Acórdão nº 1505/19.5PIPRT.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 26 de Outubro de 2022

Magistrado ResponsávelAMÉLIA CATARINO
Data da Resolução26 de Outubro de 2022
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Processo nº 1505/19.5PIPRT.P1 Relatora: Amélia Catarino SUMÁRIO ……………………………… ……………………………… ……………………………… Acordam, em conferência, na 1ª secção criminal do Tribunal da Relação do Porto I.

Relatório No Processo Comum (Tribunal Singular) nº 1505/19.5PIPRT do Tribunal Judicial da Comarca do Porto, Juízo Local Criminal de Gondomar, Juiz 2, veio o arguido/recorrente apresentar Reclamação para a Conferência da Decisão Sumária, proferida nos autos de recurso, nos termos da qual foi este rejeitado por falta de conclusões.

O reclamante entende que não se verificou o vício de falta de conclusões e, por entender que é possível a delimitação do objecto do recurso, mormente quanto à configuração das questões suscitadas, impõe-se que o mesmo seja conhecido e decidido, revogando-se a decisão sumária que o rejeitou.

Alega que a leitura das novas conclusões apresentadas pelo recorrente demonstra um efectivo esforço no sentido da sanação do vício, já que ele diminuiu o número de conclusões inicialmente oferecidas de 122 para 81 e, pelo menos na sua perspectiva, simplificou, ainda, o teor de uma parte delas, sendo inegável que deu cumprimento ao que lhe foi solicitado.

Refere que face ao esforço em respeitar o que a lei impõe quanto às conclusões, também se exige do Juiz algum esforço de compensação que coloque os valores da justiça, da celeridade e da eficácia acima dos aspectos meramente formais, o que não sucedeu no caso concreto.

Conclui que sob pena de, recusando assim o recurso, privilegiar-se desproporcionalmente a formalidade processual em sacrifício dos Princípios da Justiça e da plenitude das garantias de defesa do arguido, sendo certo que o objectivo primordial há-de ser sempre o da concordância prática entre tais valores, uma solução que não sacrifique desproporcionadamente nenhuma daquelas duas dimensões.

Notificada a reclamação, a assistente veio responder pugnando pela sua improcedência mantendo-se a decisão de rejeição do recurso.

Colhidos os vistos, os autos foram remetidos à conferência.

Nada obsta ao seu conhecimento.

II.1- Fundamentação Nos termos do artigo 417.º, n.º 8, do Código de Processo Penal, «Cabe reclamação para a conferência dos despachos proferidos pelo relator nos termos dos nº 6 e 7», ou seja, quando o relator julgue por decisão sumária.

Para conhecimento da reclamação, e por uma questão de clareza e compreensão da decisão, transcreve-se a decisão reclamada: “DECISÃO SUMÁRIA I. RELATÓRIO No processo comum (Tribunal Singular) nº 1505/19.5PIPRT.P1, do Tribunal Judicial da Comarca do Porto, Juízo Local Criminal de Gondomar, Juiz 2, foi proferida sentença, com data de 18.11.2021, depositado na mesma data, que decidiu: a) absolver o arguido AA pela prática de um crime de ofensa à integridade física simples, p.p. pelo artº 143º, nº 1, do Cód. Penal; b) condenar o arguido AA pela prática de um crime de injúria, p.p. pelo artº 181º, nº 1, do Cód. Penal, na pena de 40 (quarenta) dias de multa, à taxa diária de €12,00 (doze euros), o que perfaz o montante global de €480,00 (quatrocentos e oitenta euros); c) Julgar parcialmente procedente, por parcialmente provado, o Pedido de Indemnização Civil deduzido pela demandante (e assistente) BB e condenar o demandado (arguido) AA a pagar à demandante a quantia de €600,00 (seiscentos euros), valor acrescido dos juros moratórios, vencidos e vincendos, contabilizados sobre aquele valor de €600,00, desde a notificação do pedido para contestar e até efetivo e integral pagamento, juros computados à taxa anual legal aplicável aos juros civis e que atualmente é de 4% ao ano, sendo o demandado absolvido da parte restante deste pedido; Inconformado o arguido, veio interpor recurso, pugnando pelo seu provimento com os fundamentos que constam da motivação e formulando as seguintes conclusões, que se transcrevem: “1. Quanto à motivação da matéria de facto, o Tribunal formou a sua convicção a partir da análise crítica das declarações do arguido e da assistente, de depoimento da testemunha CC, agente da PSP, e dos documentos juntos aos autos, tudo conjugado com as regras de experiência comum.

  1. Em sede de recurso para o Tribunal da Relação, a matéria de facto pode ser sindicada por duas vias: por arguição dos vícios a que faz referência o artigo 410.º, n.º 2, do Código de Processo Penal (a chamada revista alargada), ou através da impugnação ampla da matéria de facto, a que alude o artigo 412.º, n.ºs 3, 4 e 6, do mesmo diploma legal.

  2. Todos os factos constantes da acusação, e que compõem os dois episódios – 09/07/2019 e 13/09/2019 – em que o arguido alegadamente praticou os crimes de que estava acusado, terão ocorrido apenas na presença do arguido e da assistente, bem como do filho menor de ambos, à data com 4 anos de idade.

  3. Mais ninguém presenciou os factos, não existem outras testemunhas dos factos.

  4. Com efeito, o Tribunal a quo, na análise crítica das declarações do arguido e das declarações da assistente, atribuiu maior credibilidade à assistente.

  5. Quanto às declarações do arguido o Tribunal limita-se, na sentença, a afirmar que não lhes deu credibilidade porque o arguido limitou-se a negar os factos.

  6. É profunda convicção do arguido/recorrente que da análise da prova indiciária recolhida nos presentes autos não é possível a formulação de um juízo de certeza positivo quanto ao facto de o arguido ter empurrado a assistente no dia 19/09/2019 ou que lhe tenha dirigido as injúrias pelas quais veio a ser condenado, como foi dado como provado nos pontos com os números 1.º a 17.º dos factos dados como provados, na douta decisão ora recorrida.

  7. E o tribunal avaliou assim esta prova – declarações do arguido e da assistente – sem em momento algum ponderar a aplicação do Princípio in dúbio pro reo, o qual, face à prova documental e produzida nos autos e que, se devidamente ponderada pelo Tribunal abalaria a credibilidade da assistente, teria conduzido à absolvição do arguido, que é a única decisão compatível com a prova produzida.

  8. Da análise do teor dos depoimentos das testemunhas e das declarações do arguido e da assistente, prestados em sede de audiência de julgamento, tudo concatenado com os documentos e demais elementos de prova juntos aos autos, é forçoso concluir que a douta decisão ora recorrida, incorreu num claro erro notório na apreciação da prova, nos termos do disposto na al. c), do n.º 2, do artigo 410.º, do Código de Processo Penal.

  9. É profunda convicção do arguido/recorrente que da análise da prova indiciária recolhida nos presentes autos não é possível a formulação de um juízo de certeza positivo quanto ao facto de ter dirigido à assistente a agressão e a injúria pelas quais foi condenado.

  10. Efetivamente, tal conclusão, implica a existência de um claro erro notório na apreciação da prova e consequentemente no tocante à apreciação dos factos dados como provados na douta sentença recorrida.

  11. As ditas regras de experiência comum, a que o Tribunal faz apelo em vários pontos da sentença, conjugados com a demais prova produzida só poderia ter conduzido à absolvição integral do arguido.

  12. Apesar de o tribunal ter atribuído tanta credibilidade às palavras da assistente, entendemos que várias das provas produzidas, se apreciadas pelo tribunal, abalariam de forma irremediável a credibilidade daquela, o que o Tribunal deixou de fora.

  13. Desde logo, entende o arguido existir uma contradição e incompatibilidade inultrapassáveis entre alguns pontos da matéria de facto provada, concretamente o ponto 5 dos factos provados [“5. No momento em que BB agarrou a sua carteira e lha tentou retirar, o arguido agarrou-a nos braços e empurrou-a.”] e outros da matéria de facto não provada, concretamente o ponto 1. dos factos não provados [“1. No momento indicado no número 5. dos factos provados o arguido apertou os braços de BB.”].

  14. O Tribunal deu como provado que o arguido agarrou a assistente pelos braços e a empurrou.

  15. Ora, não se compreende como é que alguém possa agarrar outrém pelos braços e consiga empurra-la, sem que com isso aperte os braços da pessoa visada.

  16. De acordo com as regras de experiência comum a que o Tribunal a quo tanto faz apelo, entendemos não ser possível que tal suceda.

  17. Se o Tribunal considerou não ter sido feita prova de que o arguido tenha apertado os braços da BB, não poderia ter dado como provado que ele a empurrou, agarrando-a pelos braços. Porque esta segunda acção pressupõe a primeira, de acordo com as regras de experiência comum.

  18. Existe, por conseguinte, uma contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão relativamente aos factos provados de 1 a 5 e factos não provados 1 e 2, nos termos do disposto no art. 410.º, n.º 2, al. b) CPP.

  19. Por outro lado, relativamente ao pedido de indemnização cível, o Tribunal deu como provado que “14. Com a conduta mencionada no número 5. dos factos provados, o arguido causou transtorno e perturbação em BB, transtorno psíquico, sentindo-se esta também nervosa.” 21. Mas, simultaneamente, entendeu não ter ficado provado que “6. Com a conduta mencionada no número 5. dos factos provados, o arguido causou em BB dor, angústia, medo e desgosto.”, “7. Com a conduta mencionada no número 5. dos factos provados, BB causou constante angústia, deixou de conseguir dormir, tendo, por causa desta conduta do arguido, BB beneficiado de acompanhamento clínico.”, “8. Com a conduta mencionada no número 5. dos factos provados, BB sentiu-se ansiosa e com depressão.” “9. Com a conduta mencionada no número 5. dos factos provados, o arguido causou em BB sofrimento físico.” 22. Desde logo, o Tribunal dá como provados conceitos genéricos – “transtorno e perturbação”, “transtorno psíquico”, “nervosismo” - que deveriam ter sido concretizados com factualidade concreta, sentimentos concretos da Assistente que preenchessem aqueles conceitos.

  20. Imputações genéricas não são factos e violam os direitos de defesa do arguido violando, por isso, o princípio do processo equitativo, resultando daqui que não podem...

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