Acórdão nº 386/20.0PBVIS.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 12 de Julho de 2022

Magistrado ResponsávelMARIA JOS
Data da Resolução12 de Julho de 2022
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam em conferência os juízes na 5.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra I. Relatório 1. No âmbito do processo comum singular n.º 386/20.0PBVIS do Tribunal Judicial da Comarca de Viseu, Tondela – Juízo de C. Genérica foi o arguido AA submetido a julgamento, findo o qual, por sentença de 11.03.2022, o tribunal decidiu [transcrição parcial do dispositivo]: «Por tudo o exposto o tribunal julga procedente a acusação formulada pelo Ministério Público contra o arguido AA e em consequência disse condena-o: A. Pela prática como autor material, na forma consumada, de um crime de violência doméstica, na pessoa de BB, previsto e punido pelo artigo 152.º, n.ºs 1, al. a), 2, al. a) do Código Penal, na pena de dois anos e seis meses de prisão, suspensa na execução por igual período; B. Condena o demandado AA a pagar à demandante BB a quantia de € 3.500,00, a título de danos não patrimoniais; […]».

  1. Inconformado com a decisão recorreu o arguido, formulando as seguintes conclusões: 1. O exercício do direito ao silêncio pelo arguido não faz presumir que não esteja arrependido da ação criminosa que lhe é imputada.

  2. O não arrependimento pode ser averiguado por outras circunstâncias da vida do arguido posteriores aos factos criminosos, mas para o Tribunal afirmar o seu não arrependimento deverá enunciá-los, justificando.

  3. Não o fazendo, e por tal acontecer no caso sub judice viola o disposto no art.º 61.º n.º 1 al d) e art.º 343.º n.º 1 do CPP, artº 20º nº 4 da Constituição e art.º 6º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.

  4. O Tribunal a quo puniu o arguido pelo crime previsto e declarado punível pelo art.º 152.º n.º 2 do CP considerando que o facto punível ocorreu no domicílio da vítima sua ex-mulher.

  5. Resultou dos autos que frases incriminatórias dirigidas à ex-mulher só ocorreram no pátio e jardim próximo à rua e onde facilmente possíveis de ouvir pelo público.

  6. A lei penal dita ao incluir nos seus elementos típicos – domicílio – quis atender às dificuldades da prova da vítima em tal situação, dificuldade que no caso se não verificou.

  7. A acusação particular da assistente e os factos aí descritos não só não poderiam ser levadas a julgamento por falta de indicação das normas punitivas, 8. Mas também porque indicavam a prática de factos de ocorrência imprecisa não localizáveis no tempo, impedindo o exercício do contraditório pela defesa e nomeadamente a alegação da prescrição, pelo que nesta parte a sentença é nula nos termos do art.º 379.º n.º 1 al. c) do CPP.

  8. O arguido deverá ser punido na moldura penal do n.º 1 do mesmo art.º 152.º, atendendo a todas as circunstâncias da sua vida pessoal afirmada pelas testemunhas que tal abonaram.

  9. A indemnização adequada, atendendo ao esforço do arguido para entregar à sua ex-mulher o valor que lhe coube na partilha deverá quedar-se por valor não superior a € 2.500,00 a pagar em 3 prestações, atendendo ao seu salário e encargos.

  10. A sentença violou também o disposto no artigo 152º n.º 2 do CP.

    De V. Exas o arguido pede JUSTIÇA.

  11. Foi proferido despacho de admissão do recurso.

  12. Em resposta ao recurso, o Ministério Público concluiu: 1 – Os factos dados como provados em sede de sentença são aqueles que constam da acusação pública e já não da acusação particular, pelo que não existe qualquer nulidade, nomeadamente a referida pelo recorrente, prevista no artigo 379.º nº 1 c) do Código de Processo Penal.

    2 – O direito ao silêncio de que o arguido beneficia não o pode prejudicar, sendo certo que também não o poderá, sem mais, favorecer.

    3- O arguido não prestou declarações em sede de audiência de julgamento. Dessa mesma audiência também não resultou nenhum ato, facto ou circunstância, que denotasse que o arguido estivesse arrependido.

    4 – Assim, não podia o Tribunal ter concluído pela existência de arrependimento do arguido, inexistindo qualquer fundamento para tal, sendo que o mero remetimento ao silêncio não é suscetível a permitir tal conclusão.

    5 – O conceito de domicílio não pode deixar de abarcar todos os espaços que constituem a propriedade da ofendida e onde se incluem, naturalmente, os espaços exteriores.

    6 – Tendo sido dado como provado que alguns dos factos praticados pelo arguido o foram no pátio da residência da ofendida, não podia o Tribunal deixar de qualificar a factualidade nos termos do artigo 152º nº 2 a) do Código Penal.

    Atento tudo o que aqui foi exposto, pugnamos para que o Tribunal da Relação de Coimbra mantenha a decisão proferida pelo Tribunal “a quo” e julgue a improcedência do recurso.

    Assim, cremos, se fará JUSTIÇA! 5. Também a assistente BB, reagindo ao recurso, concluiu: I) A sentença a quo não é nula, porquanto desconsiderou os factos constantes da acusação particular; II) O arrependimento, enquanto circunstância atenuante, não se presume, tendo de resultar inequivocamente das declarações do arguido, que este, in casu, no exercício do seu direito ao silêncio, entendeu não prestar; III) O arguido não confessou a prática dos factos que lhe eram imputados, não assumiu a culpa pelos mesmos, não verbalizou ou demonstrou arrependimento, nem reparou o mal causado à vítima, em reconhecimento do desvalor da sua ação, não podendo senão o Tribunal concluir, como o fez, pela sua inexistência; IV) Foi corretamente subsumida a conduta do arguido na previsão da al. a) do n.º 2 do art.º 152º do CP, em face de alguns dos factos (designadamente os constantes dos pontos 4 e 5) terem ocorrido no domicílio da assistente, que abrange os espaços adjacentes à casa de habitação, como sejam o seu quintal e o pátio; V) A gravidade do comportamento do...

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