Acórdão nº 131/19.3T9TMC-A.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 12 de Setembro de 2022

Magistrado ResponsávelANT
Data da Resolução12 de Setembro de 2022
EmissorTribunal da Relação de Guimarães
  1. RELATÓRIO 1.

    Pela Procuradoria do Juízo de Competência Genérica de ..., da Procuradoria da República da Comarca de Bragança, correu termos o Inquérito nº 131/19.3T9TMC, o qual foi aberto na sequência da queixa que, em 07/10/2019, A. R. e mulher, N. A., residentes na Rua …, nº …, Porto, apresentaram contra A. M., residente na Rua …, nº …, …, Vila Nova de Gaia, queixa essa que a seguir se transcreve (1), na parte que importa relevar: “1. Os denunciantes são legítimos possuidores dos seguintes prédios: a. Prédio urbano, composto por uma casa térrea, para palheiro, sito no Cabeço do …, lugar de ..., descrito na Conservatória do Registro Predial de ... sob o nº … e inscrito na respectiva matriz predial, sob o artº …; b. Prédio Urbano, composto por uma casa destinada a arrumações, conhecida por “Casão de …”, sito no Cabeço, lugar de ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o nº … e inscrito na respectiva matriz predial, sob o artº …; c. Prédio Urbano, composto por uma casa destinada a arrumações, um lagar de vinho, com a área de 150 m2 e um cabanal, sito no Cabeço, lugar de ..., descrito na Conservatória do Registro Predial de ..., sob o nº … e inscrito na respectiva matriz predial, sob o artº …; d. Prédio Urbano, composto por uma casa de habitação com dois andares, com a área de 216 m2, sito no Cimo ..., lugar de ..., descrito na Conservatória do Registro Predial de ... sob o nº … e inscrito na respectiva matriz predial sob o artº …; e. Prédio Rústico, composto por um tapado para trigo e centeio, com 32 amendoeiras, sito no Cimo ..., lugar de ..., descrito na Conservatória do Registro Predial de ... sob o nº e inscrito na respectiva matriz predial sob o artº …; f. Prédio Rústico, composto de terra murada, com 110 amendoeiras e uma eira, sito no lugar do cabeço, descrito na Conservatória do Registro Predial de ... sob o nº e inscrito na respectiva matriz predial sob o artº …; g) Prédio rústico, composto de tapada para trigo, no Cimo ... do cabeço, com um pombal, sito no lugar das …, descrito na Conservatória do Registro Predial de ... sob o nº, e inscrito na respectiva matriz predial sob o artº …; 2. A legítima posse dos denunciantes, sobre os prédios descritos no ponto 1, foi-lhes concedida pelos legítimos proprietários dos mesmos, com a celebração de um Contrato-Promessa de Compra e Venda, vide cláusula 5ª do referido Contrato, celebrado em 19 de março de 2015: “1. Os primeiros contraentes concedem aos segundo contratantes o direito de eles, gratuitamente, até à data da celebração da escritura pública de compra e venda referida no numero Um da Cláusula Anterior, se servirem os prédios identificados na alínea A) da Declaração Preambular deste contrato e objecto da compra e venda prometida, exclusivamente opara o fim de eles próprios, com exclusão de outrem, os utilizarem de acordo com a sua função normal.” – conforme cópia que se junta e se dá aqui por reproduzida – doc. 1 3. Bem como foi concedida pela celebração de um Contrato de Comodato celebrado em 1 de novembro de 2015, cuja cópia ora se junta e se dá por reproduzida - doc. 2.

    Dito isso, 4. Têm conhecimento os denunciantes que o denunciado tem, de forma repetida, invadido os prédios referidos em 1., circulando neles como se se tratasse de propriedade sua, 5. Sem qualquer autorização dos denunciantes.

    6. De facto, e mais concretamente, no passado dia 30 de maio de 2018, pelas 18h04, o denunciado circulava nos valados da vinha plantada pelo denunciante, no Prédio Rústico referido na alínea g) do presente articulado, tendo o denunciado tirado fotografias das videiras, cuja cópia se junta e se dá aqui por reproduzida - doc. 3; 7. Acto continuo, em 11 de junho de 2018, pelas 17:00, o denunciado voltou a invadir os prédios referidos em 1., nomeadamente o prédio descrito na alínea f) e g) do presente articulado, tendo, mais uma vez tirado fotografias das videiras e bobina do cabo eléctrico que lá se encontravam, conforme doc. 4 e 5 que ora se juntam e se dão aqui por reproduzidos, 8. Sabendo os denunciantes que o autor dessas fotografias é o denunciado, uma vez que essas foram juntas por este, no processo que corre termos neste douto Tribunal sob o nº 126/16.9T8TMC-A.

    9. Que esta invasão de propriedade privada tem se vindo a repetir vez sem fim e ao bom entender do denunciado, sem qualquer reserva, até à presente data e concretamente tais factos tem se verificado ao longo de todos os meses do presente ano de 2019.

    10. Ainda de referir que todos os prédios referidos em 1. se encontram vedados com paredes de pedras e portão metálico, 11. Mais concretamente, o prédio descrito na al. g) – “vinha”, encontra-se vedado parcialmente com muro de pedra, 12. Bem como o prédio descrito na al. f), no qual se encontrava a tubagem, encontra-se vedado com murro de pedra e portão metálico.

    Deste modo, 13. Agiu o denunciado, de forma livre e consciente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida criminalmente, 14. Pelo exposto, cometeu, em autoria material e de forma consumada um crime de invasão em local vedado ao público, Pelo exposto, os denunciantes desejam proceder criminalmente, contra o denunciado.

    Os denunciantes manifestam, desde já, o propósito de deduzir pedido de indemnização civil e requerer a constituição de assistente.

    Prova (...)”.

    * 2.

    Na sequência da ulterior pertinente tramitação processual, em 27/10/2021 o Ministério Público, ao abrigo do disposto no Artº 277º, nº 1, do C.P.Penal, proferiu o despacho cuja cópia consta de fls. 88, com o seguinte teor (transcrição): “Os presentes autos iniciaram-se com a denúncia apresentada por A. R. e N. A. por factos susceptíveis de consubstanciarem a prática de um crime de introdução em lugar vedado ao público, p. e p. pelo artigo 191º, do Código Penal, ocorridos a 30 de Maio de 2018 e 11 de Junho de 2018.

    Ora, o referido crime assume natureza procedimental semi-pública, i.e., a legitimidade doo Ministério Público depende de queixa do ofendido (cfr. artºs. 113º e seguintes, 191º e 198º do Código Penal e artºs. 48º e 49º, nº 1 do Código de Processo Penal).

    Ademais, o direito de queixa extingue-se no prazo de seis meses, nos termos descritos no art. 115º nº 1 do CPP.

    De facto, os denunciantes tiveram conhecimento dos factos a 22 de Junho de 2018, através do processo nº 126/16.9T8TMC-A que correu termos no Juízo de Competência Genérica de ..., conforme resulta de fls. 5 (ponto 8) e 62-122.

    No entanto, só apresentaram a queixa que deu origem aos presentes autos a 07 de Outubro de 2019, fls. 3 e ss.

    Nestes termos, encontra-se largamente extinto o prazo de queixa pelo que, determino o arquivamento dos autos nos termos do artº. 277º nº 1 do CPP.

    *Cumpra o disposto no artº. 277º nº 3 e 4 do CPP.

    (...)”.

    *3.

    Notificados daquele despacho de arquivamento, os queixosos, solicitando a sua constituição como assistentes, vieram requerer abertura da instrução, nos termos constantes de fls. 90/94, sustentando, a final, “se decida no prosseguimento dos autos com vista à acusação do denunciado pelos factos ilícitos cometidos por este.”.

    *4.

    Porém, a pretensão dos denunciantes, no sentido de lhes ser conferido o estatuto de assistentes, foi-lhes negada pelo despacho de 08/02/2022, do Mmº Juiz de Instrução Criminal do Juízo de Competência Genérica de ..., cuja cópia consta de fls. 2 / 2 Vº, nos seguintes termos (transcrição): “Nos presentes autos em que é arguido A. M., A. R. e N. A. vieram requerer a constituição como assistentes.

    Notificado o arguido nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 68.°, n.° 4, do Código de Processo Penal, veio opor-se à constituição de A. R. e N. A. como assistentes.

    Para tanto alega, em síntese, que estando em investigação a prática de um crime de introdução em lugar vedado ao público, previsto e punido pelo artigo 191.° do Código Penal, A. R. e N. A. não são ofendidos nos autos, uma vez que não são proprietários do prédio em causa, pelo que não deve ser admitida a sua constituição como assistentes.

    Em face do invocado pelo arguido foi aberta vista ao Ministério Público o qual, nessa sequência, e com os fundamentos da promoção que antecede, que aqui se dão por integralmente reproduzidos, propugna pelo indeferimento da constituição de A. R. e N. A. como assistentes, porquanto não possuem legitimidade para tal, de acordo com o disposto no artigo 68.°, n.° 1, alínea a), do Código de Processo Penal.

    Cumpre apreciar e decidir.

    Estabelece o artigo 68°, n° 1, alínea a), do Código de Processo Penal que têm legitimidade para a constituição como assistentes «os ofendidos, considerando-se conto tais os titulares dos interesses que a lei especialmente quis proteger com a incriminação, desde que maiores de 16 anos.

    ».

    No caso em apreço encontra-se em investigação a eventual prática pelo arguido A. M. de um crime de introdução em lugar vedado ao público, previsto e punido pelo artigo 191° do Código Penal.

    Como bem sintetiza o acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 19.06.2017, processo n.° 283/16.4T9MDL.G1, disponível para consulta em www.dgsi.pt, «o bem jurídico tutelado pelo crime de introdução em lugar vedado ao público, previsto no art. 191° do C. Penal, prende-se com a salvaguarda de um conjunto heterogéneo de valores ou interesses, como são a reserva e o segredo pessoais, o segredo comercial ou profissional, ou, até, simplesmente, a propriedade.».

    No caso em apreço, tendo em consideração os factos que se encontram denunciados, dúvidas inexistem que está em causa a propriedade, sendo que, como bem refere o Ministério Público, A. R. e N. A. não podem ser considerados ofendidos para efeitos do disposto no artigo 68°, n° 1, alínea a), do Código de Processo Penal, uma vez que...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT