Acórdão nº 516/22 de Tribunal Constitucional (Port, 14 de Julho de 2022

Magistrado ResponsávelCons. Afonso Patrão
Data da Resolução14 de Julho de 2022
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 516/2022

Processo n.º 449/2022

3ª Secção

Relator: Conselheiro Afonso Patrão

Acordam, em conferência, na 3.ª secção do Tribunal Constitucional:

I. Relatório

1. Nos presentes autos, vindos do Supremo Tribunal Administrativo (STA), em que é recorrente a A., S.A. e recorrido a Autoridade Tributária, foi interposto o presente recurso de constitucionalidade, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro, na redação que lhe foi conferida, por último, pela Lei Orgânica n.º 1/2022, de 4 de janeiro (Lei do Tribunal Constitucional [LTC]).

2. Através da Decisão Sumária n.º 349/2022, decidiu-se, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 78.º-A da LTC, não tomar conhecimento do objeto do recurso, com a seguinte fundamentação:

«5. Considerado o caso dos autos, importa sublinhar que, atuando o Tribunal Constitucional em via de recurso de decisões respeitantes à inconstitucionalidade de uma dada norma, o Tribunal tem os seus poderes de cognição em fiscalização concreta da constitucionalidade limitados à norma que a decisão recorrida, conforme os casos, tenha aplicado ou a que haja recusado aplicação (cfr. artigo 79.º-C da LTC). A projeção da sua decisão sobre o processo-base varia consoante seja negado ou dado provimento ao recurso de constitucionalidade: no primeiro caso, a decisão recorrida mantém-se inalterada; no segundo, a mesma decisão deve ser reformada pelo tribunal recorrido «em conformidade com o julgamento sobre a questão da inconstitucionalidade» (cfr. n.º 2 do artigo 80.º da LTC).

Existe, por conseguinte, uma interdependência entre a questão de inconstitucionalidade cognoscível pelo Tribunal Constitucional e o sentido da decisão recorrida, em termos de apenas se justificar decidir a primeira se o sentido da segunda puder vir a ser alterado por aquela decisão, nomeadamente no caso de ser dado provimento ao recurso de constitucionalidade. Ou seja, se a concessão de provimento ao recurso de constitucionalidade pelo Tribunal Constitucional for, de todo, insuscetível de determinar a reforma da decisão recorrida, não há que conhecer de tal recurso. De contrário, o Tribunal Constitucional praticaria um ato inútil.

Este é o entendimento pacificamente acolhido na jurisprudência constitucional:

«[A]tenta a natureza instrumental do recurso de constitucionalidade, haverá o Tribunal Constitucional de analisar se a decisão que possa vir a ser proferida sobre a questão de (in)constituciona1idade poderá ainda assumir qualquer relevância para o "desfecho do incidente" ou, se, pelo contrário, poderá ser uma “res inutilis”, “coisa vã” (formulações do acórdão n.º 250/86 […].

De facto, como se escreveu no acórdão n.º 86/90 deste Tribunal […]:

"O julgamento da questão de constitucionalidade desempenha sempre, na verdade, uma função instrumental, só se justificando que a ele se proceda se o mesmo tiver utilidade para a decisão da questão de fundo. Ou seja: o sentido do julgamento da questão de constitucionalidade há-de ser suscetível de influir na decisão destoutra questão, pois, de contrário, estar-se-ia a decidir uma pura questão académica."» (assim, entre muitos, o Acórdão n.º 286/91, acessível, assim comos os demais referidos, a partir da ligação http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/ ).

Ou segundo o Acórdão n.º 556/98:

«[O] recurso de constitucionalidade está também sujeito às regras gerais do Código de Processo Civil que definem os pressupostos processuais, nomeadamente em matéria de interesse e utilidade dos recursos (cfr. artigo 69º da LTC).

Assim, atenta a natureza instrumental do recurso de constitucionalidade, sempre que a decisão do mesmo seja insuscetível de produzir qualquer efeito útil no processo, faltará o pressuposto da existência de interesse processual, como é entendimento constante e uniforme deste Tribunal, - cfr., nomeadamente, os Acórdãos nº 332/94 […] e nº 343/94 […] e, mais recentemente, os Acórdãos nº 477/97 e 227/98.».

Como explica Miguel Teixeira de Sousa, importa distinguir entre a legitimidade ad causam e a legitimidade ad recursum:

