Acórdão nº 463/22 de Tribunal Constitucional (Port, 24 de Junho de 2022

Magistrado ResponsávelCons. Lino Rodrigues Ribeiro
Data da Resolução24 de Junho de 2022
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 463/2022

Processo n.º 592/22

3.ª Secção

Relator: Lino Rodrigues Ribeiro

Acordam, em conferência, na 3.ª Secção do Tribunal Constitucional

I – Relatório

1. Nos presentes autos, vindos do Supremo Tribunal de Justiça, em que é reclamante A. e reclamado o Ministério Público, o primeiro interpôs recurso de constitucionalidade ao abrigo do disposto no artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro (LTC), da decisão de 6 de abril de 2022, que negou o recurso de revisão interposto pelo condenado ao abrigo do disposto no artigo 449.º, n.º 1, alíneas c) e d) do Código do Processo Penal.

O arguido fora condenado pela prática de um crime de usura qualificada, p. e p. pelo disposto no artigo 226.º, n.º 1 e n.º 4, alínea b), do Código Penal, numa pena de 2 (dois) anos e 9 (nove) meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período de tempo, condicionada ao pagamento ao demandante da quantia arbitrada como indemnização civil, no prazo máximo de um ano a contar do trânsito em julgado de tal sentença, sem prejuízo da sua exequibilidade civil, nos termos gerais; e a entregar ao Tribunal a quantia de quarenta mil euros (€ 40.000), devendo entregar a quantia mínima de € 15.000 ao fim de cada ano completo a contar da data do trânsito em julgado da sentença e o total até ao final do prazo de suspensão.

2. Foi então interposto recurso de constitucionalidade, que apresenta o seguinte conteúdo:

«A., Recorrente nos autos de Recurso de Revisão à margem referenciado e aí melhor identificado,

Não se conformando com o Acórdão proferido em 6 de abril de 2022 por este Douto Tribunal que negou ao Recorrente a Revisão, vem do mesmo interpor RECURSO para o TRIBUNAL CONSTITUCIONAL destinado à fiscalização concreta da constitucionalidade das normas abaixo indicadas, o que faz nos termos e ao abrigo das disposições conjugadas dos arts. 280º, 1, alínea b) e nº 4 e 69º, 70º, nº 1, alínea b) e nº 2, 71º, 72º alínea b), 75, 75º-A, nº 1 e 2 e 78º da Lei do Tribunal Constitucional - recurso este que deverá ser admitido a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito suspensivo.

QUESTÃO PRÉVIA

1 - É orientação pacífica das várias instâncias jurisdicionais que o nosso ordenamento jurídico comporta, que se encontram abrangidas ou equiparadas às situações previstas na alínea b) do nº 1 do art. 70º da Lei do Tribunal Constitucional, todas as situações em que, como sucede no caso vertente, o interessado arguiu a inconstitucionalidade da norma quando apenas pôde fazê-lo, inclusivamente no requerimento de interposição de recurso, como ora sucede.

Ou seja

2 - Na hipótese em que o interessado não dispôs de oportunidade processual para levantar a questão de inconstitucionalidade antes de proferida a decisão deve ser-lhe reconhecido o direito ao recurso, devendo a questão da inconstitucionalidade ser então levantada no próprio requerimento de recurso - GUILHERME DA FONSECA e INÊS DOMINGOS, in " Direito Processual Constitucional", Coimbra Editora, págs. 43 e 50 - que é precisamente o que se faz através do presente requerimento, designadamente com base nas considerações infra expostas, que aqui se dão por reproduzidas.

Ora

3 - Pelo presente Recurso pretende o arguido, ora Recorrente, suscitar a questão da inconstitucionalidade do art. 419º, nº 1 do Código de Processo Penal, na redação e sentido que lhe foi dado após a revogação do nº 2 dessa mesma norma legal nos termos e ao abrigo do disposto na Lei nº 94/2021 de 21 de dezembro, a qual entrou em vigor apenas em 21 de Marco de 2022,

4 - Circunstância que evidencia a impossibilidade de o arguido, ora Recorrente, a ter suscitado em qualquer peça processual anterior, mormente no seu requerimento de interposição/motivação do Recurso de Revisão.

Ora

5 - Quanto ao mencionado art. 419º, nº 1 do Código de Processo Penal pretende pois o Recorrente que este Tribunal se pronuncie em juízo de fiscalização concreta da constitucionalidade da dita norma por violação, desde logo, do Princípio do Juiz Natural ou do Juiz Legal - logo, da violação por esta do art. 32º, nº 9 da Constituição da República Portuguesa.

6 - Pretende, de igual modo, e ainda quanto ao art. 419, nº 1 do Código de Processo Penal, que o Tribunal se pronuncie em juízo de fiscalização concreta da constitucionalidade desta norma por violação do Princípio da Unidade do Estatuto Constitucional dos Juízes Portugueses, insito ao art. 215º, nº 1 da Constituição da República Portuguesa.

