Acórdão nº 030/22.1BALSB de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 29 de Setembro de 2022

Magistrado ResponsávelANÍBAL FERRAZ
Data da Resolução29 de Setembro de 2022
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo (STA), com sede em Lisboa; # I.

Z………., …, com beneplácito do estatuído nos artigos (arts.) 25.º n.ºs 2 a 4 e 26.º do Decreto-Lei n.º 10/2011 de 20 de janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAMT).) e 152.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), interpôs, para o Pleno da Secção de Contencioso Tributário do STA, recurso, objetivando uniformização de jurisprudência, da decisão (singular), proferida no âmbito de pedido de pronúncia arbitral, formulado no processo n.º 124/2021-T, do Centro de Arbitragem Administrativa (caad), que, além do mais, decidiu julgar totalmente improcedente o pedido e manter os atos tributários impugnados, objeto dos autos.

Aponta-lhe contradição/oposição, com a, também, decisão arbitral (colegial), datada de 6 de julho de 2020, exarada no processo n.º 838/2019-T.

O recorrente (rte) apresentou alegação, finalizada com as seguintes conclusões: « A. O presente recurso é interposto ao abrigo dos nºs 2 a 4 do artigo 25º do RJAT, da decisão arbitral proferida em tribunal singular no processo do CAAD nº 124/2021-T, no segmento respeitante às liquidações de IRS dos anos de 2016 e 2017 ⁸ em virtude de, quanto à mesma questão fundamental de direito, estar em oposição com a decisão arbitral fundamento proferida em tribunal coletivo no processo nº 838/2019-T do CAAD.

⁸ O Recorrente conforma-se com a decisão recorrida no que respeita à liquidação de IRS de 2015.

  1. O recorrente interpôs reclamação graciosa «nos termos do disposto no artigo 140º nº 2 do CIRS, no artigo 78º da LGT e nos demais preceitos que determinam a concretização do princípio da justiça consagrado no artigo 266º, nº 2 da Constituição da República Portuguesa», requerendo a correção dos erros cometidos nas suas declarações de rendimento de IRS dos anos de 2015, 2016 e 2017, e que, no presente recurso circunscreve aos anos de 2016 e 2017.

  2. Tais erros traduziram-se na inscrição no campo 403 do anexo B daquelas declarações dos rendimentos resultantes da sua participação como árbitro no tribunal arbitral tributário do CAAD conjuntamente com as que auferiu na qualidade de jurisconsulto e de professor, quando deveriam os primeiros ter sido autonomizados e inscritos no campo 404 do mesmo anexo em virtude de aquela atividade/função de árbitro não constar da tabela a que se refere a alínea b) do nº 1 do artigo 31º do CIRS.

  3. A função de árbitro do tribunal arbitral não é minimamente reconduzível à atividade de jurisconsulto – ao contrário deste, o árbitro julga e decide, através de sentenças que se impõem imperativamente na esfera jurídica das partes – mas a AT indeferiu os pedidos de correção em sede de reclamação e de recurso hierárquico, com o fundamento de que a função ou tarefa de árbitro no CAAD era subsumível à atividade de jurisconsulto, indicada por erro do recorrente e refletido na declaração de rendimentos de IRS.

  4. A aplicação do coeficiente 0,75 da alínea b) do nº 1 do artigo 31º do CIRS não foi, assim, corrigido pela AT, apesar de reconhecer expressamente (pontos 16 e 17 do despacho de indeferimento do recurso hierárquico) que «17 - A função específica, ou seja, a tarefa (serviço) que (o recorrente) executou, foi a de “árbitro” do CAAD, aliás conforme faturas-recibos emitidas pelos serviços prestados» ⁹.

    ⁹ E de facto, no espaço para a descrição da entidade pagadora e do ato gerador do rendimento foi inscrita em todos os recibos emitidos a expressão «CAAD- Árbitro no Processo nº…/…T».

  5. Por isso, o Recorrente interpôs o PPA, requerendo a anulação do despacho de indeferimento do recurso hierárquico, a anulação parcial das liquidações em causa e o reembolso da quantia indevidamente paga, que deu azo ao processo nº 124/2021-T e à decisão agora recorrida.

  6. Quanto aos coeficientes previstos no artigo 31º do CIRS, a decisão recorrida arrimou-se ao Acórdão nº 092/19.9BALSB, de 9-12-2020 do STA, fez uma correta interpretação do direito, deu razão ao Recorrente, e concluiu que a atividade de árbitro do tribunal arbitral não consta especificamente da lista a que se refere o artigo 151º do CIRS. E, portanto, os rendimentos dela resultantes devem ser inscritos no campo 404 do anexo B da declaração de rendimentos de IRS e aplicado o coeficiente 0,35.

