Acórdão nº 2289/20.0S3LSB.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 29 de Setembro de 2022

Magistrado ResponsávelANTÓNIO GAMA
Data da Resolução29 de Setembro de 2022
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Processo n.º 2289/20.0S3LSB.S1 Acordam, em conferência, no Supremo Tribunal de Justiça: I 1.

No Juízo Central Criminal ... foi proferida a seguinte decisão (transcrição): «a. Absolve-se o arguido AA, quanto à prática do crime de roubo, p. e p. nos artigos 210º/1 e 2 a) e b), em articulação com o art. 204º/1, al. d) e n.º 2, al. f), do C. Penal, que lhe vinha imputado na acusação; b. Absolve-se o arguido AA, quanto à prática do crime de homicídio qualificado, p. e p. nos arts. 131º e 132º/2, g) e i), do C. Penal, que lhe vinha imputado na acusação; c. Condena-se o arguido AA, pela prática de um crime de roubo simples, p. e p. nos artigos 210º/1 e 2, al. b), 204º/2, al. f) e n.º 4 e 202º, al. c), do C. Penal, a pena de 3 (três) anos e 2 (dois) meses de prisão; d. Condena-se o arguido AA, pela prática de um crime de homicídio qualificado, p. e p. pelos arts. 131º e 132º/2, als. c) e j), do C. Penal, na pena de 20 (vinte) anos de prisão; e. Condena-se o arguido AA, pela prática de um crime de incêndio, p. e p. pelo art. 272º/1 al. a) do C. Penal, na pena de 5 (cinco) anos e 6 (seis) meses de prisão.

  1. Em cúmulo, pela prática dos referidos crimes, aplica-se ao arguido AA, a pena única de 23 (vinte e três) anos de prisão».

    1. Inconformado recorreu o arguido diretamente para este STJ apresentando as seguintes conclusões (transcrição): 1ª Sobre o constante no douto Acórdão recorrido, nos seus pontos 8, 17, 18 e 19 na parte em que enuncia os factos provados incide, mais detalhadamente, a nossa discordância ou melhor dizendo, na qualificação jurídica daqueles dois primeiros crimes (homicídio e roubo), conjugados e analisados entre si.

    2ª Temos por pacífico que da apreciação daqueles factos (morte seguida de subtração), emerge uma independência estrutural das condutas, o que nos leva a não discordar, sobre o existente concurso real de crimes.

    3ª À vítima foi retirada a vida, de forma violenta (12 golpes), cuja causa de morte consubstancia golpe na carótida, tendo imediatamente antes dos golpes, sido sujeita a um “golpe de gravata”, ou seja, ao momento dos golpes encontrava-se impossibilitada de se defender, ainda que com vida….

    4ª Bastaria um só golpe, o desferido na carótida, causador do dano morte, mostrando-se desnecessário os demais desferidos….

    5ª O número de 12 golpes denota, quanto a nós, grande desnorte e evidente desvario do agente comissor, como aliás o ilustram as fotografias do cadáver a fls 38 a 45., 6ª Ao longo do iter criminis – subtração de bens – emerge o mesmo estádio de espírito desconexo. O Arguido “esqueceu-se de levar uma mala, que ali estava “à mão de semear”, que continha €9.500,00 e joias (fls 56 e 57) Pelo que: 7ª Pomos em causa a existência de frieza de ânimo que se deu por provada, condenando-se o Arguido, expressamente pela al j) do artº 132º do CP.

    8ª Quer pelo número de golpes, quer pelo referido panorama ilustrado, quer, designadamente, por a causa material próxima dos factos (ou móbil) que originaram o crime de homicídio, não ter ficado nitidamente apurada (independentemente da ilicitude).

    9º Já em prisão preventiva, o Arguido apresentava “comportamento bizarros e discurso saltuário, como engolir cigarros e comer sabão” -, tendo sido sujeito a perícia médico-legal que o considerou imputável.

    Contudo, 10ª Aquele Relatório, não considerando inimputável, abre caminho para a possibilidade de o Arguido padecer de doença ao momento dos factos, lhe prejudicasse a capacidade de avaliação de condutas.

    11ª Os golpes desferidos na vítima, foram-no com recurso a um objeto compatível com uma faca de cozinha, instrumento que - como é de ver - é muito usual numa residência, como era o caso, (Relatório de autópsia de fls 483 a 499 12ª Elemento probatório que deve contribuir para se excluir que houvesse um planeamento do homicídio, por parte do Arguido, Assim, 13ª Não se poderia valorar o comportamento na agravante da “frieza de ânimo”, pois toda a prova espelhada, mostra um estádio de ânimo em tudo contrário à frieza… Logo, 14ª Quanto à “frieza de ânimo”, o douto Tribunal a quo não valorou devidamente a prova, caindo em erro de julgamento, encontrando-se verificado o vício previsto no art 410º nº 2 al c).

    15ª Deve este douto STJ absolver o Arguido da al j) do artº 132º do CP, face ao disposto no artº 432º nº 1 al c), com a redação da Lei nº 94/2021, de 21 de Dezembro, aplicável ex vi artº 5º, nº 2 al a) a contrario, do CPP.

    16ª É dado por provado que o Arguido subtraiu bens móveis de prata pertencentes à vítima, de valor de €27,00, ou valor diminuto.

    16ª “A ordem pela qual foram praticados os factos pelo arguido (agressões à vítima, apropriação de bens e deflagração de incêndio, resultou demonstrada” 17ª Admitindo-se concurso real de crimes – este homicídio não foi cometido como meio para atingir ou encobrir outro crime, - tendo aliás o Arguido sido absolvido da alínea g) do artº 132º do, CP, por isso, não houve “crime-meio”….

