Acórdão nº 459/22 de Tribunal Constitucional (Port, 24 de Junho de 2022

Magistrado ResponsávelCons. Lino Rodrigues Ribeiro
Data da Resolução24 de Junho de 2022
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 459/2022

Processo n.º 309/22

3.ª Secção

Relator: Conselheiro Lino Rodrigues Ribeiro

Acordam, em conferência, na 3.ª Secção do Tribunal Constitucional

I – Relatório

1. Nos presentes autos, vindos do Supremo Tribunal de Justiça, em que são recorrentes A., B., C., e E. e recorridos o Ministério Público e o Banco de Portugal, os primeiros vieram interpor recurso de constitucionalidade, ao abrigo do disposto no artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro (LTC), da decisão proferida por aquele Tribunal no dia 21 de fevereiro de 2022, que, no âmbito de processo contraordenacional, indeferiu a reclamação pelos mesmos apresentada da decisão de 9 de janeiro de 2022, que não admitiu o recurso interposto do acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 2 de dezembro de 2021.

Este último acórdão julgou improcedentes os recursos interpostos da decisão proferida pelo Tribunal da Concorrência, Regulação e Supervisão que julgou parcialmente procedentes os recursos de impugnação judicial interpostos da decisão do Banco de Portugal. Naquele acórdão de 2 de dezembro de 2021, o Tribunal da Relação de Lisboa pronunciou-se acerca da eventual prescrição do procedimento contraordenacional relativamente a algumas das infrações em causa nos autos. Foi deste segmento do acórdão que os arguidos interpuseram recurso para o Supremo Tribunal de Justiça.

2. O recurso de constitucionalidade apresenta o seguinte teor:

«Venerandos Conselheiros do egrégio Tribunal Constitucional

1. A INTERPRETAÇÃO "INOVATÓRIA" PERFILHADA PELA RELAÇÃO SOBRE A APLICAÇÃO DAS CAUSAS DE SUSPENSÃO PREVISTAS NOS NÚMEROS 4, 5 E 6 DO ARTIGO 209.º DO RGICSF AO PRESENTE PROCESSO

1. O Tribunal da Relação de Lisboa proferiu a 2/12/2021 uma decisão final, nos autos de processo contraordenacional acima identificados, em que julgou os recursos apresentados pelos Recorrentes da sentença da 1ª instância.

2. Nos termos dessa decisão final, o Tribunal da Relação de Lisboa apreciou, sob o ponto III.5.2.7 APRECIAÇÃO GLOBAL DA INVOCADA PRESCRIÇÃO DO PROCEDIMENTO CONTRAORDENACIONAL (págs. 2003 a 2016 do Acórdão proferido a 2/12/2021), de forma inovatória, inesperada e contra a posição manifestada por todos os intervenientes processuais, a prescrição (total ou parcial) do procedimento contraordenacional, quanto aos ora Recorrentes.

3. De forma absolutamente inovatória e inesperada, o Tribunal da Relação determinou, no mencionado segmento decisório, a aplicação retroativa do prazo de suspensão da prescrição, de 30 meses ou cinco anos (introduzido pela Lei n.º 157/2014, de 24/10, através do aditamento dos n.ºs 4 a 6 ao artigo 209.º do RGCISF) às infrações imputadas aos ora Recorrentes, antes da aprovação desse novo prazo alargado de suspensão da prescrição (sendo tal segmento decisório designado doravante por "Decisão de Alargamento da Prescrição").

4. Concretamente, o Tribunal da Relação de Lisboa perfilhou, de forma inovatória, naquele segmento decisório, o seguinte entendimento:

"Tal prazo de prescrição seria depois acrescido da suspensão supra mencionada de 160 dias, determinada por força do "lock down" decretado em virtude da pandemia, que já vimos ser aplicável, e levaria a que se considerasse decorrido tal prazo e extinto o proce[d]imento contraordenacional relativo às infrações com termo até março de 2013, em virtude de se ter completado tal prazo no passado mês de agosto (antes, pois da redistribuição dos autos) e bem assim à infração praticada com termo em abril de 2013, por se ter completado o mesmo no mês de setembro (escassos dias após a redistribuição dos autos)" (cfr. pág. 2005; negritos nossos).

"Porém, sucede que no decurso do prazo de prescrição de qualquer uma das infrações imputadas previstas no RGICSF entrou em vigor em 23.11.2014, o Decreto-Lei n.º 157/2014, de 24.10.2014." (cfr. pág. 2006; negritos nossos).

"Ora, com a entrada em vigor do citado diploma, o artigo 209º do RGICSF passou a prever que "sem prejuízo de outras causas de suspensão ou de interrupção da prescrição, a prescrição do procedimento por contraordenação se suspende a partir da notificação do despacho que procede ao exame preliminar do recurso da decisão que aplique sanção até à notificação da decisão final do recurso, não podendo tal suspensão ultrapassar os 30 meses, caso a infração seja punível com coima até (euro) 1 500 000, tratando-se de pessoas coletivas, ou com coimas até (euro) 500 000, tratando-se de pessoas singulares, ou cinco anos, caso a infração seja punível com coima superior àqueles montantes, sendo estes prazos elevados para o dobro se tiver havido recurso para o Tribunal Constitucional.

O prazo de suspensão do procedimento contraordenacional a que já anteriormente fizemos referência e que encontrava previsão apenas no artigo 27ºA, n.º 1, al. c) do RGCO sofreu pois um alargamento para trinta meses ou cinco anos consoante os casos ali previstos." (cfr pág. 2010; negritos nossos).

