Acórdão nº 20/22.4GDPTM.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 13 de Setembro de 2022
Magistrado Responsável | BEATRIZ MARQUES BORGES |
Data da Resolução | 13 de Setembro de 2022 |
Emissor | Tribunal da Relação de Évora |
Acordam, em conferência, na 2.ª Subsecção Criminal do Tribunal da Relação de Évora: I. RELATÓRIO 1. Da decisão No Processo Sumário n.º 20/22.4GDPTM, da Comarca de Faro Juízo Local Criminal de Portimão – Juiz 1, submetido a julgamento por acusação do MP, foi o arguido MA condenado como autor material de um crime de condução de veículo sem habilitação legal, previsto e punível pelo artigo 3.º, n.ºs 1 e 2 do Decreto-Lei n.º 2/98, de 3 de janeiro, na pena de 3 (três) meses de prisão, a qual foi substituída por 90 (noventa) horas de prestação de trabalho a favor da comunidade, junto de entidade beneficiária a indicar pela D.G.R.S.P.
Na sentença foi, ainda, determinado que após trânsito fosse oficiado à DGRSP a elaboração de plano de execução, conforme aludido no artigo 496.º do CPP.
-
Do recurso 2.1. Das conclusões do Ministério Público Inconformado com a decisão o MP interpôs recurso extraindo da respetiva motivação as seguintes conclusões (transcrição): “1. O presente recurso vem interposto da sentença proferida nos autos que condenou o arguido pela prática de um crime de condução de veículo sem habilitação legal, p. e p. pelo art. 3º, nºs 1 e 2 do DL nº 2/98, de 3.1, na pena de três meses de prisão, a qual foi substituída por 90 horas de prestação de trabalho a favor da comunidade, junto de entidade beneficiária a indicar pela D.G.R.S.P..
-
Resultou provado na douta sentença que no dia 07-01-2022, pelas 11 horas, na Estrada Municipal 125, em …., no município de …, o arguido MA conduzia o veículo ligeiro de mercadorias com a matrícula VC. O arguido sabia não ser titular da necessária carta de condução, não estado habilitado para a condução do referido veículo, uma vez que a sua carta foi cassada por decisão da ANSR, que se tornou definitiva a 23.11.2020. Sabia que conduzia o referido veículo na via pública e que não era titular de carta de condução que o habilitasse a essa condução, mas não se absteve de agir do modo descrito, o que quis e fez. Agiu o arguido de forma livre, voluntária e conscientemente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei penal.
-
O Ministério Público entende que o arguido deveria ter sido absolvido do mencionado ilícito, porquanto, após a entrada em vigor do Decreto–Lei n.º 102-B/2020, de 9.12, que alterou o art. 130 º do Código da Estrada, quando alguém conduzir um veículo com o título de condução cassado, pratica um ilícito meramente contraordenacional.
-
O DL nº 102-B/2020 introduziu alterações ao regime de caducidade dos títulos de condução (nº 1), não só quanto às regras que permitem que condutores que deixaram caducar os seus títulos possam reavê-los, ainda que condicionados à realização de provas de exame ou à frequência de acção de formação (nºs 2 e 4), como também à previsão da caducidade definitiva dos títulos de condução nas situações tipificadas na lei (nº 3) 5. Do cotejo dos nºs 1, 3, 5 e 7 na actual redacção, afigura-se-nos que o legislador pretendeu qualificar como crime de condução sem habilitação legal, previsto no art 3º do DL º 2/98, de 3.1, as situações de título caducado (caducidade definitiva) em que o titular reprovou, por duas vezes, em qualquer das provas do exame especial, ou nas situações em que tiverem decorrido mais de dez anos sobre a data em que deveria ter sido renovado o título.
6 De outra banda, afigura-se-nos que o legislador quis punir como mero ilícito contraordenacional a condução com título não caducado definitivamente (nº 1), posto que tais condutores já anteriormente se submeteram a exames escritos e práticos, alcançando a respectiva aprovação, que lhes permitiu obter um título de condução, e podem revalidar/ renovar o título, sujeitando-se a um exame especial (conforme decorre dos nºs 2 e 4).
-
Ao conduzir o veículo com o título de condução cassado (mas não caducado definitivamente), MA incorreu na prática um ilícito contraordenacional, p. e p. pelo art. 130º, nº 1 al. d) e 7 do Código da Estrada, e não no crime de condução sem habilitação legal, p. e p. pelo art 3º, nº 1 e 2 do DL 2/98, de 3.1.
Termos em que, pelos fundamentos expostos, a douta sentença recorrida deverá ser revogada e substituída por outra que, acolhendo o entendimento expresso no recurso, absolva o arguido.”.
2.2. Das contra-alegações do arguido Notificado da admissão do recurso o arguido silenciou.
2.3. Do Parecer do MP em 2.ª instância Na Relação o Exmo. Senhor Procurador-Geral Adjunto emitiu Parecer com o seguinte teor: “(…) O recurso deve ser julgado POR DECISÃO SUMÁRIA, face à sua manifesta improcedência, ou se assim não se entender, em conferência por respeitar a decisão que conhece a final do objeto do processo – artigo 419.º, do CPP.
O recurso visa matéria de direito.
− Indicação das normas jurídicas violadas: artigos 130.º, n.º 1 al. d) e 7 do Código da Estrada e artigo 3.º, n.º 1 e 2 do DL n.º 2/98, de 3 de janeiro.
− Sentido com que foram interpretadas e aplicadas e sentido com que o deveriam ter sido ou erro na determinação da norma aplicável: ao conduzir o veículo com o título de condução cassado (mas não caducado definitivamente), o arguido incorreu na prática um ilícito contraordenacional, p. e p. pelo artigo 130.º, n.º 1 al. d) e n.º 7 do Código da Estrada, e não no crime de condução sem habilitação legal, p. e p. pelo artigo 3.º, n.º 1 e n.º 2 do DL 2/98, de 3 de janeiro.
-
OBJETO DA DECISÃO. QUESTÕES DE FUNDO: 2.1. Relatório e âmbito do recurso (402.º e 403.º Código de Processo Penal): Considerando que os recursos são concebidos como remédios jurídicos e não como instrumentos de refinamento jurisprudencial; Considerando que o recurso, através do ónus da motivação e conclusões, consubstancia um pedido dirigido ao tribunal ad quem com as razões através das quais se justifica onde e porquê se discorda do decidido e se pede como deve ser reponderada a decisão impugnada; Considerando que é pacífica a jurisprudência de que as conclusões da motivação do recurso, deduzidas por artigos, não só resumem as razões do pedido, mas delimitam, em princípio, o objeto do recurso, sem prejuízo da apreciação de questões de conhecimento oficioso, e se fixam os limites cognitivos do tribunal ad quem; Considerando que na fase de recurso persistem princípios do processo penal, designadamente o da verdade material, com os limites impostos pelo reformatio in pejus 2.1.1. O recurso vem interposto pelo Ministério Público da sentença que MA, além do mais: “como autor material de um crime de condução de veículo sem habilitação legal, p. e p. pelo art. 3º, nºs 1 e 2 do DL nº 2/98 de 3.1, na pena de três meses de prisão, a qual se decide substituir por 90 (noventa) horas de prestação de trabalho a favor da comunidade...”.
2.1.2. O recurso impugna a decisão, que considera contrária ao direito aplicável, defendendo que o arguido não cometeu um crime, mas antes uma contraordenação, devendo ser absolvido.
2.2. Parecer sobre as questões a decidir. Quadro factual. Enquadramento jurídico. Análise.
Posição assumida: Pela objetividade, o recurso afigura-se manifestamente improcedente.
Na verdade, o arguido foi notificado da decisão da ANSR que cassava a sua carta de condução e notificado de que a não impugnação judicial da decisão de cassação implicava o cancelamento da carta de condução (ref.ª citius 9734641), decisão que, como na sentença consta, se tornou definitiva em 23-11-2021. – Cf. Acórdão do TRP, de 2020-11-25, processo nº 20/19.1GALSD.P1, e os aí demais arestos citados.
Ainda que a alteração legislativa operada pelo DL n.º 102-B/2020, de 9.12 ao artigo 130.º do Código da Estrada (CE) - (em vigor desde 9.1.2021 e, portanto aplicável ao caso dos autos) -, tenha deixado de fazer referência ao cancelamento da carta de condução e apenas o faça à caducidade por via, no que agora interessa, da sua cassação, o n.º 5 do mesmo artigo (correspondente ao mesmo n.º na anterior versão) dispõe que: “5 - Os titulares de título de condução caducado consideram-se, para todos os efeitos legais, não habilitados a conduzir os veículos para os quais o título fora emitido, sendo-lhes aplicável o regime probatório previsto no artigo 122.º caso venham a obter novo título de condução.” Não é pelo facto de o n.º 7 do artigo 130.º do CE citado cominar a condução de veículo com título caducado com coima que a conduta deixa de ser crime.
Dispõe o artigo 20.º do RGIMOS (DL n.º 433/82, de 27 de outubro) que “Se o mesmo facto constituir simultaneamente crime e contraordenação, será o agente sempre punido a título de crime, sem prejuízo da aplicação das sanções acessórias previstas para a contraordenação.”.
De igual modo dispõe o artigo 134.º do CE que: “1 - Se o mesmo facto constituir simultaneamente crime e contraordenação, o agente é punido sempre a título de crime, sem prejuízo da aplicação da sanção acessória prevista para a contraordenação. 2 - A aplicação da sanção acessória, nos termos do número anterior, cabe ao tribunal competente para o julgamento do crime. (…)”.
Também é indiferente, atualmente, para o cometimento do crime as condições que o mesmo artigo exige para que o título seja renovado.
Ao contrário do defendido no recurso, a caducidade operada por via da cassação prevista no n.º 1 do artigo 130.º do CE refere - como antes referia na versão alterada - que o título de condução caduca, o que, naturalmente, inculca que tal situação se realiza ope legis sem necessidade de qualquer declaração para o efeito.
Ao ter-se eliminado a previsão do cancelamento, nada mais se exige para que o condutor se considere não habilitado a conduzir.
Todas as condições que o artigo 130.º do CE prevê para a obtenção de novo titulo de condução não prejudicam a conclusão que antecede, antes a reafirmam, pois se para obter novo título se fica sujeito a regime probatório e a outros requisitos de variada índole, como se não encartado se fosse, é porque se deixou de ser efetiva e definitivamente titular legal de título de condução e, portanto, ao conduzir com título caducado comete o crime p.p. pelo...
Para continuar a ler
PEÇA SUA AVALIAÇÃO