Acórdão nº 275/22.4TXPRT-A.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 12 de Outubro de 2022

Magistrado ResponsávelPEDRO VAZ PATO
Data da Resolução12 de Outubro de 2022
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Proc. nº275/22.4TXPRT-A.P1 Acordam os juízes, em conferência, no Tribunal da Relação do Porto I – “A... Unipessoal, Ldª” veio interpor recurso do douto despacho do Juiz 13 do Juízo de Execução das Penas do Porto do Tribunal Judicial da Comarca do Porto que rejeitou o requerimento por ela apresentado de cancelamento provisório do registo de uma sua condenação criminal.

Da motivação do recurso constam as seguintes conclusões: «Vem o presente recurso interposto de sentença proferida pelo Douto Tribunal de Execução de Penas do Porto no qual decidiu: “A – Julgo o pedido de cancelamento provisório deduzido pela requerente manifestamente infundado e rejeito o mesmo, nos termos do disposto no artº 148º, a) do CEP, determinando o arquivamento do processo.

B – Condeno a requerente no pagamento da taxa de justiça de 2 UCs, nos termos do art. 153.º do CEP, art.t 8º, nº 9 e Tabela III do Regulamento das Custas Processuais.

C – Notifique a requerente e o Ministério Público – art. 232.º/1CEP. D.N.” II. Não se conforma a Recorrente com a decisão proferida, pretendendo com o presente recorrer da matéria de direito na mesma vertida.

  1. O dispositivo da sentença de que se recorre julga manifestamente infundado o pedido deduzido pela Recorrente, sendo certo que toda a argumentação deduzida pelo Tribunal se refere à inadmissibilidade legal de aplicação do instituto do cancelamento provisório de registo criminal a pessoas coletivas – com a qual também não se concorda.

  2. A inadmissibilidade legal não se confunde com falta de fundamento do pedido, pelo que quanto a este particular deixa também a Recorrente a sua nota.

  3. Para fundamentar a decisão proferida, o tribunal a quo refere que as disposições legais previstas no art.12º e art.10º n.º 5 e 6 da Lei 37/2015, de 5 de Maio se referem estritamente a pessoas singulares.

  4. E que os pressupostos cumulativos referidos no artigo 12º da Lei 37/2015, de 5 de Maio não são passíveis de aferir-se quanto às pessoas coletivas, nomeadamente que o interessado – no caso, a pessoa coletiva – se tenha “comportado de forma que seja razoável supor encontrar-se readaptado”, atenta a natureza da própria pessoa coletiva, o que inviabiliza a concessão do cancelamento provisório do registo criminal a pessoas coletivas.

  5. A questão que emerge dos presentes autos requer análise complexa e integrada, conciliando a letra da lei e a intenção do legislador, com os demais princípios presentes no ordenamento jurídico, basilares do nosso sistema jurídico.

  6. Discordamos do entendimento perfilhado pelo Douto Tribunal Recorrido uma vez que o art. 12º da LIC não estabelece qualquer distinção entre pessoas singulares e coletivas e quanto à remissão do referido artigo para os n.ºs 5 e 6 do art.10º da referida lei, remete para os fins previstos nesses preceitos, não se retirando a exclusão das pessoas coletivas desta remissão.

  7. Quanto à questão atinente à impossibilidade de aferir dos pressupostos de aplicação do instituto de cancelamento provisório do registo criminal no caso das pessoas coletivas, em concreto aferir do comportamento e readaptação do condenado, defendemos que tal leitura terá de ser feita conjugada com o artigo 229º da Lei n.º 115/2009, de 12 de Outubro.

  8. Também o artigo 229º da Lei n.º 115/2009, de 12 de Outubro não faz qualquer distinção entre pessoas singulares ou pessoas coletivas, referindo que o cancelamento pode ser requerido “para fins de emprego, público ou privado, de exercício de profissão ou actividade cujo exercício dependa de título público, de autorização ou homologação da autoridade pública”, n.º 1 do referido preceito, e que tem legitimidade para requerer o cancelamento o representante legal, n.º 2 do referido preceito.

  9. Ora, o cancelamento provisório do registo criminal possuem inquestionável relevância para as sociedades, em particular em sede de procedimento para contratação pública – referido no texto legal que supra se transcreve e motivo e razão para a Recorrer se socorrer do presente instituto.

  10. Quanto a isto, as regras de participação em concurso público o Código dos Contratos Públicos estipula no Capítulo IV, e em particular no artigo 55º, n.º 1, alínea h) que: 1 - Não podem ser candidatos, concorrentes ou integrar qualquer agrupamento, as entidades que: (…) b) Tenham sido condenadas por sentença transitada em julgado por qualquer crime que afete a sua honorabilidade profissional, no caso de pessoas singulares, ou, no caso de pessoas coletivas, quando tenham sido condenados por aqueles crimes a pessoa coletiva ou os titulares dos seus órgãos sociais de administração, direção ou gerência, e estes se encontrem em efetividade de funções, em qualquer dos casos sem que entretanto tenha ocorrido a respetiva reabilitação; (…).