    18ª O crime de roubo, na parte dos “crimes contra a propriedade”, para além disso, é também um crime contra a pessoa, que dele é vítima, sendo esta constrangida na sua vontade, na sua mobilidade, coartada na sua integridade corporal ou moral (no caso, por exemplo da ameaça), ficando, de alguma maneira incapacitada para fins da sua defesa.

    Ora, 19ª No caso vertente, a vítima destes autos, aquando da subtração dos bens, não se encontrava em qualquer daquelas situações de limitação da sua liberdade de ação 20ª Esta vítima, encontrava-se já sem vida, por isso já nem sequer tinha “direito” ao sofrimento (designadamente àquele infligido pelo crime de roubo…).

    21ª Quando já não se tem vida, já não se tem personalidade nem capacidade jurídica, já não se é titular de direito e interesses (artºs 66º nº 1, 67º e 68º nº 1 do Código Civil. aplicáveis ex vi artº 8º do CP).

    Por isso, 22ª Aqui falecida vítima já não era, também, titular dos bens subtraídos, mas as os seus herdeiros, conforme habilitação de herdeiros junta pela assistente a fls 394 a 397.

    (Artºs 67º-A e 68º do CPP, e 2157º do CC) 23ª A qualificação jurídica dada aos factos atinentes à subtração de bens, como o faz o Acórdão recorrido não é correta.

    24ª Se a primeira instância absolveu o Arguido do crime de homicídio na parte em que não se verificou como “crime-meio”, E, 24º Se ao momento da subtração, a vítima já não tinha personalidade jurídica, não tinha o douto Acórdão a quo, matéria provada suficiente para condenar pelo crime de roubo, 25º O que mostra um crime objetivamente impossível (artº 23º nº 3 do CP) 26ª A subtração de bens dos nossos autos, consubstancia um crime de furto, p.p. artº 203º, cfr. artº 202º al c) do CP.

    27º É um crime estritamente contra o património de alguém, tem como elemento objetivo a subtração de bens alheios, colocados à disposição do agente, tendo por elemento subjetivo, o dolo. Tal como resulta evidente. Nesta sede, 28º O Tribunal a quo dada a matéria que deu por provada, devia ter convolado o crime de roubo em crime de furto, operando a diferente qualificação jurídica dos factos, subsumindo a subtração de bens móveis de valor diminuto ao crime de furto simples, p.p. artº 203º cfr. artº 202º al c) do CP e artº 1º al f) do CPP a contrario.

    Assim, 29ª Os factos dados por provados não são suficientes para dar-se por preenchido o crime de roubo.

    Pelo que, 30ª O Acórdão recorrido padece do vício contido no artº 410º nº 2 al a) do CPP.

    31ª O que deve ser conhecido e assim decretado por este douto STJ, face ao disposto no artº 432º nº 1 al c), com a redação da Lei nº 94/2021, de 21 de Dezembro, aplicável ex vi artº 5º, nº 2 al a) a contrario, do CPP.

    32ª O douto Acórdão recorrido condena o Arguido:20 anos de prisão pelo crime de homicídio qualificado; p.p artº 131º e 132º als c) e j) do CP : 33ª Na linha do que defendemos quanto à absolvição do Arguido da agravante relativa à “frieza de ânimo” (al j) do artº 132º,do CP), caberá em nosso entender, e por se mostrar de pertinente justeza, proceder à reponderação da medida concreta aplicada, reduzindo-a, enfaticamente.

    34ª Quanto a este crime de homicídio em geral, sem prejuízo da imputabilidade apurada, emerge, todavia designadamente da prova documental (fotografias de fls 38 a 45, 56 e 57) e da perícia médico-legal, como francamente possível, que o Arguido não se encontrasse, ao momento dos factos, capaz de avaliar plenamente, a ilicitude, 35ª Assim, em homenagem ao que dispõe o artº 71º do CP, deve ponderar-se na redução da pena, não se excluindo a ilicitude do facto, mas reconhecendo-se características patológicas que ressaltam, à luz da lógica e da experiência, relativamente à pessoa desde Arguido.

    Acresce que, 36º Não sendo hoje, o crime de homicídio no nosso País pouco usual, contudo aberrante, verdade é que, in casu, a aqui vítima não viu o lento desvanecer da sua vida, que lhe causasse sofrimento sentido.

    37ª Diferentemente de muitos outros crimes de homicídio que vêm ocorrendo….

    Por isso, 38ª Deveria o Tribunal a quo ter procedido a uma análise comparativa com demais casos universalmente considerados, tendo, nomeadamente em conta, a praxis da comarca. O que não sucedeu.

    Assim, 39ª Entendemos, sinceramente, que relativamente ao crime de homicídio ao Arguido não deve ser aplicada pena superior a 15 anos; 40ª O douto Acórdão recorrido condena a 3 anos e 6 meses de prisão pelo crime de roubo simples p.p. artº 210º nº 1 e nº 2 al b), cfr. artº 204º n º 2 al f) e nº 4 e 202º al c) do CP 41ª Revelando-se os factos aqui atinentes à subtração de móveis, subsumíveis ao crime de furto simples, e não de roubo - deve atender-se à respetiva moldura penal e outra medida concreta a decretar.

    42ª O artº 203º nº 1 (cfr. artº 202º al c)), prevê e pune o crime de furto simples com pena de prisão até 3 anos ou com pena multa.

    Assim, sendo, 43ª Entendemos aqui, que deve ser ponderada a aplicação de uma medida da pena que não exceda 1 ano de prisão, primordialmente, em homenagem ao artº 70º do CP; 44ª O douto Acórdão recorrido condenou a 5 anos e 6 meses...

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