Acórdão nº 609/22 de Tribunal Constitucional (Port, 22 de Setembro de 2022

Magistrado ResponsávelCons. António José da Ascensão Ramos
Data da Resolução22 de Setembro de 2022
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 609/2022

Processo n.º 360/22

2.ª Secção

Relator: Conselheiro António José da Ascensão Ramos

*

Acordam, em Conferência, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional

I. Relatório

1. A. interpôs recurso para o Tribunal Constitucional ao abrigo do artigo 70.º, n.º 1, alínea b) da Lei n.º 28/82 de 15.11 (Lei do Tribunal Constitucional, referida adiante pela sigla «LTC»), do acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 13 de julho de 2021, que: negou provimento ao recurso por ele interposto de despacho proferido em 1.ª instância em 12 de março de 2021, julgou prejudicado o recurso interposto do despacho de 06 de abril de 2021 proferido na 1.ª instância; e que, finalmente, negou provimento ao recurso do acórdão final da causa de 14 de junho de 2019, confirmando na íntegra o decidido.

2. A. foi condenado, por acórdão de 14 de junho de 2019, proferido pelo Juízo Central Criminal de Lisboa (juiz 4), do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, pela prática, em concurso efetivo, de um crime de burla qualificada, p. p. pelos artigos 217.º, n.º 1 e 218.º, n.º 2, alínea c), ambos do Código Penal (CP), um crime de burla informática, p. p. pelo artigo 221.º, n.º 1, do CP e um crime de burla, p. p. pelo artigo 217.º do CP, na pena única de quatro anos e um mês de prisão.

Por despacho de 12 de março de 2021 do Juízo Central Criminal de Lisboa (juiz 4), do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, foi indeferida a reclamação de nulidade do ato de notificação do arguido do acórdão que o condenou e, por despacho de 06 de abril de 2021, foi, pelo mesmo Tribunal, indeferida a arguição de justo impedimento para interposição de recurso em prazo.

Destas três decisões o recorrente recorreu para o Tribunal da Relação de Lisboa, que, por acórdão de 13 de julho de 2021 e como acima relatámos, negou provimento ao recurso, confirmando todas as decisões impugnadas.

3. A. recorreu deste acórdão para o Tribunal Constitucional ao abrigo do disposto no artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da Lei n.º 28/82 de 15.11 (LTC), como acima se disse.

No entanto, no mesmo dia 10 de setembro de 2021, A. apresentou também requerimento formulando pedido de esclarecimentos e arguindo nulidades do mesmo acórdão de 13 de julho de 2021, de que havia recorrido para este Tribunal. O requerido e reclamado foi indeferido por acórdão em conferência do Tribunal da Relação de Lisboa de 12 de outubro de 2021.

A acrescer, A. interpôs ainda, em 18 de novembro de 2021, recurso para o Supremo Tribunal de Justiça do mesmo acórdão de 13 de julho de 2021. Este recurso foi rejeitado pelo Tribunal da Relação de Lisboa com fundamento em irrecorribilidade em 22 de novembro de 2021.

O recorrente reclamou da decisão de rejeição para o Supremo Tribunal em 06 de dezembro de 2021, que foi indeferida por decisão de 13 de janeiro de 2022.

Da decisão que indeferiu a reclamação, proferida pelo Vice-Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, A. interpôs «recurso para o Supremo Tribunal de Justiça» e recurso para o Tribunal Constitucional. Por decisão de 07 de fevereiro de 2022, o Vice-Presidente do Supremo Tribunal de Justiça rejeitou ambos os recursos.

Em 19 de fevereiro de 2022, A. formulou requerimento ao Vice-Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, pedindo a aclaração das decisões, pedido que veio a ser igualmente indeferido por decisão de 21 de fevereiro de 2022.

Em 10 de março de 2022, A. apresentou novo pedido de esclarecimentos e aclaração, indeferido pelo relator por decisão de 11 de março de 2022, que então, e finalmente, ordenou a devolução dos autos.

4. Pela decisão sumária n.º 365/2022, decidiu-se não conhecer do mérito do recurso com fundamento em vício de ineptidão do requerimento de interposição e falta de definitividade do acórdão recorrido. Os fundamentos foram os seguintes:

“(…) O recorrente estava obrigado a adotar a forma de recurso patenteada no artigo 75.º-A, n.ºs 1 e 2 da LTC, procedendo a uma indicação clara dos elementos aí discriminados, mas ignorou o disposto sobre a fórmula processual que acionou, já que, na peça de interposição não se identifica adequadamente (i) a norma ou interpretação normativa que se pretenderia fiscalizada (definindo o objecto do recurso), de uma parte, nem, de outra, (ii) a peça processual em que houvesse suscitado a questão de inconstitucionalidade que se pretende ver apreciada.

Nesta segunda dimensão, o recorrente omitiu em absoluto a indicação devida, nada referindo a propósito da adequada arguição prévia da questão de constitucionalidade em observância do disposto no artigo 280.º, n.º 1, alínea b), da Constituição da República Portuguesa e nos artigos 70.º, n.º 1, alínea b) e 72.º, n.º 2, ambos da LTC, dispensando outras considerações.

Já na primeira dimensão, o recorrente refere apenas que “as normas cuja inconstitucionalidade se pretende ver apreciada são todas aquelas que violam pelo menos os arts. 12.º, n.º 1, 16.º, 17.º, 18.º e 32.º, n.ºs 1, 2, 3, 4 e 5 da CRP” (sic). Não se encontra definido, portanto, qualquer corpus jurídico que pudesse ser objeto de fiscalização concreta na presente sede, bastando-se o recorrente com uma remissão genérica, vaga e inconsubstanciada, para “as normas” que se possam entender em colisão com um numeroso conjunto de preceitos constitucionais (e acrescenta que o objeto do recurso compreenderá pelo menos as que se achem nessas condições, abrindo mesmo a possibilidade de poder incluir muitas outras), o que conforma violação frontal do ónus de processo que sobre si impendia, ex vi artigo 75.º-A, n.º 2, parte final, da LTC.

As apontadas irregularidades do ato constitutivo da instância de recurso, que, em bom rigor, nem sequer goza da definição de objeto em nenhuma medida, mostra-se impassível de convalidação, reclamando, por si só, pela invalidade da instância, já que estamos manifestamente fora do âmbito previsivo do n.º 5 do artigo 75.º-A da LTC. Esta norma permite a supressão de vícios formais, mas apenas quando a insuficiência se possa dizer parcial, já não quando a omissão conduza à global frustração do efeito útil que a observância dos ónus de processo tem por escopo. Nas situações como as dos presentes autos, o problema não é caracterizável como respeitando a uma peça imperfeita, mas ajustável às exigências legais, antes estamos perante absoluta ausência de definição de temática da instância de recurso, por isso qualificável como vício de ineptidão.

Quando seja assim, o convite ao aperfeiçoamento pelo Tribunal não constituiria uma faculdade para aperfeiçoar o ato praticado, mas o benefício de uma segunda oportunidade (e de um segundo prazo) para interpor recurso de fiscalização concreta, resultado processualmente inadmissível porque abrogante do princípio da preclusão e que impõe se conclua o vício como impassível de sanação (v., neste sentido, acórdãos do Tribunal Constitucional n.ºs 252/2008, 112/2013 e 9/2017).

Em face do exposto, desde já somos conduzidos à conclusão de que o recurso não pode ser apreciado por vício de ineptidão insuprível (cfr. artigos 576.º, n.ºs 1 e 2 e 577.º, alínea b) do Código de Processo Civil, ex vi artigo 69.º da LTC).

6. Um outro problema que salta à vista no relatório que antecede respeita à definitividade da decisão...

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