suas funções no estabelecimento da Ré denominado “K...”, sito na Avenida ... (junto ao restaurante C...), no Porto; d) Por factos ocorridos no dia 31 de maio de 2021, a Autora recebeu uma nota de culpa onde se articularam os factos que lhe eram imputados, tendo sido comunicada a intenção de despedimento com justa causa e concedido o prazo de dez dias úteis para apresentar a sua defesa; e) Tendo recebido a comunicação e a nota de culpa, a Autora respondeu à mesma, porém não requereu a realização de diligências probatórias; f) No dia 15 de julho de 2021 foi realizada instrução, tendo sido recolhidas as declarações da aprovisionadora alimentar CC, da gerente de loja EE e da supervisora DD; g) No dia 02 de agosto 2021 foi entregue à Autora a decisão do processo disciplinar que consistiu no seu despedimento com justa causa; h) Perante a recusa da trabalhadora em receber tal decisão por entrega em mão própria, foi remetida a mesma decisão por correio, a qual foi recebida no dia 03 de agosto de 2021; i) No dia 11 de junho de 2021 a aprovisionadora alimentar CC, ao efetuar uma devolução genérica de livros...

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