Acórdão nº 235/14.6JELSB.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 09 de Novembro de 2016

Magistrado ResponsávelOLIVEIRA MENDES
Data da Resolução09 de Novembro de 2016
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

* Acordam no Supremo Tribunal de Justiça No âmbito do processo comum com intervenção do tribunal colectivo supra referenciado, da Comarca de ... – Instância Central de ... – ...ª Secção ..., entre outros, foram condenados AA e BB, com os sinais dos autos, como co-autores materiais de um crime de tráfico de estupefacientes agravado, previsto e punível pelos artigos 21º, n.º 1 e 24º, alínea c), do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, nas penas de 10 e 9 anos de prisão, respectivamente, bem como na pena acessória de expulsão.

Os arguidos interpuseram recurso para o Tribunal da Relação de Évora, instância que julgou ambos os recursos improcedentes, confirmando o acórdão impugnado no que aos arguidos respeita.

Os arguidos interpõem agora recurso para este Supremo Tribunal.

Na motivação de recurso o arguido BB formulou as seguintes conclusões[1]: 1. A informação policial de fls. 2 e 3 dos autos constitui uma denúncia e não um pedido de recolha de informação; a. Em face desta denúncia a Policia Judiciária exarou que merecia toda a credibilidade bem como a necessidade de a comunicar com urgência ao Ministério Público para abrir inquérito e realizar escutas telefónicas; b. Contudo, não o fez, antes, por sua conta e iniciativa desenvolveu várias diligências de investigação que se prolongaram pelos dias 11 a 15 de Julho, cujo conteúdo se traduziu em seguimentos/perseguições e vigilâncias ao suspeito CC; c. O conteúdo destas diligências prende-se inequivocamente com os direitos fundamentais do cidadão. e não se enquadram nas providencias cautelares (artigo 248º do CPP) porquanto estas estão sujeitas a critérios de necessidade e urgência o que, de todo, não se verificava no caso concreto; d. O prazo de 10 dias a que se refere o artigo 248º não permite ao OPC praticar diligências processuais sem comunicar imediatamente a denúncia no prazo de 24 horas, ou seja, contanto desde o dia 11.7; e. E a consequência, como ensinam os ilustres professores subscritores do parecer junto aos autos, é inequívoca: f. 6. Revertendo ao caso vertente, tudo se conjuga em abono da conclusão que deixámos antecipada. E segundo a qual as ações de investigação promovidas pela Polícia Judiciária entre o momento da aquisição da notícia do crime (11 de Julho de 2014) e o momento ulterior da promoção do Ministério Público (15 de Julho de 2015), estão feridas de nulidade insanável, se não mesmo e mais radicalmente, de inexistência. Um vício que, naturalmente, se comunica e estende aos demais atos do inquérito que aquelas ações tornaram possível. Um juízo que, no caso vertente, soa quase a tautológico: por ser evidente a.

que o inquérito praticamente se confunde e esgota naquelas ações — insanavelmente nulas — de investigação.

  1. As normas constantes dos artigos 48º, 242º, 243º, 245º, 248º e 249º do Código de Processo Penal quando interpretadas com o sentido de permitirem ao OPC desenvolverem diligências de investigação, a fim de carrearem elementos de prova contra suspeitos devidamente identificados na denúncia, durante um período de quatro dias sem delas dar conhecimento ao Ministério Público ofendem os artigos 26º, nº1, 32º, nº1 e 5 e 219º, nº1 todos da Constituição da República Portuguesa.

  2. Essas norma padecem de inconstitucionalidade material, por atentarem contra os referidos preceitos constitucionais, quando interpretadas com o sentido de a Policia judiciária, durante quatro dias e após ter recebido informações de autoridades estrangeiras, segundo as quais indivíduos que identificam se deslocarem a Portugal para participarem num transporte de droga, procedem a vigilâncias a esses identificados suspeitos, que se traduziram em seguirem os seus movimentos – como deslocações à praia, à piscina, aos bares e observarem as entradas e saídas do quarto do hotel – uma vez que violam direitos fundamentais dos cidadãos e traduzindo-se em diligências probatórias com o objetivo de averiguarem a responsabilidade penal dos suspeitos denunciados; d. Uma interpretação que considere que as referidas diligências levadas a cabo pela Policia Judiciária, se enquadram nas chamadas “providências cautelares” (artigo 248º do CPP) inquina aquela norma de inconstitucionalidade material por violarem os artigos 26º, 32º e 219º da CRP.