5. O acórdão da Relação de Lisboa de 2/12/2021 teve o voto de vencido do Presidente da Secção de Propriedade Intelectual e de Concorrência, Regulação e Supervisão, que entendeu, entre outros fundamentos, que "o decurso dos prazos de prescrição respeitantes a várias das infrações imputadas aos Recorrentes (...) já se verificaram" (cfr. ponto 2. da Declaração de Voto constante do acórdão de 2/12/2021).

6. A Exma. Senhora Juiz Desembargadora Adjunta, que assinou o acórdão de 2/12/2021, proferiu recentemente o Acórdão de 12/02/2021, no âmbito do processo n.º 249/17.7YUSTR.L2, contrário à tese que obteve vencimento na Decisão.

7. Os Recorrentes interpuseram recurso ordinário da Decisão de Alargamento da Prescrição para o Supremo Tribunal de Justiça, por entenderem que o mesmo - ao aplicar retroativamente os nºs 4, 5 e 6 do artigo 209º do Regime Geral das Instituições de Créditos e Sociedades Financeiras ("RGICSF"), introduzidos pelo Decreto-Lei nº 157/2014, de 24 de outubro ("DL 157/2014") - configura uma decisão surpreendente, que perfilha uma interpretação totalmente inovatória e inesperada:

a. A aplicação retroativa da causa de suspensão de 30 meses ou 5 anos não consta das conclusões de recurso para a Relação de Lisboa de nenhum dos recorrentes, nem da resposta do Ministério Público e do Banco de Portugal, nem da sentença recorrida ou de qualquer outro despacho proferido pelo Banco de Portugal ou pelo Tribunal da 1a instância neste processo.

b. Pelo contrário, a aplicação retroativa das normas constantes dos n.ºs 4 a 6 do artigo 209.º do RGICSF foi sempre expressamente afastada por todos os intervenientes neste processo, designadamente o Banco de Portugal, o Ministério Público e o Tribunal da 1a instância, que sempre se manifestaram, neste processo, contra essa aplicação retroativa.

c. A aplicação das normas constantes dos n.ºs 4 a 6 do artigo 209.º do RGICSF contraria o entendimento quer do Banco de Portugal e do M.P. (ou seja, da acusação), quer do Tribunal de 1a instância, que reconheceram a prescrição de várias infrações, não aplicando retroativamente as referidas normas, em despachos que transitaram em julgado, pelo que a Decisão recorrida viola a autoridade de caso julgado interna, dentro do próprio processo.

d. A decisão contraria jurisprudência uniforme há muito estabelecida.

e. A decisão contraria um acórdão recente, proferido pela Exma. Senhora Juiz Desembargadora Adjunta, que assinou o acórdão de 2/12/2021; e

f. A decisão equipara as leis covidianas de 2020 e 2021 - leis de cariz transitório e aprovadas num quadro de constitucionalidade de exceção como o estado de emergência - a uma alteração legislativa definitiva, aprovada num contexto de absoluta normalidade constitucional em 2014, o que faz base num acórdão recente do TC de 9/07/2021 (Acórdão nº 500/2021), restrito à aplicação retroativa das leis covidianas.

g. A decisão interpreta e aplica erradamente o Acórdão do TC nº 500/2021, restrito apenas à aplicação retroativa de legislação pandémica, estendendo erradamente a respetiva doutrina à aplicação retroativa de qualquer legislação contraordenacional ordinária, que alargue o prazo de prescrição, ainda por cima, sem qualquer análise da proporcionalidade dessa restrição aos direitos fundamentais dos Recorrentes.

8. Recentemente, o Tribunal da 1a instância, tendo tomado conhecimento do acórdão de 2/12/2021 proferido nos presentes autos, confirmou o caráter inovatório do entendimento perfilhado pela Relação, ao declarar expressamente que se trata de uma interpretação "inovatória" e contrária ao seu próprio entendimento.

9. Assim, no despacho de admissão dos recursos de impugnação judicial de decisão administrativa do Banco de Portugal, proferido a 22 de janeiro de 2022 nos autos de recurso n.º 378/21.2YUSTR (com a ref. Citius 337302, que se junta), o Tribunal da 1a instância alude expressamente ao teor do acórdão de 2/12/2021, proferido nos presentes autos, entendendo estar-se perante um entendimento novo e que altera a jurisprudência sempre perfilhada em matéria de aplicação no tempo das regras relativas ao prazo de prescrição das contraordenações.

10. Assim, o Tribunal da 1a instância refere o seguinte (negrito e sublinhado nossos) na decisão de 22.01.2022 do proc. 378/21.2YUSTR:

"Sem prejuízo do que antecede, consigna-se que, presentemente, o Venerando Tribunal da Relação de Lisboa perfilhou, de forma inovatória face à jurisprudência trilhada por este Tribunal da Concorrência, Regulação e Supervisão, douto entendimento sobre a aplicação das causas de suspensão dos prazos prescricionais sectorialmente prevista no RGICSF aplicando a autos contraordenacionais deste Tribunal as causas de suspensão previstas nos números 4, 5e6do artigo 209.0 do RGICSF (...)"

Assim sucedeu nos doutos acórdãos proferidos em autos de recurso deste TCRS: Processo nº 127/19.5YUSTR (com incorporação, por conexão...

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