Com efeito

7 - Nos termos do art. 419º, nº 1 do Código de Processo Penal, agora que foi revogado o nº 2 dessa mesma norma legal, impondo que em todas as decisões do Tribunal da Relação e do Supremo Tribunal de Justiça intervenha agora o Presidente da Secção, viola tal norma o Princípio do Juiz Natural ou do Juiz Legal, na medida em que se conhece a priori - em todos os recursos interposto junto destas instâncias - quem será um dos elementos do Coletivo - necessariamente o Presidente da respetiva Secção - sendo apenas sorteados o juiz relator e o juiz-adjunto.

Acresce que

8 - Nas sábias palavras do Juiz Conselheiro Jubilado, Dr. Simas Santos, em artigo redigido pelo mesmo versando a Colegialidade dos Tribunais Superiores - in "A Corrupção em Portugal" livro coordenado por Paulo Pinto de Albuquerque, Rui Cardoso e Sónia Moura, da Universidade Católica, 2021, pags. 664 a 667 - a intervenção sistemática - ou seja, em todas as decisões - do presidente dos tribunais superiores " pode conduzir a um afrouxamento do sentido da própria jurisprudência, que, pela composição e sucessivas formações dos coletivos (nos ditos) tribunais superiores postulava uma intervenção equilibrada de todos os juízes, sem supremacia de nenhum deles ".

9 - Dai que "a intervenção em todos os processos do presidente da secção vai-lhe dar uma intervenção acrescida, capaz de romper aquele equilíbrio e atribuir-lhe uma mal sana supremacia, empobrecendo e prejudicando o caráter coletivo de que devem revestir as decisões dos Tribunais Superiores".

De onde

10 - A intervenção do presidente da secção em todas decisões dos tribunais superiores cria como que uma hierarquia entre juízes, não sendo despropositado, neste âmbito, aludir à criação de um superjuiz.

Ora

11- O art. 215º, nº 1 da Constituição da República Portuguesa estabelece que "os juízes dos tribunais judiciais formam um único corpo e regem-se por um só estatuto" (Principio da Unidade do Estatuto Constitucional dos Juizes Portugueses), violando deste modo o citado art. 419º, nº 1 do Código de Processo Penal, pelas razões supra expostas, esta norma da Constituição.

12 - Do mesmo passo - e continuando a citar o Mui Ilustre Juiz Conselheiro Jubilado, Dr. Simas Santos, a intervenção do presidente da secção em todas as decisões "conduz a uma indesejável, por antecipada e forçada, uniformização da jurisprudência na secção, através da imposição da intervenção forçosa do presidente da secção (...) quando o Código de Processo Penal consagra - nos arts. 437º a 448º deste diploma - um recurso extraordinário a tal destinado

Aliás

13 - Quiçá apercebendo-se dos problemas de constitucionalidade que traria (que traz) consigo a mencionada alteração ao art. 419º, nº 1 do CPP, pretende o Governo reverter, o mais brevemente possível, os efeitos perniciosos desta alteração.

Daí que

14 - A proposta de Lei nº 3/XV da Presidência do Conselho de Ministros proponha a represtinação dos nº 1 e 2 do art. 419º do CPP, na redação anterior à Lei nº 48/2007 de 29 de agosto (e, em consequência, a ateração dos arts. 418º, 425º, 429º e 435º do mesmo diploma legal), passando a fazer parte da conferência dois juízes-adjuntos - mitigando-se desta forma, mas não excluindo, os problemas de constitucionalidade da aludida norma do CPP.

Com efeito

15 - Da exposição de motivos daquela proposta de Lei decorre, precisamente, que com esta nova alteração legislativa se pretende assegurar, por um lado, uma colegialidade reforçada e, por outro lado, evitar que o presidente da secção integre todos os coletivos nos recursos para os tribunais superiores - desta forma se evitando a manifesta violação dos Princípios do Juiz Natural ou do Juiz Legal e, bem assim, o Princípio da Unidade do Estatuto da Unidade do Estatuto Constitucional dos Juízes Portugueses Ínsitos, respetivamente, aos arts. 32º, nº 9 e 215º da CRP.

16 - Será, por isso, bem-vinda tal alteração legislativa, pese embora a mesma não colida com o interesse do Recorrente no presente recurso, uma vez que a decisão de que se recorre foi proferida no âmbito da anterior redação do CPP. à luz da qual deverá ser apreciada a questão (as questões) de constitucionalidade ora suscitadas.

Por outro lado

17 - Pretende ainda o recorrente ver apreciada a constitucionalidade do art. 449º, nº 1. alínea c) do Código de Processo Penal, no qual se aponta como fundamento para a interposição de um recurso extraordinário de revisão "os factos que servirem de fundamento à condenação forem inconciliáveis com os dados como provados noutra sentença e da oposição resultarem graves dúvidas sobre a justiça da condenação" quando interpretado e aplicado no sentido que os factos dados como provados terão de se reconduzir a factos decorrentes de duas sentenças criminais.

Com efeito

18 - A ratio decidendi deste ponto do Acórdão proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça, reconduz-se à reprodução das considerações quanto, a este propósito, foram expendidas pela Meritíssima Juiz do Tribunal de Primeira Instância, argumentado a mesma que o dito preceito do Código de Processo não seria de aplicar in casu em primeiro lugar pela circunstância de os factos em oposição dizerem respeito, uns, a uma sentença condenatória proferida no âmbito de um processo crime - os autos principais - e os outros a um processo executivo (um processo cível, portanto) - o processo de oposição à execução...

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