Acórdão nº 546/22 de Tribunal Constitucional (Port, 29 de Agosto de 2022

Magistrado ResponsávelCons. Afonso Patrão
Data da Resolução29 de Agosto de 2022
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 546/2022

Processo n.º 783/2022

3ª Secção

Relator: Conselheiro Afonso Patrão

Acordam, em conferência, na 3.ª secção do Tribunal Constitucional:

I. Relatório

1. No âmbito dos presentes autos, vindos do Tribunal da Relação de Lisboa, foram interpostos recursos para o Tribunal Constitucional por A., B., C., D., E. e F., S.A, do acórdão daquele tribunal datado de 2 de dezembro de 2021, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (LTC — Lei n.º 28/82, de 15 de novembro, na versão que lhe foi dada, por último, pela Lei Orgânica n.º 1/2022, de 4 de janeiro), sendo recorridos o Ministério Público e o Banco de Portugal.

2.1. Em 21 de dezembro de 2021, os recorrentes requereram a interposição de recurso para o Tribunal Constitucional do acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa em 2 de dezembro de 2021. Na mesma data, requereram a interposição de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça — na parte em que se pronunciou sobre a «invocada prescrição do procedimento contra-ordenacional» — e, subsidiariamente, arguiram a nulidade do mesmo aresto.

O recurso ordinário interposto para o Supremo do Tribunal de Justiça foi rejeitado por despacho do Tribunal da Relação de Lisboa datado de 10 de janeiro de 2022. Desta decisão, reclamaram os recorrentes para o Presidente do Supremo Tribunal de Justiça.

Seguidamente, o Tribunal da Relação de Lisboa, por acórdão datado de 27 de janeiro de 2022, indeferiu a arguição de nulidade do acórdão proferido em 2 de dezembro de 2021. Nessa sequência, a recorrente F., S.A, renovou o requerimento do recurso de constitucionalidade em 15 de fevereiro de 2021.

Pela Decisão Sumária n.º 221/2022, desta 3.ª Secção, decidiu-se não tomar conhecimento do objeto dos recursos, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 78.º-A da LTC, uma vez que a decisão recorrida, no momento da interposição dos recursos, não era ainda definitiva na ordem jurisdicional respetiva. Nenhum dos recorrentes reclamou da Decisão Sumária n.º 221/2022.

2.2. Por decisão singular do Vice-Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, datada de 21 de fevereiro de 2022, foi indeferida a reclamação do despacho do Tribunal da Relação de Lisboa que havia rejeitado o recurso para o STJ, confirmando-se a inadmissibilidade do recurso para aquele tribunal.

Desta decisão, recorreram os arguidos para este Tribunal Constitucional. Através da Decisão Sumária n.º 337/2022, desta 3.ª Secção, decidiu-se não julgar inconstitucional a norma, decorrente do artigo 75.º do RGCO, segundo a qual, em processo contraordenacional, não cabe recurso das decisões da 2.ª instância e, consequentemente, negar provimento ao recurso.

A Decisão Sumária n.º 337/2022 foi integralmente confirmada pelo Acórdão n.º 459/2022, desta 3.ª Secção, que não julgou inconstitucionais as normas então sindicadas e, assim, manteve a decisão de rejeição do recurso para o Supremo Tribunal de Justiça.

2.3. Nos presentes autos, vieram os arguidos novamente (v. ponto 2.1.) recorrer do acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, datado de 2 de dezembro de 2021.

Os requerimentos de interposição de recurso dos arguidos B., A., F., C. e E. deram entrada no dia 13 de julho de 2022.

Os requerimentos de interposição de recurso dos arguidos F., S.A, e D. deram entrada no dia 14 de julho de 2022.

3. Através da Decisão Sumária n.º 496/2022, decidiu-se, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 78.º-A da LTC, não tomar conhecimento do objeto dos presentes recursos (v. ponto 2.3), com a seguinte fundamentação:

«4. Nos presentes autos, os recorrentes pugnam expressamente por uma interpretação do n.º 2 do artigo 75.º da LTC com o sentido de que apenas após a prolação da última decisão do Tribunal Constitucional relativa ao recurso da decisão do Supremo de Tribunal de Justiça de 21 de fevereiro de 2022 que não admitiu o recurso para aquele tribunal — o Acórdão n.º 459/2022 — começou a contar o prazo para a interposição do recurso de constitucionalidade relativo ao acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 2 de dezembro de 2021. Razão pela qual concluem pela tempestividade do recurso agora interposto.

No fundo, nos casos em que da decisão recorrida tenha sido interposto recurso ordinário, em que este tenha sido rejeitado por irrecorribilidade e em que tenha sido interposto recurso de constitucionalidade desta última decisão — de inadmissibilidade do recurso ordinário —, pode pôr-se a questão de saber quando deve ter-se por verificada a definitividade a que alude o n.º 2 do artigo 75.º da LTC. Defendendo os recorrentes que deve ser o momento do seu trânsito em julgado, contando o prazo da notificação da decisão do Tribunal Constitucional que tenha apreciado o recurso da decisão de irrecorribilidade.

5. Sem razão. Ao contrário do que sustentam os recorrentes, a definitividade a que alude o n.º 2 do artigo 75.º da LTC — e que determina o início do prazo para interpor recurso de constitucionalidade — não se confunde com o trânsito em julgado dessa decisão. O prazo conta-se, pois, do momento em que tenha sido proferida a decisão definitiva das instâncias quanto à irrecorribilidade do acórdão sindicado.

Veja-se o que se disse no Acórdão n.º 155/2022, desta 3.ª Secção:

“Quanto à noção de ‘definitividade’ relevante para os efeitos daquele mesmo artigo 75.º, n.º 2, da LTC, como se decidiu no Acórdão n.º 280/2021, “ela não se confunde com o trânsito em julgado da decisão. ‘Definitiva’ é a última decisão a proferir sobre a questão da recorribilidade, não tendo esta expressão o significado de ‘após transitada em julgado’ (...), como se o prazo para recorrer para o Tribunal Constitucional só se iniciasse a partir desse momento. Pelo contrário, o recurso para o Tribunal Constitucional pressupõe que a decisão seja definitiva, mas ainda não transitada em julgado”. Também sobre este aspeto não haveria obstáculo ao conhecimento do recurso em apreço, pois o recorrente interpôs recurso da decisão do Tribunal da Relação de Lisboa para o Tribunal Constitucional depois de prolatada a última decisão do Tribunal Constitucional no recurso relativo à decisão do Supremo Tribunal de Justiça que não admitiu o recurso ordinário com fundamento na sua irrecorribilidade, mas antes de tal decisão do Tribunal Constitucional (e, consequentemente, de tal decisão do Supremo Tribunal de Justiça) terem transitado em julgado.

No entanto, em face do artigo 75.º, n.º 2, da LTC, o recurso de constitucionalidade relativo à decisão do Tribunal da Relação deveria ter sido interposto concomitantemente com o recurso de constitucionalidade interposto da decisão do Supremo Tribunal de Justiça. De facto, apesar de uma certa oscilação no tratamento processual daquele preceito, a jurisprudência e a doutrina constitucionais têm aventado que a ‘definitividade’ relevante para os seus efeitos não abranja o recurso de constitucionalidade, mas se reporte antes à ordem jurisdicional respetiva – cf. por exemplo os Acórdãos n.º 346/2013 e n.º 40/2022 e, sustentando expressamente essa posição, Carlos Lopes do Rego, op. cit., p. 199 ss. Pronunciando-se sobre a questão de saber se tal definitividade inclui o ‘esgotamento integral das possibilidades impugnatórias (incluindo o acesso ao Tribunal Constitucional, relativamente à questão de inconstitucionalidade das normas que tornam inadmissível o recurso ordinário interposto) ou se, pelo contrário, tal ‘definitividade’ se reportará apenas à ordem judiciária em questão, não envolvendo a dedução de reclamação ou de recurso para o Tribunal Constitucional’, o autor defende que é esta segunda – das duas permitidas pela letra do preceito, e sendo embora a mais ‘restritiva’ delas – a interpretação devida do artigo 75.º, n.º 2, da LTC, por ser ‘a que melhor se coaduna com as exigências de celeridade e concentração, evitando situações (...) de inadmissível protelamento da pendência do processo, ao vincular a parte a interpor, na mesma altura, todos os recursos de fiscalização concreta que pretenda dirigir ao Tribunal Constitucional’”.

6. É justamente esse entendimento que aqui importa reiterar.

Desde logo, porque é esta a única interpretação compatível com a racionalidade de administração da justiça, permitindo a intervenção do Tribunal Constitucional quanto às várias questões normativas suscitadas, uma vez tendo as instâncias já proferido a última palavra quanto ao caso. Uma interpretação contrária implicaria um «inadmissível protelamento da pendência do processo» (cfr. Carlos Lopes do Rego, Os Recursos de Fiscalização Concreta na Lei e na Jurisprudência do Tribunal Constitucional, Almedina, 2010, p. 200).

Em segundo lugar, porque não se sacrificam quaisquer interesses com essa acrescida racionalidade. Como se sublinhou no já citado Acórdão n.º 155/2022, «tal entendimento não afasta a possibilidade de o recorrente ver fiscalizada a constitucionalidade de normas aplicadas na decisão de que interpusera o recurso ordinário (no caso, na decisão do Tribunal da Relação de Lisboa). Simplesmente vincula-o, em nome das ponderosas razões de racionalidade processual acima mencionadas, a solicitar essa fiscalização logo no momento em que essa decisão se tenha tornado definitiva dentro da ordem jurisdicional respetiva». Isto é, no ensinamento de Carlos Lopes do Rego (ibidem, p. 200), caberia aos recorrentes proceder a uma «simultânea interposição de recurso para o Tribunal Constitucional, quer da sentença originariamente proferida sobre o mérito, quer da decisão procedimental que considera inadmissível o recurso interposto».

Na eventualidade de ser procedente o recurso de constitucionalidade relativo à recorribilidade, disse-se no Acórdão n.º 155/2022:

“No caso de procedência do recurso na parte relativa à recorribilidade, deverá o Tribunal Constitucional deixar de pronunciar-se sobre a parte...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT