Acórdão nº 547/22 de Tribunal Constitucional (Port, 30 de Agosto de 2022

Magistrado ResponsávelCons. José João Abrantes
Data da Resolução30 de Agosto de 2022
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 547/2022

Processo n.º 821/22

3.ª Secção

Relator: Conselheiro Lino Rodrigues Ribeiro

Acordam, em conferência, na 3.ª Secção do Tribunal Constitucional

I – Relatório

1. Nos presentes autos, vindos do Supremo Tribunal de Justiça, em que é recorrente A. e reclamado o Ministério Público, o primeiro interpôs recurso de constitucionalidade ao abrigo do disposto no artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro (LTC), do acórdão proferido por aquele tribunal no dia 14 de julho de 2022 que rejeitou, «por inadmissibilidade legal (face ao disposto nos arts. 399º, 400º, n.º 1, al. f), 432º, n.º 1, al. b), 420º, n.º 1, al. b), e 414.º, n.ºs 2 e 3, do CPP)», o recurso interposto pelo arguido do acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 4 de maio de 2022. Este acórdão negou provimento ao recurso interposto pelo arguido da decisão da 1.ª instância que o condenou numa pena de 7 (sete) anos de prisão pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo disposto no artigo 21.º do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro, e que simultaneamente concedeu provimento parcial ao recurso interposto do Ministério Público da mesma decisão, revogado o «segmento decisório em que não se declara perdido a favor do Estado a embarcação “…” apreendida nos autos substituindo tal segmento por outro que, ao abrigo do disposto no n.º 1 do art. 35.º do DL 15/93, declara perdida tal embarcação a favor do Estado».

2. Desta última decisão foi então interposto recurso de constitucionalidade, que apresenta o seguinte teor:

«A., com os sinais dos autos, notificado do acórdão do STJ, de 14-07-2022, que considerou rejeitar o recurso interposto por inadmissibilidade legal, decisão com a qual não se conforma, atenta a habilidade rebuscada, desvirtuando o alcance das normas jurídicas em crise art.° 35.° do DL 15/93, e violando as mais elementares normas constitucionais 1.º, 3.º n.° 2, 9.º al. b), 12.° n.° 1, 13.°, 16.°, 17.°, 18.° n.° 1 e n.° 2, 20.° n.° 1 e n.° 4, 25.° n.° 1, 26.° n.° 1, 32.° n.° 1 e n.° 5, 58.° n.° 1 e n.° 2, 62.°, 65.° n.° 1 e n.° 2 da CRP, mormente a 2.ª parte da alínea d) do n.° 1 do art.° 401.° do CPP, e desrespeitando o acórdão da 3a Secção do STJ, de 09-11- 2016, nos autos de processo n.° 235/14.6JELSB.L1.S1, vem interpor recurso para o

TRIBUNAL CONSTITUCIONAL,

o que faz nos seguintes termos:

O presente recurso é interposto ao abrigo da alínea b) do n.° 1 do artigo 70.° da Lei n.° 28/82, de 15/11.

Pretende ver-se apreciada a constitucionalidade e eficácia da norma contida na 2.ª parte da alínea d) do n.° 1 do art.° 401.° do CPP, que o acórdão do STJ, ora recorrido, não cuidou de observar e se absteve de considerar para rejeitar o recurso interposto do acórdão do TRL,

Desvirtuando a verdade, o STJ, invocando o disposto nos "(...art.ºs 399.°, 400.°, n.° 1, al. f), 432.°, n.° 1, al. b), 420.°, n.° 1, al. b), e 414.°, n.°s 2 e 3, do CPP)" cfr. ac. STJ recorrido, considerou a irrecorribilidade, por inadmissibilidade legal, da decisão proferida pelo TRL, alegando que, "... não pode o recorrente pretender uma terceira apreciação das questões colocadas ..." quando, como consabido, o recorrente pugna, tão só, pela segunda reapreciação (direito a um grau de recurso) sobre a perda da embarcação veleiro (sua casa e fonte de rendimento). Bastava ler o recurso interposto pelo arguido.

A alegação da dupla conforme quanto às penas não se pode estender ao recurso em primeiro grau quanto à declaração de perda a favor do Estado, sob pena de nunca se admitir recurso sobre uma decisão que declare bens perdidos e que afete diretamente o direito do titular desses bens. O recorrente não recorre da pena, o recorrente recorre da decisão que, pela primeira vez, declara a embarcação perdida a favor do Estado e que tem um conteúdo bastante mais desfavorável para o arguido.

Seguindo o raciocínio da decisão recorrida, nunca um arguido poderá recorrer para o STJ de uma alteração de sentença, de uma perda ampliada, de uma perda a favor do Estado declarada pela primeira vez no TEE. Não houve dupla conformidade quanto à perda dos bens!

Ao rejeitar o recurso, o STJ está a suprimir, na prática, um grau de jurisdição e, consequentemente, o direito ao recurso.

Não olvidando que a decisão do TRL, evidente violadora do principio da proporcionalidade, contraria, manifestamente, a decisão proferida pelo STJ, em 09-11-2016, proferida pela 3a Secção, nos autos de recurso n.° 235/14.6JELSB.L1.SI, amplamente invocada jurisprudência contraditória ainda não sanada por acórdão uniformizador e transcrita nas conclusões do próprio recurso rejeitado, o que por si só, ainda que insistissem pela dupla conforme, sempre permitiria uma revista excecional atento o disposto nos artigos 671.° n.° 3 e 672.° n.° 1, alíneas a) e c), do CPC, pela melhor aplicação do direito, para sanar contradição jurisprudencial relevante e por um melhor desempenho na execução da tarefa que é especialmente atribuída ao STJ (vd. Abrantes Geraldes, Recursos no NCPC, 5a ed., pp. 380-388).

O acórdão de primeira instância decidiu entregar todos os bens, incluindo o barco veleiro, ao arguido. O acórdão do TRL decidiu que o barco veleiro deve ser declarado perdido a favor do Estado. O arguido, como titular de um bem declarado perdido a favor do Estado, afetado diretamente por essa decisão e com manifesto interesse em agir, entendeu que tem legitimidade para recorrer da mesma cfr. art.° 401.° n.° 1 al. d), 2.ª parte do CPP e recorreu para o STJ só quanto à questão da perda da embarcação.

O arguido viu alterada a decisão e agravada a sua situação jurídica, com a alteração produzida pelo TRL. O prejuízo causado ao recorrente, pela decisão, é direto e efetivo.

Recorreu para o STJ nos seguintes termos:

"Requer a V. Exa. que ao recurso agora interposto seja atribuído efeito suspensivo, com subida imediata, nos próprios autos, conforme o preceituado na lei penal adjetiva e constitucional, mormente, no disposto nos artigos 11.° n.° 4 al. b), 60.°, 61° n. °l al. a), b) e j), 63.° n.° l, 64.° n.° l al. d), 97.° n.° 2, 399.°, 400.° n.° 1 a contrario, 401.° n.° l al. b) e al. d) 2a parte, 402.° n.° 1, 406.° n.° l, 407.° n.° l e n.° 2 al. a), 408.° n.° l al. a), 410.°, 411.° n.° 1 al. a), n.° 3, 412.°, 425.° n.° 7, 427.°, 428.° e 432.° n.° 1 al. b), 433.° e 434.° todos do Código de Processo Penal e artigos 8.º, 18.° e 32.° n.° l da Lei Fundamental; art.° 1.º do protocolo adicional, art.° 6.º e art.° 13.° da CEDH." concluindo pela manutenção da decisão de primeira instância.

O recurso foi admitido, também com fundamento 401.° n.° 1 al. b) e al. d) 2.ª parte por despacho de 07-06-2022, pelo TRL:

"Porque em tempo, deduzido por quem com legitimidade e recorrível admite-se o recurso interposto pelo arguido, o qual é para o Supremo Tribunal de Justiça, sobe imediatamente, nos próprios autos e com efeito suspensivo (art.ºs 399.º, 400.º n.º 1 a contrario, 401.º n.º l al. b) e al. d) 2.ª parte, 402.º n.º 1, 406º n.º l, 407.º n.º l e n.º 2 al. a), 408.º n.º l al. a), 410.º, 411.º n.º 1 al. a), n. 3, e 432.º n.º 1 al. b) todos do Código de Processo Penal).

Cumpra o disposto no art.º 411.º n.º 1 e 3 do C.P.P.

Notifique."

A decisão ora recorrida (ac. STJ de 14-07-2022), estranhamente, nem menciona a norma do art.° 401.° n.° 1 al. d), 2.ª parte, do CPP quando foi colocada de forma atempada, clara e percetível, e suscitada a sua interpretação inconstitucional em caso de rejeição do recurso, em sede de resposta — 417.° n.° 2 do CPP (c/reP 42822783 em 11-07-2022) ao parecer do MP, junto do STJ, que orientou a decisão ora impugnada. A questão da constitucionalidade foi suscitada antes de esgotado o poder jurisdicional do tribunal a quo.

Entende o recorrente que o STJ violou todo o normativo supra referido bem como o direito ao recurso, violou o direito a um grau de recurso, mormente o disposto na 2.ª parte do n.° 1 do artigo 401.° do CPP por omissão, em manifesta violação do consagrado constitucionalmente no n.° 2 do art.° 18.° e n.° 1 do art.° 32.° da CRP e do principio geral contido no art.° 399.° do CPP.

Nestes termos, requer-se a V. Exa. se digne admitir o presente recurso e feito o mesmo subir, com o efeito próprio, seguindo-se os demais termos legais.»

3. Proferiu-se então no tribunal recorrido despacho, datado de 21 de julho de 2022, que não admitiu o recurso, nos seguintes termos:

«1. Nos termos do art.º 75.°-A, da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro (e posteriores atualizações), o requerimento de interposição de recurso para o Tribunal Constitucional deve indicar a alínea do art.º 70.°, da lei referida, ao abrigo da qual o recurso é interposto, assim como a norma cuja inconstitucionalidade se pretende que o tribunal aprecie.

Além disto, nos termos do n.º 2 do...

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