  11. Por sua vez, o artigo 55º-A do Código dos Contratos Públicos estipula no n.º 2: “2 - O candidato ou concorrente que se encontre numa das situações referidas nas alíneas b), c), g), h) ou l) do n.º 1 do artigo anterior pode demonstrar que as medidas por si tomadas são suficientes para demonstrar a sua idoneidade para a execução do contrato e a não afetação dos interesses que justificam aqueles impedimentos, não obstante a existência abstrata de causa de exclusão, nomeadamente através de: a) Demonstração de que ressarciu ou tomou medidas para ressarcir eventuais danos causados pela infração penal ou falta grave; b) Esclarecimento integral dos factos e circunstâncias por meio de colaboração ativa com as autoridades competentes; c) Adoção de medidas técnicas, organizativas e de pessoal suficientemente concretas e adequadas para evitar outras infrações penais ou faltas graves.”.

    (negrito nosso).

  12. Resulta assim que é possível a demonstração por parte da pessoa coletiva, ainda que de diversa forma face às pessoas singulares, a sua readaptação e que pode inclusive identificar-se mediante a adoção de medidas técnicas, organizativas e de pessoal suficientemente concretas e adequadas para evitar outras infrações penais ou faltas graves.

  13. Quanto a isto parece-nos de relevo o douto acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa aos 08/09/2021: “O que permite concluir que uma pessoa colectiva pode demonstrar a sua idoneidade para exercer a actividade contratual para a qual pretende ser contratada mesmo tendo sido condenada em pena criminal no âmbito de um processo-crime.

    O que permite, por sua vez, concluir que o disposto no artº 12º al. b) da LIC pode ser aplicada a pessoas colectivas, soçobrando o argumento aduzido pelo Tribunal a quo para rejeitar in limine a possibilidade da recorrente requerer o cancelamento provisório do seu registo criminal.

    Aliás, se assim não fosse, nunca se poderia prever a condenação de pessoas colectivas no âmbito criminal uma vez que, em termos práticos, quem comete o crime são as pessoas físicas singulares que representam a sociedade e nunca a sociedade em si que não tem existência física para executar crimes[5].” (negrito nosso) - disponível para consulta em: (http://www.dgsi.pt/jtrl.nsf/33182fc732316039802565fa00497eec/592c0a93620fbe808025875f0033c164?OpenDocument) XVI. Finalizando, não podemos deixar de aludir que a restrição ao recurso do instituto do cancelamento provisório do registo criminal por parte das pessoas coletivas é violador do princípio da igualdade, consagrado constitucionalmente, e que em conjugação com o artigo 12º, n.º 2 da CRP procede a uma equiparação destas (pese embora não absoluta) com as pessoas singulares.

  14. Tratar por isto de forma diferente pessoas singulares e coletivas sem que se demonstre que tal se prende com a incompatibilidade face à natureza da pessoa coletiva afronta diretamente o princípio consagrado.

  15. Cremos assim ser de aplicar a o instituto do cancelamento provisório do registo criminal à Recorrente, pessoa coletiva, o que deve ser ordenado.

  16. Ao decidir de forma diversa na sentença proferida, violou o Tribunal recorrido o disposto nos artigos: art.10º, n.º 5 e 6 e art.12º da Lei 37/2015 de 5 de Maio; art.229º da Lei 115/2009 de 12/10; e artigos 12º, n.º 2 e 13º da Constituição da República Portuguesa.» O Ministério Público junto do Tribunal da primeira instância apresentou respostas à motivação do recurso, pugnando pelo não provimento do mesmo.

    O Ministério Público junto desta instância emitiu douto parecer, pugnando também pelo não provimento do recurso.

    Colhidos os vistos legais, foram os autos à conferência, cumprindo agora decidir.

    II – A questão que importa decidir é, de acordo com as conclusões da motivação do recurso (como é orientação uniforme da jurisprudência, são estas conclusões que delimitam o objeto do recurso) a de saber se deverá, ou não, ser rejeitado o requerimento do cancelamento do registo de uma condenação criminal da recorrente.

    III – É o seguinte o teor do douto despacho recorrido: «A... Unipessoal, Ldª, veio interpor o presente processo de cancelamento provisório do registo criminal (art. 229.º-ssCEP), com os fundamentos que se colhem a fl. 2-ss.

    O Ministério Público pronunciou-se pelo indeferimento do requerido.

    Cumprido o contraditório legal, a requerente pronunciou-se nos termos que constam de fls. 30 a 31.

    Cumpre decidir Presentemente, o cancelamento provisório está regulado na disposição legal base contida no art. 12.º da Lei 37/2015, de 5 de Maio[1], a qual circunscreve o instituto em questão aos casos dos n.º 5 e n.º 6 do art. 10.º da mesma Lei, disposições que se referem estritamente a pessoas singulares e para os fins aí previstos.

    Ou seja, o legislador estabeleceu que a excepcionalidade do cancelamento provisório, em contraponto com o cancelamento definitivo (que opera pelo simples decurso do tempo e, como tal, sob a égide de requisitos objectivos), somente se reportava a pessoas singulares, desde logo pela intrínseca natureza subjectiva que a apreciação determina à face dos pressupostos e requisitos legais para tanto exigíveis.

    Deste modo, tem necessariamente de se concluir que o...

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