Acórdão nº 772/22 de Tribunal Constitucional (Port, 15 de Novembro de 2022

Data15 Novembro 2022
Órgãohttp://vlex.com/desc1/2000_01,Tribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 772/2022

Processo n.º 278/2022

1ª Secção

Relator: Conselheiro José João Abrantes

Acordam, em Conferência, na 1.ª Secção do Tribunal Constitucional

I – A Causa

1. A., S.A., ora Reclamante, interpôs recurso perante o Juízo do Trabalho da Guarda, ao abrigo do artigo 55.º do Regime Geral das Contraordenações, aplicável por força do artigo 60.º da Lei n.º 107/2009, de 14 de setembro, do despacho proferido pela Autoridade para as Condições do Trabalho – ACT, que lhe denegou a cópia integral do processo de contraordenação, melhor identificado nos autos, que corre termos com o número de processo 35/22.2T8AGD.

Em 8 de fevereiro de 2022, foi proferida decisão a julgar improcedente o recurso e a manter a decisão da autoridade administrativa (cfr. fls. 59 a 64).

1.1.1. Por requerimento de 25 de fevereiro, a Reclamante arguiu a nulidade da referida decisão, por omissão de pronúncia e, subsidiariamente, por falta de fundamentação, e requereu que o tribunal se pronunciasse, de forma expressa e fundamentada, sobre «(…) norma que se extrai do artigo 89.º n.ºs 1 e 4 do CPP ex vi artigo 41.º, n.º 1 do RGCO é materialmente inconstitucional quando interpretada no sentido de que, em processos de contraordenação, após a acusação mas antes da decisão final da autoridade administrativa, o arguido não pode consultar integralmente o processo nem obter cópias dele, uma vez que resultam violadas as garantias de defesa do arguido e o acesso a uma justiça equitativa, tendo em conta o disposto nos artigos 32.º, n.º 10 e 20.º n.ºs 1, 4 e 5 da Constituição da República Portuguesa respetivamente, sendo tal norma inconstitucional igualmente por dela resultar uma restrição violadora do n.º 2 do artigo 18. º da Lei Fundamental.» (cfr. fls. 21v a 25).

1.1.2. Na mesma data, a Reclamante também interpôs recurso de constitucionalidade da decisão de 8 de fevereiro de 2022 com respeito à norma «que se extrai do artigo 89.º, n.ºs 1 e 4, do CPP ex vi artigo 41.º, n.º 1, do RGCO, tal como se assume que foi interpretada e aplicada na sentença, no sentido que, em processos de contraordenação, após a acusação mas antes da decisão final da autoridade administrativa, o arguido (ou, in casu, o responsável solidário) não pode consultar integralmente os autos nem obter cópias deles, por violação das garantias de defesa da Recorrente (cfr. artigos 32.º, n.º 10, e 20.º, n.ºs 1, 4 e 5 da CRP)».

1.1.3. Por despacho de 23 de março de 2022, o tribunal recorrido indeferiu a arguição de nulidade, com os seguintes fundamentos:

“Requerimento com a ref. 12655568: Vem a A., SA invocar a nulidade do despacho de fls. 201 e ss. nos termos das als. a) e c) do nº 1 do art. 379° e nº 2 do art. 374° do Código de Processo Penal, ou, pelo menos, a sua irregularidade nos termos do nº 1 do art. 132º do mesmo diplome legal, aplicável por força do nº 1 do art. 41° do Regime Geral das Contra ordenações.

Mais requereu que o Tribunal se pronuncie acerca da inconstitucionalidade material dos n.os 1 e 4 do art. 89° do Código de Processo Penal quando interpretada no sentido que em processos de contraordenação após a acusação, mas antes da decisão final da Autoridade Administrativa, o arguido não pode consultar integralmente o processo nem obter cópias dele, uma vez que resultam violadas as garantias de defesa do arguido e o acesso a uma justiça equitativa.

Defendeu que o Tribunal não se pronunciou relativamente ao pedido de acesso integral ao processo de contraordenação para exercer o seu direito de defesa; sobre a pretensão subsidiária relativa à desnecessidade de apresentação de procuração com poderes especiais; a desnecessidade de autorização dos titulares dos dados constantes de documentos nominativos; e que os documentos contendo as declarações dos trabalhadores não são documentos administrativos.

Entendeu ainda que o despacho não se encontra fundamentado, não constando o fundamento das conclusões a que chega.

Por último, sustentou que o Tribunal, na sua decisão, aplicou uma norma do Código de Processo Penal cuja interpretação embate com o nº 1O do art. 32° e os n. os 1, 4 e 5 do art. 20° da Constituição da República Po1iuguesa.

Exercendo o contraditório, o Ministério Público pronunciou-se no sentido de não se verificar a invocada nulidade, sendo que, no mais, a matéria cuja apreciação requer constitui questão nova, sobre a qual o Tribunal não tem de se pronunciar.

