Acórdão nº 668/22 de Tribunal Constitucional (Port, 20 de Outubro de 2022

Data20 Outubro 2022
Órgãohttp://vlex.com/desc1/2000_01,Tribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 668/2022

Processo n.º 323/2022

2.ª Secção

Relator: Conselheiro José Eduardo Figueiredo Dias

Acordam, em conferência, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional,

I – Relatório

1. Nos presentes autos, vindos do Tribunal da Relação de Coimbra, A., ora reclamante, interpôs recurso de constitucionalidade (i) da decisão desse Tribunal que, em 20 de outubro de 2021, julgou improcedente o recurso interposto da decisão condenatória proferida em 1.ª instância (cf. fls. 1721-1739); e (ii) da decisão do mesmo Tribunal que, em 26 de janeiro de 2022, julgou improcedente o requerimento de arguição de nulidade daquela decisão de 20 de outubro de 2021, com fundamento em omissão de pronúncia (cf. fls. 1763-1768).

2. Pela Decisão Sumária n.º 506/2022, proferida em 21 de julho de 2022, decidiu-se, nos termos do disposto no artigo 78.º-A, n.º 1, da LTC, não conhecer do objeto do recurso interposto, pelos seguintes motivos:

«5. Conforme relatado, o recorrente manifesta a intenção de sindicar a «dimensão normativa dos n.º 1 do artigo 71° do Código Penal e n.º 1 do artigo 50° do mesmo diploma legal (Código Penal) quando interpretados olvidando que qualquer privação da liberdade só é legítima desde que para salvaguarda de outro interesse constitucionalmente vinculante, dado que o sacrifício desse direito fundamental, jamais pode ser desmotivado e arbitrário, gratuito desmotivado». Segundo invocado no requerimento de interposição do recurso, «tais dimensões normativas, com essa similar interpretação, violam o artigo 18º, n.º 2 da CRP, ofendendo os princípios da proporcionalidade (designadamente na emanação da proibição do excesso), e necessidade» (fls 1778).

Mais se assinala que, na mesma peça processual, o recorrente manifesta a intenção de sindicar «o douto acórdão notificado a 20 de outubro de 2021 bem como (…) aquele que aprecia o incidente de arguição de invalidade da sobredita Douta decisão» (fls. 1777). Deste modo, constituem decisões aqui recorridas os acórdãos do Tribunal da Relação de Coimbra, proferidos em 20 de outubro de 2021 (fls. 1721-1739) e 26 de janeiro de 2022 (fls. 1763-1769).

6. Perante tal delimitação do objeto do presente recurso, e independentemente de qualquer outra apreciação sobre os demais pressupostos de que depende a respetiva admissibilidade, afigura-se inevitável constatar que o recorrente se insurge contra a aplicação do direito infraconstitucional, levada a cabo pelo Tribunal a quo no caso concreto, no que toca às particularidades do processo em causa.

(…)

No caso dos autos, o recorrente sugere que o tribunal a quo teria olvidado que «que qualquer privação da liberdade só é legítima desde que para salvaguarda de outro interesse constitucionalmente vinculante, dado que o sacrifício desse direito fundamental, jamais pode ser desmotivado e arbitrário, gratuito desmotivado». Ora, em primeiro lugar, tal enunciado revela-se totalmente desprovido de qualquer conteúdo normativo, traduzindo antes um juízo de valor do próprio recorrente, acerca da decisão proferida pelo tribunal a quo. Em segundo lugar, resulta manifesto que, em rigor, o recorrente se insurge contra a decisão do tribunal recorrido, no que respeita à questão da medida da pena concretamente aplicada, que considera «excessiva, desproporcional e desnecessária». Insurge-se, especificamente, contra «o respectivo carácter de privação efectiva da liberdade», asseverando que «a consideração da vivência do recorrente impunha a avaliação se a sua prisão é necessária, emergindo em observância da dimensão da proporcionalidade enquanto proibição do excesso» (fls. 1777 verso).

(…)

Nesse sentido, na presente situação é certo que, ao atribuir à decisão em crise eventuais incumprimentos da Constituição da República Portuguesa – em concreto, por violação do «artigo 18º, n.° 2 da CRP, ofendendo os princípios da proporcionalidade (designadamente na emanação da proibição do excesso), e necessidade» –, no lugar de reconduzir as dimensões normativas a um objeto idóneo em sede do recurso de fiscalização concreta, o recorrente não logra imputar os vícios de inconstitucionalidade a qualquer critério jurídico, genérica e abstratamente concebido, passível de controlo jurídico-constitucional. A sua discordância repousa, assim, nos poderes de cognição aplicativa do tribunal recorrido. Daí se depreende que o efetivo objetivo do recorrente é desconstruir a aplicação subsuntiva realizada pelo juiz no caso concreto e sindicar a decisão do julgamento per se – operações que se encontram, como se sabe, vedadas ao Tribunal Constitucional.

7. De todo o modo, evidencia-se que a conclusão pela inadmissibilidade do recurso sempre se alcançaria, no que respeita à decisão de 20 de outubro de 2021, com base no incumprimento do ónus de suscitação prévia e adequada de uma questão de constitucionalidade de natureza normativa.

(…)

Ora, a este propósito, cumpre recordar que a decisão recorrida corresponde, nesta configuração, ao acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, datado de 20 de outubro de 2021, que julgou improcedente o recurso interposto relativamente à decisão condenatória. Em consequência, o momento processualmente adequado para suscitar a questão de constitucionalidade a ver apreciada em sede de recurso de fiscalização concreta teria sido a motivação de recurso para esse Tribunal da Relação. Todavia, perscrutando o teor dessas alegações – constante de fls. 1581 e ss. dos autos – constata-se que, nessa sede, nenhum problema de constitucionalidade normativa foi invocado, tendo o recorrente apenas transmitido, tal como veio a fazer no requerimento de interposição de recurso apresentado junto deste Tribunal Constitucional, a sua perspetiva acerca da decisão proferida pelo Tribunal Judicial da Comarca de Coimbra, no que concerne à medida da pena fixada. Veja-se, a este propósito, o teor das conclusões 34.ª e 51.ª, nas quais sugere que o tribunal a quo teria interpretado as normas dos artigos 71.º, n.º 1 e 50.º, n.º 1, ambos do Código Penal, «com um sentido manifestamente não querido pelo poder constituinte que estatui que a privação da liberdade dos cidadãos só pode emergir quando for necessária, adequada e proporcional à salvaguarda de outros valores com dignidade constitucional – art. 18º/2 da CRP» (fls. 1609; 1610 verso).

Pelo exposto, não tendo o recorrente enunciado e suscitado, perante o tribunal a quo, qualquer questão de constitucionalidade normativa, sempre estaria, também por esta via, prejudicada a admissibilidade do recurso, ainda que, no respetivo requerimento de interposição, tivesse logrado formular um objeto com esse cariz, circunstância que, como se viu, não se verificou.

8. Finalmente, por referência à decisão proferida em 26 de janeiro de 2022, deteta-se a ausência de correspondência entre a ratio decidendi desse aresto, e a questão de constitucionalidade em discussão nos presentes autos. De facto, tal acórdão surge na sequência de requerimento pós-decisório deduzido pelo recorrente, arguindo nulidade por omissão de pronúncia, à luz do disposto no artigo 379.º do Código de Processo Penal (fls. 1747).

Consequentemente, ao tribunal recorrido competia apenas, nesse contexto, aferir da verificação dos vícios invocados no mencionado requerimento, e não proceder à apreciação da questão de mérito subjacente ao recurso do arguido, relativa à determinação da medida concreta da pena. Isto é, não estava em causa, nesse âmbito, qualquer aplicação dos artigos 50.º, n.º 1 e 71.º, n.º 1, ambos do Código Penal, mas apenas a comprovação de que a decisão anterior do Tribunal da Relação de Coimbra havia conhecido de todas as questões submetidas a apreciação.

Em consonância, revelando-se que a interpretação sindicada pelo recorrente não integrou a ratio decidendi da decisão recorrida, um eventual julgamento de inconstitucionalidade que sobre a mesma incidisse não teria a virtualidade de se projetar na solução jurídica dada ao caso pelo juiz a...

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