Acórdão nº 457/22 de Tribunal Constitucional (Port, 24 de Junho de 2022

Magistrado ResponsávelCons. Joana Fernandes Costa
Data da Resolução24 de Junho de 2022
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 457/2022

Processo n.º 220/2022

3ª Secção

Relatora: Conselheira Joana Fernandes Costa

Acordam, em conferência, na 3.ª Secção do Tribunal Constitucional

I. Relatório

1. No âmbito dos presentes autos, em que é recorrente A. e recorridos o Ministério Público e B., foi interposto recurso, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei do Tribunal Constitucional (seguidamente, «LTC»), dos acórdãos proferidos pelo Supremo Tribunal de Justiça em 26 de maio de 2021 e em 15 de setembro de 2021.

2. Por sentença proferida pelo Juízo Local Criminal de Lisboa – Juiz 14 – do Tribunal da Comarca de Lisboa, o ora reclamante foi absolvido da prática do crime de homicídio por negligência, previsto e punido pelo artigo 137.º, n.º 2, do Código Penal, tendo ainda sido julgado improcedente, por não provado, o pedido de indemnização civil deduzido no processo.

Desta sentença recorreram o Ministério Público e o assistente, ora reclamados, para o Tribunal da Relação de Lisboa, que, por acórdão prolatado em 14 de maio de 2020, julgou improcedente o primeiro recurso, mas procedente o segundo, condenando o arguido, como autor de um crime de homicídio negligente, previsto e punido pelo artigo 137.º, n.º 2, do Código Penal, «na pena de 10 meses de prisão, substituídos por igual tempo de multa à razão de € 500,00 por dia, multa que, não sendo paga ou substituída por trabalho será substituída por 200 dias de prisão». O arguido e o Centro Hospitalar de Lisboa Central foram ainda solidariamente condenados no pagamento de uma indemnização no valor global de € 190.000 aos demandantes civis.

Inconformado, o reclamante interpôs recurso deste acórdão para o Supremo Tribunal de Justiça, tal como o segundo demandado civil.

Por acórdão proferido em 26 de maio de 2021, o Supremo Tribunal de Justiça rejeitou o recurso interposto pelo reclamante quanto à matéria penal por considerá-lo processualmente inadmissível.

Notificado deste Acórdão, o reclamante arguiu a respetiva nulidade, pretensão que viu indeferida por acórdão proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça em 15 de setembro de 2021.

3. Inconformado, o reclamante interpôs recurso de ambos os referidos arestos para o Tribunal Constitucional, enunciando as três seguintes questões de constitucionalidade: i) a «inconstitucionalidade do entendimento normativo dado ao art. 432. º, n. º 1, b) e 400.º n.º 1, e), ambos do CPP, na interpretação segundo a qual não é admissível recurso para o STJ de Acórdãos proferidos em recurso pelas Relações que condenem os Arguidos em pena de prisão substituída por multa, que, não sendo paga ou substituída por trabalho, seja substituída por prisão, ainda que as decisões recorridas da 1.º instância tenham sido absolutórias, por violação do art. 32.º, nº 1 da CRP, uma vez que tal insindicabilidade não se compagina com a protecção das garantias de defesa em processo penal (nos termos já constantes do Acórdão n.º 31/2020 do Tribunal Constitucional, de 16.01.2020)»; ii) a «inconstitucionalidade do art. 400.º, n.º 2 do CPP, no sentido de que, no recurso relativo à indemnização civil, não é admissível a reapreciação dos pressupostos da responsabilidade criminal de que a lei processual, por força do disposto no art. 71.º do CPP, faz depender o pedido de indemnização civil, por violação do direito a um processo equitativo, nos termos do art. 20.º, n.os 1 e 4 da CRP, uma vez que não é admissível que, estando admitido o recurso relativo à parte civil, não possam ser reapreciados os pressupostos em que a mesma radica»; e iii) a «inconstitucionalidade do entendimento adoptado pelo STJ, em relação ao art. 400.º, n.os 2 e 3, do CPP, devidamente conjugado com os arts. 671.º, n.º 1, l.a parte, e 674.º, n.º 1, al. a), ambos do CPC, no sentido de que, no recurso relativo à indemnização civil, não é admissível a apreciação das nulidades processuais arguidas em relação ao acórdão da Relação objecto do recurso (relativas à parte penal da condenação), por violação do direito a um processo equitativo, nos termos do art. 20.º, n.os 1 e 4 da CRP».

Por despacho proferido pelo Vice-Presidente do Supremo Tribunal de Justiça em 12 de outubro de 2021, o recurso de constitucionalidade foi indeferido: (i) por manifesta falta de fundamento, quanto às duas primeiras questões de constitucionalidade; e (ii) por ausência de aplicação, na decisão recorrida, da norma invocada para sustentar a terceira dimensão interpretativa impugnada.

Notificado desta decisão, o ora recorrente reclamou para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto o n.º 4 do artigo 76.º da LTC. Através do Acórdão n.º 60/2022, a reclamação apresentada foi indeferida quanto aos segundo e terceiro enunciados interpretativos identificados no requerimento de interposição do recurso, mas deferida quanto ao primeiro.

4. Proferida a Decisão Sumária n.º 180/2022 ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 78.º-A da LTC, conheceu-se do objeto do recurso de constitucionalidade, tendo-se decidido não julgar inconstitucionais os artigos 432.º, n.º 1, alínea b), e 400.º, n.º 1, alínea e), ambos do Código de Processo Penal, na interpretação segundo a qual não é admissível recurso para o Supremo Tribunal de Justiça de acórdãos proferidos, em recurso, pelas Relações, que condenem os arguidos em pena de prisão substituída por multa, que, não sendo paga ou substituída por trabalho, determine o cumprimento daquela, ainda que as decisões recorridas da primeira instância tenha sido absolutórias.

Tal decisão tem a seguinte fundamentação:

«9. O recurso de constitucionalidade interposto nos presentes autos funda-se na alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC e, por força do disposto no artigo 77.º, n.º 4, da LTC, tem apenas por objeto os «artigos 432.º, n.º 1, b) e 400.º, n.º 1, e), ambos do CPP, na interpretação segundo a qual não é admissível recurso para o STJ de Acórdãos proferido em recurso pelas Relações que condenem os Arguidos em pena de prisão substituída por multa, que, não sendo paga ou substituída por trabalho, seja substituída por prisão, ainda que as decisões recorridas da 1ª instância tenha sido absolutórias».

O recurso incide sobre o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de «26/05/2021, completado pelo acórdão de 15/09/2021», que, entre o mais, rejeitou o recurso interposto pelo ora recorrente em matéria penal, considerando «irrecorrível», à face do que dispõem os artigos 432.º, n.º 1, alínea b), 400.º, n.º 1, alínea e) e 420.º, n.º 1, alínea b), todos do Código de processo Penal, «o acórdão proferido, em recurso, pela Relação que reverte absolvição para condenação em pena de multa de substituição».

A questão da conformidade constitucional do regime de recorribilidade dos acórdãos proferidos, em recurso, pelas Relações que, revertendo a absolvição ocorrida em primeira instância, condenam o arguido em pena de prisão substituída por pena não privativa da liberdade foi já profusamente discutida na jurisprudência deste Tribunal, tendo o dissenso que nela a dado momento se verificou sido recentemente superado através da intervenção do Plenário, por via da prolação dos Acórdãos n.ºs 524/2021 e 525/2021.

O Acórdão n.º 524/2021 resolveu a oposição de julgados verificada entre o Acórdão n.º 100/2021, por um lado, e os Acórdãos n.ºs 234/2020 e 369/2020, por outro, tendo concluído pela não inconstitucionalidade da norma resultante da conjugação dos artigos 400.º, n.º 1, alínea e), e 432.º, n.º 1, alínea b), ambos do Código de Processo Penal, na redação introduzida pela Lei n.º 20/2013, de 21 de fevereiro, na interpretação segundo a qual não é admissível recurso, para o Supremo Tribunal de Justiça, de acórdãos proferidos em recurso, pelas Relações, que, inovatoriamente face à absolvição ocorrida em 1.ª instância, condenem os arguidos em pena de prisão não superior a cinco anos, suspensa na sua execução.

O Acórdão n.º 525/2021, por sua vez, decidiu a oposição verificada entre o julgamento levado a cabo no Acórdão n.º 102/2021 e aquele que havia sido realizado nos Acórdãos n.ºs 234/2020 e 369/2020, não julgando inconstitucional a norma extraída do artigo 400.º, n.º 1, alínea e), do Código de Processo Penal, na interpretação segundo a qual não é admissível recurso, para o Supremo Tribunal de Justiça, de acórdãos proferidos em recurso, pelas Relações, que, revertendo decisão absolutória parcial proferida pela 1.ª instância, agravem, sem ultrapassar o limite de cinco anos, a pena unitária de prisão, suspensa na sua execução em que o arguido havia sido condenado na 1.ª instância.

Lê-se no Acórdão n.º 524/2021:

7. O Acórdão n.º 234/2020 assentou na seguinte fundamentação, retomada e reiterada nos Acórdãos n.º 369/2020, ponto 11, e 146/2021, ponto 8:

«(…)

2.1. A jurisprudência constitucional já se debruçou, por diversas vezes, sobre a inconstitucionalidade da norma contida no artigo 400.º, n.º 1, alínea e), do CPP, na redação introduzida pela Lei n.º 20/2013, de 21 de fevereiro, em diversas interpretações.

Recentemente, pelo Acórdão n.º 595/2018, do Plenário (na sequência do Acórdão n.º 429/2016, que confirmou o Acórdão n.º 412/2015), o Tribunal declarou a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da norma que estabelece a irrecorribilidade do acórdão da Relação que, inovadoramente face à absolvição ocorrida em 1.ª instância, condena os arguidos em pena de prisão efetiva não superior a cinco anos, constante do artigo 400.º, n.º 1, alínea e), do CPP, na redação da Lei n.º 20/2013, de 21 de fevereiro, por violação do artigo 32.º, n.º 1, conjugado com o artigo 18.º, n.º 2, da Constituição.

Nesta decisão, sublinhou-se que a interpretação ali em causa “[deixava] livre de qualquer controlo parte da decisão condenatória” e assinalou-se a “restrição ou compressão do direito ao recurso, uma vez que resulta totalmente excluído da sua proteção o poder de recorrer de uma parte da decisão, precisamente aquela que acarreta o maior potencial...

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