Cumpre apreciar, matéria que cabe na competência deste Tribunal, na medida em que o despacho proferido não é passível de recurso (nº 1 do art. 49° da Lei nº 107/2009, interpretado a contrario sensu).

De acordo com o n.º 2 do art. 374.º do Código de Processo Penal, "ao relatório segue-se a fundamentação, que consta da enumeração dos factos provados e não provados, bem como de uma exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal”.

Por sua vez, nos termos das als. a) e c) do n.º 1 e n.º 2 do art. 379.° do Código de Processo Penal,

"é nula a sentença:

a) Que não contiver as menções referidas no n. º 2 e na alínea b) do n. º 3 do artigo 374. º ou, em processo sumário ou abreviado, não contiver a decisão condenatória ou absolutória ou as menções referidas nas alíneas a) a d) do n. º 1 do artigo 389.º-A e 391.º-F;

(...)

c) Quando o tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.

2 - As nulidades da sentença devem ser arguidas ou conhecidas em recurso, devendo o tribunal supri-las, aplicando-se, com as necessárias adaptações, o disposto no n.º 4 do artigo 414.º".

Estatui ainda o n.º 1 do art. 123.º do Código de Processo Penal que "qualquer irregularidade do processo só determina a invalidade do ato a que se refere e dos termos subsequentes que possa afetar quando tiver sido arguida pelos interessados no próprio ato ou, se a este não tiverem assistido, nos três dias seguintes a contar daquele em que tiverem sido notificados para qualquer termo do processo ou intervindo em algum ato nele praticado".

Aos despachos proferidos nos termos do n.º 2 do artigo 39.° da Lei nº 107/2009 de 14 de setembro aplica-se o dever de fundamentação previsto no n.º 2 do art. 374.° do Código de Processo Penal, ex vi do nº 1 do art. 41.º do Código de Processo Penal e do art. 60.º da Lei nº 107/2009 de 14 de Setembro.

Em primeiro lugar, analisado o teor de decisão em causa, temos que dela consta a análise da questão trazida à apreciação do Tribunal que se prende, em primeira linha, com a avaliação de quais os elementos que são considerados parte do processo contraordenacional.

Ora, sempre ressalvando o devido respeito por posição contrária, à não coincidência de posições sobre a matéria não corresponde, por definição, qualquer ausência de pronúncia pelo Tribunal.

Em segundo lugar, desse mesmo despacho constam, de forma clara e unívoca, os fundamentos em que o Tribunal alicerçou a sua decisão, não assistindo, também aqui, razão à requerente.

Já as demais questões suscitadas e pretensões formuladas em sede de recurso de impugnação judicial têm necessariamente como pressuposto que os elementos a que a requerente pretende ter acesso façam parte do processo contraordenacional.

Dele dependendo e, como tal, da respetiva solução, a respetiva análise ficou prejudicada em face da resposta dada pelo Tribunal (vide primeira parte do nº 2 do art. 608° do Código de Processo Civil, aplicável por força do art. 4° do Código de Processo Penal, nº 1 do art. 41° do Código de Processo Penal e art. 60° da Lei nº 107/2009 de 14 de Setembro), conforme, de resto, exarado, de forma expressa, no despacho proferido.

Assim e em face de todo o exposto, não se verificam as nulidades invocadas, ou sequer, pela mesma ordem de razões, qualquer Irregularidade para efeitos do nº 1 do art. 123º do Código de Processo Penal, aplicável por força do nº 1 do art. 41° do Código de Processo Penal e art. 60º da Lei nº 107/2009 de 14 de Setembro, de resto não invocada no prazo consignado na parte final do nº 1 daquele preceito legal.

Derradeiramente, e no que tange à invocada questão da inconstitucionalidade material dos n.os 1 e 4 do art. 89° do Código de Processo Penal na interpretação referida pela requerente, também aqui ressalvando o devido respeito por posição contrária, a este Tribunal apenas cabe, assim o entendendo, não aplicar determinada norma da legislação ordinária por a julgar não conforme à Lei Fundamental.

Não tendo o Tribunal desaplicado qualquer norma legal com tal fundamento, e tendo-se o poder jurisdicional do Tribunal esgotado com a prolação da decisão (n.ºs 1 e 3 do art. 613.° do Código de Processo Civil, aplicável por força do art. 4° do Código de Processo Penal, nº 1 do art. 41° do Código de Processo Penal e art. 60° da Lei nº 107/2009 de 14 de Setembro), encontra-se vedada, nesta sede, a possibilidade de pronúncia sobre a (nova) questão suscitada.”

1.1.4. No mesmo despacho, o tribunal recorrido não admitiu o recurso de constitucionalidade mencionando em 1.1.2. supra.

1.2. Permanecendo inconformada, a Reclamante interpôs recurso para o Tribunal Constitucional dos despacho proferido em 23 de março de 2022, na parte relativa à arguição de nulidade – cfr. requerimento de fls. 75v a 78v, que aqui se dá por integralmente reproduzido –, ao abrigo do artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da Lei de organização, funcionamento e processo do Tribunal Constitucional...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT