Acórdão nº 660/17.3T9OLH.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 25 de Outubro de 2022
Magistrado Responsável | JO |
Data da Resolução | 25 de Outubro de 2022 |
Emissor | Tribunal da Relação de Évora |
Acordam, em conferência, os Juízes da 2.ª Subsecção Criminal do Tribunal da Relação de Évora: I.
No processo comum n.º 660/17.3T9OLH do Juízo de Competência Genérica de Olhão, Comarca de Faro, o arguido AA foi submetido a julgamento, após ter sido acusado da prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de violência doméstica agravado, previsto e punido pelo artigo 152.º, n.º 1, alínea b) e n.º 2, ambos do Código Penal, e de um crime de dano, previsto e punido pelo artigo 212.º, n.º 1 do Código Penal.
Realizada a audiência - na qual foi dado cumprimento do preceituado nos artigos 358.º, n.ºs 1 e 3 do Cód. Proc. Penal, foi comunicada à defesa a alteração não substancial dos factos descritos na acusação, conforme ata, porquanto se consolidou que a relação amorosa do arguido e da ofendida teve a duração de 5 anos; que foi a ofendida que saiu da casa comum do casal levando a bebé consigo e ficando de relações cortadas com o arguido e os progenitores deste e que o encontro de carro com o arguido e a ofendida ocorreu no dia 23.11.2017 - foi proferida sentença em que foi decidido, na parte relevante: “1) Condena-se o Arguido AA pela prática de 1 CRIME DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA, previsto e punido pelo artigo 152.º, n.º 1, alínea b) e n.º 2 do Código Penal, na pessoa de BB, na pena de 2 (dois) anos de prisão.
2) Condena-se o Arguido AA pela prática de 1 CRIME DE DANO, previsto e punido pelo artigo 212.º, n.º 1 do Código Penal na pena de 40 (quarenta) dias de multa, à taxa diária de € 5 (cinco euros), o que perfaz a quantia de € 200 (duzentos euros).
3) Substitui-se a pena de prisão identificada em 1. [os 2 anos de prisão], pela prestação de 480 (quatrocentos e oitenta) horas de trabalho a favor da comunidade, que deverá cumprir nos termos que vierem a ser desenvolvidos pela Direção Geral de Reinserção e Serviços Prisionais, cooperando com a referida entidade e depois cumprindo o trabalho que lhe vier a ser proposto.
4) Condena-se o Arguido AA na pena acessória de frequentar Programa de Agressores de Violência Doméstica, que deverá frequentar até ao prazo máximo de 6 meses após o trânsito em julgado da presente sentença, nos termos do artigo 152.º, n.ºs 4 e 5 do Código Penal.
5) Condena-se ainda o Arguido a indemnizar a ofendida BB em € 40 (quarenta euros), que deve pagar no prazo de até 1 mês após o trânsito em julgado da sentença (ou seja, sensivelmente no prazo de 60 dias, caso ninguém recorra da sentença).”.
De tal decisão veio recorrer o M.º P.º, formulando as seguintes conclusões: “1. A pena de dois anos de prisão aplicada ao arguido é desadequada e desproporcional face à factualidade provada.
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No caso dos autos, devem ser sopesados o grau de ilicitude dos factos que se afigura elevado, fazendo-se referência, por um lado, aos bens jurídicos em causa e, por outro lado, à natureza e gravidade dos maus tratos perpetrados durante um longo período de tempo (relembrando que a conduta do arguido iniciou-se ainda a ofendida estava grávida da filha comum, altura em que lhe desferiu um empurrão; após o nascimento da bebé, o arguido desferiu, pelo menos, uma chapada na face da ofendida, empurrões e vários puxões de cabelos; cerca de um ano após o termo da elação e durante quatro a cinco meses, o arguido procurou, seguiu, atormentou, intimidou e insultou a ofendida), o teor vexatório das expressões injuriosas utilizadas pelo arguido contra a ofendida, durante a relação e após o termo desta, visando-a diminuir e causar-lhe sofrimento e medo; a intensidade do dolo que, como se viu, na modalidade de dolo directo; os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram; a situação pessoal do arguido; a ausência de antecedentes criminais; as exigências de prevenção geral, traduzida na necessidade de manter e reforçar a confiança da comunidade na validade e na força da vigência das normas violadas, são elevadas atento o facto do crime de violência doméstica ser sentido pela comunidade como sinal de desprezo pela dignidade humana, um dos valores mais preciosos; e as exigências de prevenção especial, as quais assumem menor relevância uma vez que o arguido não tem antecedentes criminais, mas a sua personalidade é desajustada da realidade.
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O Tribunal a quo ao aplicar apenas dois anos de prisão ao arguido violou o disposto nos artigos 40.º, n.ºs 1e 2, e 71.º, n.º 1 e n.º 2, do Código Penal.
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Considerando as circunstâncias que depõem a favor e contra o arguido, quais sejam, a ausência de antecedentes criminais, a duração temporal do seu comportamento, a gravidade dos factos, a sua personalidade impulsiva e desrespeitadora das regras de vivência em sociedade e do Direito, seria adequado e proporcional aplicar ao arguido a pena de 2 (dois) anos e 4 (quatro) meses de prisão.
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Ao substituir a pena de prisão aplicada ao arguido por prestação de trabalho a favor da comunidade, o Tribunal a quo violou o disposto no artigo 58.º, n.º 5, do Código Penal.
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O consentimento do arguido é condição sine qua non para a aplicação da prestação de trabalho a favor da comunidade.
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Todavia, das actas da audiência de julgamento, da sentença recorrida ou mesmo dos autos não consta qualquer referência a um eventual consentimento do arguido à aplicação de tal pena.
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Pressuposto fundamental e inarredável de aplicação da pena de prestação de trabalho a favor da comunidade é, nos termos do art. 58.º, n.º 5, do Código Penal, o consentimento do condenado, porque, como salienta o Professor Figueiredo Dias, de outro modo, estaríamos perante uma pena de trabalho forçado; mas também porque, a não ser assim, se eliminaria o conteúdo político-criminalmente positivo da prestação de trabalho a favor da comunidade, o qual não pode deixar de ser posto na dependência da voluntariedade da prestação.
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Não obstante, não se olvida que os factos provados ocorreram entre 2015 e 2017 e, decorridos cinco anos, o arguido não voltou a repetir tais condutas, nem voltou a incomodar a ofendida, pelo que se mostra adequado suspender a execução da pena de prisão de 2 (dois) anos e 4 (quatro) meses por igual período, nos termos do disposto no artigo 50.º, n.ºs 1, 2 e 5, do Código Penal, acompanhada de regime de prova assente num plano de reinserção social, elaborado e executado com vigilância e apoio, durante o tempo de duração da suspensão, pelos serviços de reinserção social, e direcionada para a fomentação: da consciencialização de necessidade de ajuda especializada (adesão a acompanhamento psicológico); da manutenção do acompanhamento/medicação prescrita ao nível da especialidade de neurologia; de diligências que visem a sua integração no mercado de trabalho e ainda para a avaliação do seu padrão de consumo de substâncias psicoactivas a efectuar pela Equipa Técnica Especializada no Tratamento – ETET em ....
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Mais, o arguido foi condenado na pena acessória de frequentar Programa de Agressores de Violência Doméstica, cuja indicação da disposição legal, que a prevê e estabelece a sua medida, foi omitida na acusação contra ele deduzida, sem que dessa alteração tivesse sido prevenido nos termos do artigo 358.º, n.ºs 1 e 3, do Código de Processo Penal, porque não consta das actas da audiência de julgamento.
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Por conseguinte, a sentença recorrida padece da nulidade prevista na alínea b), do n.º 1, do artigo 379.º, do Código de Processo Penal, nulidade essa que, neste momento, se argui.
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De facto, lida a acusação verifica-se que a mesma nada refere quanto à aplicação dos n.ºs 4 e 5, do artigo 152.º, do Código Penal.
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Pelo que essa aplicação só podia ocorrer depois do Tribunal efectuar a comunicação da alteração da qualificação jurídica dos factos descritos na acusação, conforme exige o artigo 358.º, n.ºs 1 e 3, do Código de Processo Penal, em consonância com o princípio do contraditório e das garantias de defesa, consagrado no artigo 32.º, n.ºs 1 e 5, da Constituição da República Portuguesa.
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Acontece que esta alteração não foi feita, pois, como resulta das actas da audiência de julgamento, a única alteração comunicada ocorreu na audiência de 09/06/2022, e teve a ver com a alteração de factos.
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Qualquer alteração da qualificação jurídica dos factos feita na acusação, principalmente qualquer alteração que importe um agravamento, terá necessariamente de ser dada a conhecer ao arguido para que este dela se possa defender.
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A aplicação surpresa da pena acessória na sentença não é compatível com o processo justo e equitativo consagrado na Constituição da República Portuguesa e no Código de Processo Penal, pelo que a sentença recorrida violou o disposto no artigo 358.º, n.ºs 1 e 3, do Código de Processo Penal e, nesta parte, nula.” Termina no sentido de ser parcialmente revogada a sentença recorrida e substituída por outra que se adeque à factualidade dada como provada, condenando o arguido pela prática de um crime de violência doméstica, previsto e punível pelo artigo 152.º, n.º 1, alínea b) e n.º 2, do Código Penal, numa pena de prisão justa, suspensa na sua execução subordinada a um regime de prova.
O arguido/recorrido não respondeu às motivações de recurso.
Neste Tribunal, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto teve vista nos autos, elaborando parecer em que acompanha a motivação de recurso, à qual adere.
Foi dado cumprimento ao artigo 417.º n.º 2 do CPP, não tendo sido apresentada qualquer resposta.
II.
Colhidos os vistos legais, houve lugar a conferência, cumprindo agora apreciar e decidir.
No caso dos autos, face às conclusões da motivação do recurso, as quais, conforme jurisprudência constante e pacífica, delimitam o âmbito dos recursos, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (cfr. entre muitos, os Acs. do S.T.J., de 25.6.1998, in B.M.J. 478, p. 242; de 3.2.1999, in B.M.J. 484, p. 271), as questões suscitadas são: - Se a pena de prisão fixada se mostra desadequada e desproporcional; - Se não existem os requisitos para a pena substitutiva aplicada; - Aplicação de pena substitutiva de suspensão de execução da...
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