  7. Porém, a decisão arbitral recorrida considerou o PPA do Recorrente improcedente com base no fundamento principal, nunca aliás antes mencionado pela AT nos seus despachos de indeferimento, de que o conceito de «erro na declaração de rendimentos» do nº 2 do artigo 140º do CIRS é o mesmo que «erro evidenciado na declaração» do nº 2 do artigo 45º da LGT.

    I. A fls. 24, a decisão recorrida formulou a pergunta: «Restam-nos então os vocábulos previstos na LGT e IRS, respetivamente, - erro evidenciado na declaração e – erro na declaração de rendimentos. Quereria o legislador fiscal dizer o mesmo?».

  8. E a mesma decisão respondeu textualmente, após fazer eco da jurisprudência firmada no STA no Processo nº 0991/15, de 24-05-2016, sobre o conceito de erro evidenciado na declaração do sujeito passivo: «Não existem assim quaisquer razões para interpretar de forma diferente o conceito que se encontra previsto no artº 140º, nº 2 do CIRS, com o conceito constante do artº 45º, nº 2 da LGT.

    », julgando de imediato improcedente o PPA do Recorrente.

  9. A decisão recorrida desrespeitou, porém, as regras de interpretação da lei constantes do artigo 9º do Código Civil, para onde remete o artigo 11º, nº 1 da LGT.

    L. Desrespeitou, desde logo, o elemento literal das normas em análise, isto é, a diferença existente na letra de cada um dos respetivos normativos. É que à expressão «erro evidenciado na declaração» do nº 2 do artigo 45º da LGT, com o sentido de «evidência» que a jurisprudência lhe fixou, contrapõe-se legalmente a expressão «erro na declaração de rendimentos» sem o requisito da dita «evidência» no nº 2 do artigo 140º do CIRS ¹⁰.

    ¹⁰ Expressão legal «evidenciado» que, ao contrário do que induz a enigmática dicotomia que a decisão recorrida escolheu para Tema da decisão (fl. 1): «Erro evidenciado na declaração e erro evidenciado na declaração de rendimentos», não existe no nº 2 do artigo 140º do CIRS.

  10. A decisão recorrida ignorou a diferença de redação de um e de outro preceito, desrespeitando os nºs 2 e 3 do artigo 9º do Código Civil que proíbem a interpretação «que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal», e impõem ao intérprete a presunção de «que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados».

  11. A decisão arbitral recorrida ignorou também o elemento lógico das normas em questão, incluindo as diferentes ratio legis, que impunham que decidisse com base nas evidentes diferenças na letra e no espírito daqueles preceitos.

  12. O nº 2 do artigo 45º da LGT consagra uma limitação ao poder-dever de liquidar impostos da AT, diminuindo o prazo de caducidade (de quatro para três anos) por se tratar de erros na declaração de qualquer tributo, que, por manifestos, são observáveis pela simples coerência interna desta (declaração), sem necessidade de cruzamento com outros elementos, enquanto, ao invés, o nº 2 do artigo 140º do CIRS consagra uma garantia dos contribuintes de natureza especial para todos os erros em declarações de rendimentos de IRS, consubstanciada no alargamento do prazo geral de reclamação de 90 dias (art. 70º, nº 1 do CPPT) para dois anos.

  13. O nº 2 do artigo 45º da LGT é um comando jurídico de âmbito geral dirigido à AT e limitador dos seus poderes de liquidação de dividas tributárias ainda não liquidadas, ao passo que o nº 2 do artigo 140º do CIRS é uma norma de garantia imediata dos contribuintes, só aplicável em IRS, essencialmente para imposto pago a mais.

  14. O nº 2 do artigo 45º da LGT e o nº 2 do artigo 140º do CIRS, são pois, evidentemente, normas de âmbitos e de teleologias claramente distintos e contrários.

  15. Acresce que o nº 2 do artigo 45º da LGT é dirigido aos casos em que do erro na declaração resultou liquidação de tributo inferior ao devido. O que não acontece no caso sub judice, que é de correção de erro por imposto pago a mais, nem em geral no nº 2 do artigo 140º do CIRS. A situação sub judice na decisão arbitral recorrida sempre seria estranha ao nº 2 do artigo 45º da LGT.

  16. A decisão recorrida violou ainda a lei ao fundar-se sem justificação à nunca fundamentada expressão de fls. 24: «Não existem assim quaisquer razões para interpretar de forma diferente o conceito que se encontra previsto no artº 140º, nº 2 do CIRS, com o conceito constante do artº 45º, nº 2 da LGT».

  17. A decisão arbitral recorrida está, assim, em contradição com a decisão fundamento proferida no processo nº 838/2019-T.

  18. A decisão recorrida padece ainda de outros vícios que, nos termos do artigo 152º, nº 6 in fine do CPTA, só podem conduzir à sua anulação e à procedência do pedido do Recorrente.

    V. É o caso da conclusão exarada a fls. 20 «nos documentos da contabilidade (recibos eletrónicos) vigora a presunção do art.º 75º, nº 1 da Lei Geral Tributária», para daí...

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