«Para a admissibilidade do recurso para o Tribunal Constitucional não basta que a parte tenha sido vencida; é ainda necessário que ela tenha interesse em ver revogada a decisão proferida, ou seja, é ainda indispensável que a eventual procedência do recurso seja útil. Como o Tribunal Constitucional já teve a oportunidade de referir, o recurso de constitucionalidade apresenta-se como um recurso instrumental em relação à decisão da causa, pelo que o seu conhecimento e apreciação só se revestem de interesse quando a respetiva apreciação se possa repercutir no julgamento daquela decisão (cfr. TC 768/93; TC 769/93; TC 272/94; TC 162/98; TC 556/98; TC 692/99; TC 687/04; TC 144/07; TC 510/07; TC 74/13; TC 725/13). Expressando esta mesma orientação noutras formulações, o Tribunal Constitucional afirmou que o recurso de constitucionalidade desempenha uma função instrumental, pelo que só devem ser conhecidas questões de constitucionalidade suscitadas durante o processo quando a decisão a proferir possa influir utilmente na decisão da questão de mérito em termos de o tribunal recorrido poder ser confrontado com a obrigatoriedade de reformar o sentido do seu julgamento (TC 60/97), e concluiu que o recurso de constitucionalidade possui uma natureza instrumental, traduzida no facto de ele visar sempre a satisfação de um interesse concreto, pelo que ele não pode traduzir-se na resolução de simples questões académicas (TC 234/91; TC 167/92)» (v. Autor cit., Legitimidade e Interesse no Recurso de Fiscalização Concreta da Constitucionalidade in https://blogippc.blogspot.com/2015/12/paper-138.html; v. uma versão anterior deste artigo em Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor Armando M. Marques Guedes, Coimbra Editora, 2004, pp. 947 e ss. [pp. 958-959]).

Significa isto que a admissibilidade do recurso de constitucionalidade depende da existência de um interesse processual em ver revogada a decisão proferida, i.e., é indispensável que a eventual procedência do recurso seja útil. Tratando-se de formular um juízo que tem por objeto uma norma, ou interpretação normativa, tal como foi aplicada no caso concreto, é pressuposto do recurso de constitucionalidade que a decisão que o Tribunal Constitucional venha a proferir sobre a questão de constitucionalidade suscitada seja suscetível de produzir algum efeito sobre a decisão de que se recorre. Tal exige que o objeto material do recurso coincida com a ratio decidendi da decisão recorrida, de modo a que um eventual provimento daquele obrigue a modificar esta última (cfr. n.º 2 do artigo 80.º da LTC).

6. A recorrente reporta a questão de constitucionalidade à norma do «n.° 7 do artigo 7.° do Código do Imposto do Selo, aditado pelo artigo 152.° da mesma Lei n.° 7-A/2016, de 30 de março, e ao qual foi atribuído caráter interpretativo nos termos do artigo 154.° da mesma Lei, na interpretação segundo a qual a alínea e) do n.° 1 do artigo 7.° do Código do Imposto do Selo não [é] aplicável à situação vertente em virtude de a norma de isenção ser de aplicação restrita somente às "(...) garantias e operações financeiras diretamente destinadas à concessão de crédito, no âmbito da atividade exercida pelas instituições e entidades referidas naquela alínea " (cf. n.° 7 do artigo 7.° do Código do Imposto do Selo), por violação do princípio da retroatividade da lei fiscal consagrado no n.° 3 do artigo 103.° da CRP e, bem assim, por violação do princípio da proteção da confiança e da segurança jurídica, corolários do princípio do Estado de Direito Democrático, consagrado no artigo 2.° da CRP».

Verifica-se, contudo, que os acórdãos recorridos não aplicaram o mencionado preceito do n.° 7 do artigo 7.° do Código do Imposto do Selo, na redação dada pelo artigo 152.° da Lei n.° 7-A/2016, de 30 de março, enquanto ratio decidendi da sua pronúncia. Diversamente, a análise dos autos revela que o STA concluiu, com independência do teor da norma recorrida e na sequência de um exercício fundamentado de hermenêutica judicial, que a alínea e) do n.° 1 do artigo 7.° do Código do Imposto do Selo, não tinha aplicação no caso do ato tributário impugnado.

Neste sentido, veja-se a fundamentação do acórdão do STA de 06.10.2021, que foi, nesta parte, secundado pelo mesmo tribunal em acórdão de 23.02.2022:

«Assim, mostrando-se a actividade do Banco impugnante que foi tributada, no caso dos autos, desenvolvida legalmente no âmbito da intermediação de seguros (matéria de facto que não vem contestada), a cobrança de comissões a terceiros no desenvolvimento desta actividade enquadra-se a nosso ver nas operações de seguros que estão abrangidas pela verba 22.2 da TGIS e não na verba 17.3.4 da actual TGIS cujo conteúdo (parcial) antes estava alinhado sob a verba 17.2.4, o que se descortina desde logo pela interpretação literal dos preceitos em causa reforçada pela natureza interpretativa da Lei 7-A/2016 de 30 de Março consabido que a norma interpretativa ou norma sobre normas, é editada pelo próprio legislador, visando traduzir o significado de um determinado texto normativo ou parte dele e daí que possa ser denominada de interpretação autêntica.

De resto a qualidade de mediador de seguros, realizando, autorizadamente, por consequência, operações de natureza eminentemente comercial remuneradas com as comissões em causa, à semelhança do que sucede com um qualquer agente (de seguros) «[…] incumbido da colocação de seguros de determinada empresa seguradora no mercado […]», é determinativa da sujeição passiva a imposto de selo nos mesmos termos em que o são outros operadores que tenham essa actividade em exclusivo (o que não é o caso do Banco recorrente) e que se encontram sujeitos à taxa de 2%, nos termos da verba 22.2 da TGIS que é a única que se refere especificamente à actividade de “mediação” por...

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