  3. O inquérito é nulo/inexistente, conforme decorre do disposto no artigo 119º, al. b) do CPP com as naturais consequências ao nível da contaminação da prova, como dispõe o artigo 122º do CPP 2. A invasão pelo OPC da garagem privada do hotel para realizar a busca ao veiculo de matricula ...-LL... é invalida; a. Entende a douta decisão recorrida que para a policia entrar na garagem do hotel e aceder à viatura bastava um mandado de busca não domiciliária emitido pelo OPC; b. A policia judiciária não tem competência para ao abrigo do artigo 174º n.º5 al. a) e artigos 11º n.º1 al. i) e 12º n.º1 al. b) da lei 37/2008 de 6 de Agosto; c. Isto nos termos do n.º2 e n.º4 do artigo 270º do CPP d. As buscas realizadas e autorizada pelo despacho de fls. 75. aceite pelo douto acórdão recorrido, estão inquinadas de irremediável nulidade com todas as consequências legais; e. Uma interpretação das referidas normas com o sentido da possibilidade de a Policia Judiciaria autorizar/ordenar buscas não domiciliárias com fundamento nessas disposições legais inquinaria de inconstitucionalidade material as supra citadas normas por violarem o disposto nos artigos 32º, nº8 e 34º da Constituição da República Portuguesa; f. Entende também o douto acórdão recorrido que o OPC podia obter o consentimento para entrar na garagem coletiva por via do consentimento prestado pelos responsáveis do hotel; g. Mas o OPC só podia entrar na garagem com o consentimento dos visados, conforme resulta do disposto nos artigos 174º, nº5, al. b) e 177º, nº2, al. a) do CPP; h. E o visado com a busca era o suspeito CC e não os responsáveis do hotel; i. Uma interpretação das normas constantes dos artigos 174º, nº5, al. b) e 177º, nº2, al. a), do CPP em que se entenda que o consentimento é eficaz com a autorização dos responsáveis do espaço a buscar inquina de inconstitucionalidade material as referidas normas por ofenderem os artigos 32º e 34º da CRP; 3. O mandado judicial que autorizou a busca ao veleiro delimitou esta diligência para o período diurno (entre as 7 e as 21 horas), mas a Policia Judiciária realizou a busca às 23.15 horas; a. O mandado judicial de fls. 219 que se seguiu ao despacho de fls. 21/22, assinado e controlado pelo mesmo MM JIC, concretizou e delimitou o horário da busca nos termos do n.º1 do artigo 177ºdo CPP para das 7h às 21h; b. O mandado judicial foi feito com controlo judicial pois a fls. 219 está assinado e evidentemente controlado o seu conteúdo pelo juiz c. Autorizando o juiz uma busca diurna a circunstância de no caso concreto se estar perante criminalidade altamente organizada não desencadeia automaticamente a extensão dessa autorização para o período noturno, tanto mais que no próprio mandado se proibiu a busca noturna; d. Apesar de disto, o acórdão recorrido interpreta o artigo 177º, n.º1 e nº2, al. a) como sendo de funcionamento automático. Ou seja, nos casos de se estar perante a referência do artigo 177º, então significa que o juiz autoriza sempre a realização da busca noturna, mesmo que depois no mandado a restrinja ao n.º1; e. A norma do artigo 177º, n.º1 e nº2, al. a) do Código de Processo Penal quando interpretada com o sentido de que, estando em causa criminalidade altamente organizada, e tendo o juiz exarado no despacho judicial o artigo 177º, mas depois no mandado judicial assinado por si que a busca apenas poderia ser efetuada entre as 7 e as 21 horas e, não obstante, entende que essa busca pode realizar-se entre as 21 e as 7 horas, padece de inconstitucionalidade material por violar os artigos 18º, 32º e 34º da Constituição da República Portuguesa; f. Uma interpretação que entenda que estando em causa criminalidade altamente organizada, independentemente de qualquer ponderação em concreto, faça funcionar automaticamente a al. a) do nº2, do artigo 177º do CPP inquina essa norma de inconstitucionalidade material por atentar contra o disposto nos artigos 18º, 32º e 34º da CRP; g. Entendemos que as disposições conjugadas do artigo 177º, nº1 e 2, al. a) com o artigo 126º, nº3 do CPP devem ser interpretadas no sentido de que, estando em causa criminalidade altamente organizada, a autorização expressa (ainda com a cominação de nulidade caso a busca se realize no período noturno, ou seja entre as 21 e as 7 horas) pelo juiz de realização de uma busca para o período diurno (entre as 7 e as 21 horas), a realização da busca no período noturno (portanto em oposição à autorização judicial) comina de nulidade/proibição de prova essa diligência; h. Outra interpretação fere aquelas normas de inconstitucionalidade material por afrontarem os artigos 18º, 32º, 34º e 205º da CRP; i. socorrendo-nos do parecer dos ilustres professores acima citados: “Tão patente e intolerável afronta à Constituição, à lei, ao estatuto e à competência do Juiz – e, reversamente, ao estatuto e competência dos próprios Órgãos de Policia Criminal – só pode lançar um invencível estigma de ilicitude e ilegitimidade sobre a busca ao veleiro DD. O que, postas entre parênteses as implicações no plano material substantivo, só pode ter um significado e uma consequência no plano adjectivo-processual: a invencível proibição de valoração das provas obtidas na busca. Isto em obediência e cumprimento diretos do comendo legal, que expressamente prescreve a proibição de valoração para as provas ilegalmente obtidas mediante intromissão no domicilio (artigo 126, nº3 do Código de Processo Penal).” 4. O acórdão recorrido aceitou conversas informais havidas entre o recorrente e o inspetor da Policia Judiciária quando, depois de detido e constituído arguido, era visado numa busca domiciliaria; a. Quando se deu a conversa informal nestes autos, já existia inquérito, investigação há vários dias...

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