Acórdão nº 458/22 de Tribunal Constitucional (Port, 24 de Junho de 2022

Magistrado ResponsávelCons. Gonçalo Almeida Ribeiro
Data da Resolução24 de Junho de 2022
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 458/2022

Processo n.º 218/2022

3.ª Secção

Relator: Conselheiro Gonçalo de Almeida Ribeiro

Acordam, em conferência, na 3.ª secção do Tribunal Constitucional

I. Relatório

1. Nos presentes autos, vindos do Tribunal da Relação de Lisboa, em que é recorrente A., sendo recorridos o Ministério Público e Banco de Portugal, foi interposto o presente recurso, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro (Lei do Tribunal Constitucional, referida adiante pela sigla «LTC»), do acórdão daquele Tribunal, de 27 de janeiro de 2022.

2. Pela Decisão Sumária n.º 203/2022, decidiu-se, ao abrigo do disposto no artigo 78.º-A, n.º 1, da LTC, não tomar conhecimento do objeto do recurso interposto. Tal decisão tem a seguinte fundamentação:

«4. Em face do teor do requerimento de interposição de recurso, as normas cuja constitucionalidade o recorrente pretende controverter são as seguintes (transcrição):

i. Os n.os 3 e 4 do artigo 166.° da Lei n,° 83/2017, de 18 de agosto, interpretados e aplicados no sentido de que a suspensão da prescrição do processo contraordenacional ali prevista é aplicável a processos por contraordenações punidas e previstas pela Lei n.° 25/2008, de 5 de junho, em que estejam em causa ou discussão alegados factos ilícitos imputados ao arguido praticados antes de 17 de setembro de 2017, são inconstitucionais, por violação das garantias de defesa do arguido, consagradas no artigo 32.°, n.os 1 e 10, da Constituição, os princípios da confiança e segurança jurídicas ínsitos no princípio do Estado de Direito consagrado no artigo 2.° da Constituição e ainda o princípio da proporcionalidade consagrado no artigo 18.°, n.° 3, da Constituição.

ii. Os n.os 3 e 4 do artigo 166.° da Lei n.° 83/2017, de 18 de agosto, interpretados e aplicados no sentido de que a suspensão da prescrição do processo contraordenacional ali prevista é aplicável a processos por contraordenações que não são previstas e punidas pela Lei n.° 83/2017, de 18 de agosto, em que estejam em causa ou discussão alegados factos ilícitos imputados ao arguido praticados antes de 17 de setembro de 2017, são inconstitucionais, por violação das garantias de defesa do arguido, consagradas no artigo 32.°, n.os 1 e 10, da Constituição, os princípios da confiança e segurança jurídicas ínsitos no princípio do Estado de Direito consagrado no artigo 2.° da Constituição e ainda o princípio da proporcionalidade consagrado no artigo 18.°, n.° 3, da Constituição.

iii. Os n.os 3 e 4 do artigo 166.° da Lei n.° 83/2017, de 18 de agosto, interpretados e aplicados no sentido de que a suspensão da prescrição do processo contraordenacional ali prevista é aplicável a processos pendentes no momento da entrada em vigor desta lei, em que estejam em causa ou discussão alegados factos ilícitos imputados ao arguido praticados antes de 17 de setembro de 2017, são inconstitucionais, por violação das garantias de defesa do arguido, consagradas no artigo 32.°, n.os 1 e 10, da Constituição, os princípios da confiança e segurança jurídicas ínsitos no princípio do Estado de Direito consagrado no artigo 2.° da Constituição e ainda o princípio da proporcionalidade consagrado no artigo 18.°, n.° 3, da Constituição.

iv. Os n.os 3 e 4 do artigo 166.° da Lei n.° 83/2017, de 18 de agosto, interpretados e aplicados no sentido de que a suspensão da prescrição do processo contraordenacional ali prevista é aplicável a processos por contraordenações punidas e previstas pela Lei n.° 25/2008, de 5 de junho, em que estejam em causa ou discussão alegados factos ilícitos imputados ao arguido praticados antes de 17 de setembro de 2017, são inconstitucionais, por violação do artigo 18.°, n.os 4 e 6, do artigo 29.°, n.° 4, e do artigo 32.°, n.° 10, todos da Constituição, preceitos que consagram, inter alia, a proibição de aplicação retroactiva da lei penal ou contraordenacional desfavorável ao arguido, o princípio da proporcionalidade e as garantias de defesa do arguido.

v. Os n.os 3 e 4 do artigo 166.° da Lei n.° 83/2017, de 18 de agosto, interpretados e aplicados no sentido de que a suspensão da prescrição do processo contraordenacional ali prevista é aplicável a processos por contraordenações que não são previstas e punidas pela Lei n.° 83/2017, de 18 de agosto, em que estejam em causa ou discussão alegados factos ilícitos imputados ao arguido praticados antes de 17 de setembro de 2017, são inconstitucionais, por violação do artigo 18.°, n.os 4 e 6, do artigo 29.°, n.° 4, e do artigo 32.°, n.° 10, todos da Constituição, preceitos que consagram, inter alia, a proibição de aplicação retroativa da lei penal ou contraordenacional desfavorável ao arguido, o princípio da proporcionalidade e as garantias de defesa do arguido.

vi. Os n.os 3 e 4 do artigo 166.° da Lei n.° 83/2017. de 18 de agosto, interpretados e aplicados no sentido de que a suspensão da prescrição do processo contraordenacional ali prevista é aplicável a processos contraordenacionais pendentes no momento da entrada em vigor desta lei, em que estejam em causa ou discussão alegados factos ilícitos imputados ao arguido praticados antes de 17 de setembro de 2017, são inconstitucionais, por violação do artigo 18.°, n.os 4 e 6, do artigo 29.°, n.° 4, e do artigo 32.°, n.° 10, todos da Constituição, preceitos que consagram, inter alia, a proibição de aplicação retroativa da lei penal ou contraordenacional desfavorável ao arguido, o princípio da proporcionalidade e as garantias de defesa do arguido.

5. Segundo o disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 280.º, da Constituição, e na alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º, da LTC, cabe recurso para o Tribunal Constitucional das decisões dos tribunais que apliquem norma cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo, «identificando-se assim, o conceito de norma jurídica como elemento definidor do objeto do recurso de constitucionalidade, pelo que apenas as normas e não já as decisões judiciais podem constituir objeto de tal recurso» (v. Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 361/98).

No caso vertente, tal pressuposto não se encontra preenchido no que concerne a todo o objeto, enunciado em seis partes, cuja constitucionalidade o recorrente pretende controverter.

Como se pode verificar pelos respectivos enunciados, as várias partes do objeto do recurso são extraídas dos n.os 3 e 4 do artigo 166.º da Lei n.º 83/2017, de 18 de agosto. E apesar de não coincidirem integralmente, todas estão construídas em torno de um denominador comum, no qual radica a inconstitucionalidade invocada: o de que a causa de suspensão da prescrição prevista nesse preceito legal é imediatamente aplicável em processos contraordenacionais nos quais esteja em causa a imputação de ilícitos alegadamente praticados em data anterior a 17 de setembro de 2017, isto é, em data anterior à entrada em vigor da Lei n.º 83/2017, de 18 de sgosto.

Por outras palavras, o que está essencialmente em causa nas normas que o recorrente pretende sindicar é a sua dimensão de aplicação no tempo − a circunstância de o Tribunal a quo ter entendido que a causa de suspensão da prescrição prevista no artigo 166.º, n.os 3 e 4, da Lei n.º 83/2017, de 18 de agosto, se aplicava a processos contraordenacionais onde se averigua a responsabilidade por factos praticados em data anterior ao início de vigência da lei que prevê tal causa suspensiva.

Tal forma de colocar a questão revela que não está em causa nos presentes autos nenhuma inconstitucionalidade apontada às normas do artigo 166.º, n.os 3 e 4, da Lei n.º 83/2017, de 18 de agosto, em si mesmo consideradas – ao regime jurídico que elas traçam, designadamente quanto à escolha dos factos que operam a suspensão da prescrição, ou os limites máximos dessa suspensão de contagem do prazo prescricional, ou qualquer outro pressuposto de aplicação ou efeito jurídico diretamente regulado pelos n.os 3 e 4 do citado artigo 166.º –, mas sim uma inconstitucionalidade da própria decisão impugnada. É ao aresto recorrido, ao decidir aplicar aos autos aquela causa de suspensão da prescrição, desconsiderando a situação temporal dos factos, que o recorrente imputa a inconstitucionalidade.

Ora, a determinação das normas jurídicas aplicáveis aos casos concretos, designadamente quando se colocam questões de sucessão temporal de leis, é uma operação reservada à justiça comum, não podendo ser sindicada no recurso de constitucionalidade. O que pode ser objeto de recurso de constitucionalidade é a norma legal eventualmente implicada nessa operação, ou seja, a norma pressuposta pela subsunção de um caso no âmbito temporal de aplicação de uma dada norma.

Sem dúvida que a decisão de aplicar ao caso concreto a norma do artigo 166.º, n.os 3 e 4, da Lei n.º 83/2017, de 18 de agosto, traz pressuposto um juízo sobre o âmbito temporal de aplicação da mesma. E pode bem ser que esse juízo tenha por base uma norma legal de direito transitório. Só que impendia sobre o recorrente o ónus de identificar e enunciar essa eventual norma pressuposta na decisão de aplicação imediata da «lei nova» – ou seja, a norma que encerra o critério perfilhado pelo Tribunal a quo, que foi o de determinar a lei aplicável por referência à data da prática do ato que determina a suspensão da contagem do prazo prescricional. Em suma, a norma cuja constitucionalidade o recorrente pretende ver apreciada respeita, não ao regime da prescrição propriamente dito, mas ao seu âmbito temporal de aplicação. Não é esse, porém, o objeto do recurso, uma vez que o recorrente invoca a inconstitucionalidade do artigo 166.º, n.os 3 e 4, da Lei n.º 83/2017, de 18 de agosto, o qual não regula o seu próprio âmbito temporal de aplicação.

Tal como se encontra delimitado, o presente recurso não incide sobre um objeto normativo, mas sobre a decisão judicial de aplicação de certas normas cuja constitucionalidade não está...

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