Acórdão nº 613/22 de Tribunal Constitucional (Port, 22 de Setembro de 2022

Magistrado ResponsávelCons. António José da Ascensão Ramos
Data da Resolução22 de Setembro de 2022
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 613/2022

Processo n.º 595/22

2.ª Secção

Relator: Conselheiro António José da Ascensão Ramos

*

Acordam, em Conferência, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional

I. Relatório

1. A. interpôs recurso para o Tribunal Constitucional ao abrigo do artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da Lei n.º 28/82 de 15.11 (Lei da Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional, adiante designada por LTC), do acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 7 de Março de 2022, pedindo a fiscalização do disposto nos artigos 153.º e 156.º, do Código da Estrada (CE), quando interpretados “no sentido de que (...) ‘quando não tiver sido possível’ a realização do teste de ar expirado se prende também com razões de impedimento de transporte do examinando, acompanhado por agente fiscalizador, ao local onde tal teste possa ser efetuado o teste quantificativo”, arguindo violação do disposto no artigo 32.º, n.º 8, da Constituição da República Portuguesa.

2. A recorrente foi condenada pelo Juízo de Competência Genérica de Caminha, do Tribunal Judicial da comarca de Viana do Castelo, pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. p. pelos artigos 292.º, n.º 1 e 69.º, n.º 1, alínea a), ambos do Código Penal (CP), na pena de 80 dias de multa, à taxa diária de € 5,00 e na pena acessória de proibição de condução de veículos a motor pelo período de quatro meses.

A. recorreu para o Tribunal da Relação de Guimarães que, pelo acórdão ora recorrido, negou provimento ao recurso, confirmando o decidido em 1.ª instância.

A recorrente apresentou então requerimento ulterior, requerendo a “aclaração/retificação” do acórdão, que o Tribunal da Relação indeferiu, firmando o entendimento que o reclamado se cingia à expressão de discordância com o decidido, sem suscitar qualquer questão que não embatesse com a proibição da revisão do acórdão por força do princípio de esgotamento do poder jurisdicional.

3. Ainda inconformada, a recorrente interpôs recurso para este Tribunal Constitucional, nos termos supra relatados.

Pela decisão sumária n.º 418/22, decidiu-se não conhecer do mérito do recurso. Os fundamentos foram os seguintes, para o que ora nos importa:

“(…) Regressando ao caso sub iudicio, comecemos por fazer ver que se impõe deixar de parte, liminarmente, todo o expendido e requerido pela recorrente a propósito da melhor interpretação a cometer ao disposto nos artigos 153.º e 156.º, ambos do CE, bem como sobre um putativo erro no julgamento de Direito em que tivesse incorrido o Tribunal da Relação de Guimarães ao decidir.

Como acima fizemos ver, este Tribunal apenas pode conhecer de questões normativas e com respeito à sua compatibilidade para com a Lei Fundamental (e para com leis de valor reforçado), exorbitando os seus poderes cognitivos, quer a pretendida sindicância da interpretação jurídica realizada pela jurisdição comum, quer a escolha da que, no caso, melhor coubesse (cfr. artigo 6.º da LTC).

Por outro lado, é visível que a decisão recorrida não adotou o entendimento dos artigos 153.º e 156.º do CE que lhe atribui a recorrente e que não se verifica a sobredita conexão necessária entre aquela e o objeto do presente recurso de que depende a respetiva regularidade.

Embora a formulação constante do requerimento de interposição de recurso seja algo confusa (“ no sentido de que (...) ‘quando não tiver sido possível’ a realização do teste de ar expirado se prende também com razões de impedimento de transporte do examinando, acompanhado por agente fiscalizador, ao local onde tal teste possa ser efetuado o teste quantificativo”), pretende a recorrente que o Tribunal “a quo” tenha interpretado o n.º 2 do artigo 156.º do CE por forma a admitir que qualquer forma de obstrução ao encaminhamento da pessoa sujeita a exame de ar expirado (artigo 153.º do CE) por agente policial pudesse, em princípio, permitir colheita sanguínea para efeitos de aferição da TAS que um interveniente em acidente de viação possua: “da fundamentação vertida por esse Venerando Tribunal, transparece a ideia de que é possível a não realização do teste qualitativo, mesmo que a saúde do interveniente em acidente de viação o permita e fazer-se de imediato o quantificativo” (21.º do requerimento de interposição).

Não essa, porém, a interpretação normativa que o acórdão recorrido exibe e que suporta o respetivo sentido decisório.

