Acórdão nº 777/22 de Tribunal Constitucional (Port, 17 de Novembro de 2022

Magistrado ResponsávelCons. Gonçalo Almeida Ribeiro
Data da Resolução17 de Novembro de 2022
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 777/2022

Processo n.º 773/2022

3.ª Secção

Relator: Conselheiro Gonçalo de Almeida Ribeiro

Acordam, em conferência, na 3.ª secção do Tribunal Constitucional

I. Relatório

1. Nos presentes autos, vindos do Tribunal da Relação de Guimarães, em que é recorrente A. e recorrido o Ministério Público, foi interposto o presente recurso, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro (Lei do Tribunal Constitucional, referida adiante pela sigla «LTC»), da decisão do Presidente daquele tribunal, de 22 de junho de 2022.

2. Pela Decisão Sumária n.º 618/2022, decidiu-se, ao abrigo do disposto no artigo 78.º-A, n.º 1, da LTC, não tomar conhecimento do objeto do recurso interposto. Tal decisão tem a seguinte fundamentação:

«4. Segundo o disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 280.º, da Constituição, e na alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º, da LTC, cabe recurso para o Tribunal Constitucional das decisões dos tribunais que apliquem norma cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo, «identificando-se assim, o conceito de norma jurídica como elemento definidor do objeto do recurso de constitucionalidade, pelo que apenas as normas e não já as decisões judiciais podem constituir objeto de tal recurso» (v. Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 361/98).

No caso vertente, afigura-se que tal pressuposto não se encontra preenchido.

O recorrente articula nestes termos o objeto do recurso de constitucionalidade: «interpretação [...] do disposto nos art.ºs 286.º n.º l, 298.º e 407.º n.º l, n º 2 al. i) e 3 do Código de Processo Penal no sentido de que o recurso interposto da decisão que indefere a irregularidade da decisão instrutória por omissão de pronúncia quanto a questões suscitadas no requerimento de instrução deve subir diferidamente».

Na decisão ora recorrida, entendeu-se que o caso vertente não era subsumível nos n.os 1 e 2, alínea i), do artigo 407.º, do Código de Processo Penal – caindo, pois, sob a alçada do seu n.º 3. Não era subsumível ao caso previsto na alínea i) do n.º 2 do artigo 407.º do Código de Processo Penal precisamente por a decisão de que o arguido pretendia recorrer não ser a decisão instrutória, mas sim a decisão, subsequente a essa, que apreciou e indeferiu a irregularidade processual imputada àquela.

E entendeu-se que o caso vertente não era subsumível no n.º 1 do artigo 407.º do Código de Processo Penal por se ter considerado que a retenção do recurso não o tornava absolutamente inútil. Aduziu-se, a este respeito, que as questões que se pretendia discutir, atinentes à regularidade da decisão instrutória, podiam ser apreciadas a final e, se reconhecidas, sempre implicariam a modificação da decisão instrutória «com a consequente anulação da eventual condenação».

5. Traçado o quadro decisório em que se insere o presente recurso de constitucionalidade, verifica-se que, pela forma como o recorrente configurou o respetivo objeto, o que está substancialmente em causa é a tarefa de qualificação jurídica do caso concreto: o da absoluta inutilidade do recurso. Na decisão recorrida entendeu-se que a subida diferida do recurso, em conjunto com o que venha a ser interposto da decisão final, não exclui a utilidade que um eventual provimento do recurso retido possa ter, pois esse provimento implicaria a anulação de qualquer condenação que tivesse tido lugar e a ulterior correção da decisão instrutória. Já o recorrente entende que essa inutilidade absoluta ocorre, uma vez que a finalidade da instrução é precisamente verificar se determinado arguido deve ou não ser julgado e, pela própria natureza das coisas, essa apreciação não pode ser feita depois de o julgamento ter tido lugar, dado que uma eventual anulação subsequente da decisão instrutória, apenas destrói os efeitos da condenação, mas não faz com que o arguido não tenha sido efetivamente submetido a julgamento.

Sendo estas, em suma, a duas posições em confronto, o que se verifica é que o recorrente não aponta nenhuma inconstitucionalidade ao regime dos n.os 1 e 3 do Código de Processo Penal, ou seja, não reputa inconstitucional o critério normativo segundo o qual – para lá dos casos referidos no n.º 2, que, in casu, não são relevantes – só sobem imediatamente os recursos cuja retenção os tornaria absolutamente inúteis, devendo os restantes subir apenas a final. O que contesta é que, no caso vertente, não ocorra essa inutilidade absoluta. Em suma, sindica a qualificação jurídica dos factos feita pelo Tribunal a quo, não o conceito jurídico com base no qual se procede a tal qualificação.

Não obstante a aparência de generalidade e abstração, na materialidade das coisas o recorrente não pretende sindicar a premissa maior do silogismo judiciário, antes deslocando o objeto do recurso para o momento, logicamente subsequente, da determinação da premissa menor, respeitante à qualificação jurídica do caso vertente como um dos casos de utilidade ou de inutilidade absoluta. Porém, o Tribunal Constitucional não pode sindicar esse juízo sem se imiscuir numa operação reservada à justiça comum. Como se escreveu no Acórdão n.º 695/2016, «[t]odo o sistema português de controlo da constitucionalidade normativa assenta na ideia de que a jurisdição constitucional deve ser o juiz das normas e não o juiz dos juízes. O papel do Tribunal Constitucional na arquitetura da nossa democracia constitucional é o de controlar a atuação do legislador e dos seus sucedâneos; os erros judiciais são corrigidos através do regime de recursos próprio da ordem jurisdicional a que as decisões pertencem

O recurso não pode, pois, ser admitido.»

3. De tal decisão vem agora o recorrente reclamar para a conferência, ao abrigo do disposto no n.º 3 do artigo 78.º-A da LTC, o que fez nos seguintes termos:

«Nos autos supra referenciados vem o recorrente A., notificado da decisão sumária de rejeição de recurso, apresentar RECLAMAÇÃO, nos termos do disposto no art78º-A n°3 da LTC, com os seguintes

FUNDAMENTOS

1. ANTECEDENTES DA PRESENTE RECLAMAÇÃO, DESPACHO
RECORRIDO E O DESPACHO RECLAMADO

Para que melhor se compreenda a presente reclamação convém fazer-se uma breve súmula do processado anterior à interposição do recurso.

Como decorre dos autos, o reclamante foi acusado da prática de um crime de participação económica em negócio, previsto e punido pelo artigo 23.°, n.° 2 da Lei 34/87, de 16 de julho.

Inconformado com o despacho de acusação proferido, o reclamante veio requerer a abertura de instrução.

Nesse requerimento de instrução, suscitavam-se, entre o mais, duas questões de direito:

- a primeira que tinha que ver com a atipicidade dos factos narrados na acusação, uma vez que se entendia que não cabia na previsão legal do art.º 23.º n.º 2 da Lei 34/87, o titular de cargo político que age com intenção de obter para terceiro a participação económica a que alude a norma incriminatória – art.ºs 18.º a 22.º do requerimento de instrução;

- a segunda que se prendia com a falta de alegação de factos que contendiam com a consciência da ilicitude penal da conduta do arguido.

Nenhuma destas questões foi conhecida na decisão instrutória, o que determinou que fosse arguida, no ato da leitura da decisão instrutória, a correspondente irregularidade por omissão de pronúncia e por falta de fundamentação.

E assim aconteceu porque a omissão de pronúncia da decisão instrutória sobre questões suscitadas no requerimento de abertura da instrução não está prevista enquanto nulidade e porque a decisão instrutória que cooneste em termos factuais a acusação é irrecorrível.

Através de despacho proferido nos autos foi indeferida tal arguição.

Interposto que foi o recurso desta decisão foi proferida a decisão de não admissão do recurso, na qual, após se discorrer sobre a irrecorribilidade da decisão instrutória, disse-se o seguinte, concretamente no que toca à decisão que indefere a irregularidade por omissão de pronúncia da decisão instrutória, disse-se:

Aliás, sendo aquela decisão irrecorrível, por maioria de razão o despacho em crise que considerou não verificadas quaisquer nulidades ou irregularidades da decisão instrutória invocadas pelo arguido e, consequentemente, indeferiu a reparação da decisão instrutória, é irrecorrível, pois que trata-se de um despacho de mero expediente e de ordenamento processual, atenta a matéria invocada no requerimento do arguido/recorrente, porquanto não versa sobre qualquer questão interlocutória, nem põe termo ao processo (art.ºs 97.º, n.º 1, al. b) e 400.º, n.º 1, al. a), do CPP).

Como bem se refere no Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 06.03.2017, proferido no âmbito do processo n.º 1695/09. STAGMR-C.G 1, a propósito do disposto no art.º 310.º, n.º 1, do CPP, "A solução normativa que se retira do texto do normativo supra citado é a de que o âmbito de irrecorribilidade abrange, quer a decisão de questões prévias ou incidentais no despacho de pronúncia, quer a decisão de questões prévias ou incidentais em despacho prévio e autónomo ao de pronúncia, quer posteriormente a este despacho e com o mesmo conexas.

A não se entender assim punha-se em causa a celeridade processual que o legislador visou em sede instrutória quando, como é o caso, a decisão instrutória pronuncia o arguido pelos factos constantes da acusação do Ministério Público.

A decisão de uma irregularidade em instrução, quer na decisão instrutória, quer em decisão prévia á decisão instrutória, que em decisão posterior a esta, não forma caso julgado se essa questão contender com a afirmação da responsabilidade penal, não só porque a decisão dessa questão é irrecorrível e como tal não pode assumir carácter definitivo nem ficar ao abrigo do caso julgado, sob pena de flagrante violação das garantias de defesa, mas principalmente porque a decisão definitiva cabe sempre ao juiz ou tribunal de julgamento e...

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