O Tribunal da Relação de Guimarães entendeu que o exame previsto no artigo 153.º do CE se entenderá prescindível, para efeitos do artigo 156.º, n.º 2, do CE, quando a sua realização se mostre incompatível com os procedimentos impostos pela Lei n.º 18/2007 de 7 de maio ( Regulamento de Fiscalização da Condução sob a Influência do Álcool): o Tribunal concluiu que, nos casos em que o socorro de interveniente em acidente de viação não se mostre compaginável com a observância dos procedimentos impostos por esse diploma, então se entenderia operante a norma do artigo 156.º, n.º 2, do CE, que admite se proceda a pesquisa de TAS por recolha de sangue em estabelecimento hospitalar. Por ter sido essa, no ver do Tribunal “a quo”, a situação do caso sob julgamento, concluiu então tratar-se de um procedimento de obtenção de prova compatível com a Lei, daqui resultando, de forma central, o juízo de improcedência do recurso.

Lê-se na decisão recorrida:

« Ora, na expressão "quando não tiver sido possível" cabem muitas razões, e não, necessariamente, apenas respeitantes ao estado de saúde dos intervenientes. É que, os procedimentos a adotar têm de respeitar o tempo e o modo de atuação previstos no Regulamento de Fiscalização da Condução sob a influência do álcool (Lei 18/2007 de 7.05), e dele decorre uma sequência de procedimentos que, no caso de acidente de viação, têm de ser levados a cabo, tendo em conta as circunstâncias decorrentes do próprio acidente.

E assim, se é verdade que a presença de álcool no sangue é indiciada por meio de teste de ar expirado, efetuado em analisador qualitativo (artigo 1º, n.º 1), já a quantificação é feita por analisador quantitativo, ou análise ao sangue (artigo 1º, n.º 2).

Para a realização do teste quantitativo deverá o examinando ser transportado, acompanhado pro agente fiscalizador, ao local onde o teste possa ser efetuado - habitualmente nas instalações da autoridade policial -, não devendo o intervalo entre os dois ser superior a 30 minutos (artigo 2º, n.ºs 1 e 2 do citado Regulamento.)

Ora, perante este exigência legal, tendo havido a necessidade de transportar a recorrente ferida para o hospital, é manifesto que não seria possível optar pela realização do teste por meio de ar expirado, que implicaria retirá-la do local onde se encontrava o analisador qualitativo, quando era claramente - porque estava ferida - mais premente a sua deslocação ao hospital. Por outro lado, se a ida ao hospital fosse intercalada entre os dois testes (qualitativo e quantitativo) seguramente se excederia, em muito, o tempo que a lei determina como adequado para mediar entre um e outro (30 minutos).

Portanto, não há dúvida de que perante as circunstâncias apuradas não seria possível realizar o exame de pesquisa ao álcool por meio do ar expirado, pelo que bem agiram o senhores militares da GNR ao procederem como procederam. De facto, nas circunstâncias expostas o exame ao sangue não revestiria o carácter de subsidariedade ou excecionalidade a que se refere a recorrente, e também ao contrário do defendido, existia fundamento legal para a atuação encetada, mesmo que aparentemente desconhecida dos militares, ou de outro modo por eles intrepretada.

A questão, repise-se, não pode ser vista apenas pelo prima da situação de saúde da recorrente permitir, ou não, realizar o teste de álcool pelo ar expirado. Tem de ser vista pela necessidade de observar os procedimentos legais, por forma a optar pela via que garantisse que a saúde da arguida não era posta em causa, que os resultados fossem fiáveis, e que não se violasse a letra e o espírito da lei, o que só com a preterição do teste de ar expirado e opção pelo teste por análise sanguínea se alcançava. » (sublinhado nosso)

Dito de outro modo, a interpretação do Tribunal recorrido assenta numa articulação dos artigos 153.º, n.º 1 e 156.º, n.º 2, 1.ª parte, ambos do CE, com a regulamentação sobre a obtenção do meio de prova constante da Lei n.º 18/2007 de 7 de maio, compatibilizando os respetivos quadros legais. Não se observa, ao contrário do que pretende a recorrente, que o acórdão adote uma interpretação que conformasse um qualquer tipo de cláusula aberta e que, por isso, se caracterizasse por admitir a possibilidade de “ razões de impedimento de transporte do examinando (...) ao local onde (...) possa ser efetuado o teste quantificativo”, quaisquer que fossem, permitissem se procedesse a recolha sanguínea para efeitos de apuramento de TAS, ainda que o exame prévio por ar expirado fosse possível. A interpretação normativa atribuída pela recorrente ao acórdão, caracterizando um entendimento muito mais permissivo sobre as condições que comportariam a recolha de sangue e não por exame por ar expirado, pois, acolhe um critério que da decisão não consta.

Assim, a decisão recorrida não patenteia o entendimento aberto que lhe atribui a recorrente sobre as condições em que se permite exame sanguíneo e que se diz atingido de vício de inconstitucionalidade, antes tendo adotado uma interpretação normativa balizada por critérios legais que decorrem do cotejo de diferentes diplomas. Quando se mantenha presente o efeito que é próprio às decisões do Tribunal Constitucional (artigo 80.º, n.º 2, da LTC), pois, não existe utilidade em proceder à sindicância do programa normativo indicada pelo recorrente, já que essa interpretação normativa não determinou o desfecho da causa e não é fundamento da decisão.

Em face do...

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