Acórdão nº 30/20.6T9VVR.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 20 de Junho de 2022

Magistrado ResponsávelARMANDO AZEVEDO
Data da Resolução20 de Junho de 2022
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

I- RELATÓRIO Acordam os Juízes que constituem a Secção Penal do Tribunal da Relação de Guimarães: 1.

No processo comum singular nº 30/20.6T9VVD, do Tribunal Judicial da Comarca de Braga, Juízo Local Criminal de Vila Verde, em que é arguido J. C.

, com os demais sinais nos autos, por sentença datada, lida e depositada em 31.05.2021, foi decidido condenar o arguido pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de evasão, previsto e punido pelo artigo 352.º, n.º 1 do Código Penal, na pena de 13 (treze) meses de prisão.

  1. Não se conformando com a mencionada decisão, dela interpôs recurso o arguido, formulando as seguintes conclusões (transcrição): 1. O Tribunal a quo limitou-se a esmiuçar o registo criminal do recorrente e proferir sentença de acordo com o registo criminal do mesmo.

  2. Não se aceita, nem se pode aceitar, que um indivíduo seja “julgado” apenas pelo seu passado.

  3. O recorrente foi outrora condenado pelos crimes que praticou, cumprindo as respetivas penas que lhe foram aplicadas, não sendo possível ser deliberadamente e constantemente “julgado” pelo seu passado, pela prática dos crimes pelos quais já foi julgado e cumpriu o seu dever jurídico-social.

  4. Pelo que, assim sendo, o recorrente deveria ser “julgado” pelo crime de evasão - de que vinha acusado – e não “apenas pelo seu cadastro criminal.

  5. Sempre se dirá que não houve a prática do crime de evasão, pelo que o recorrente não poderá ser condenado por um crime que não cometeu, uma vez que o recorrente estava obrigado a permanecer na habitação com vigilância eletrónica, não estando efetivamente preso.

  6. Os conceitos de “privação da liberdade” e “limitação da liberdade” são distintos, bem como o conceito de evasão.

  7. A obrigação de permanência na habitação é, por definição, uma “obrigação” e como tal não é uma “privação”, e como obrigação é mera limitação da liberdade e não privação da liberdade, pelo que de uma forma muito simples se evidencia a distinção entre as duas situações: na obrigação de permanência na habitação, enquanto mera obrigação, o seu cumprimento está ainda na esfera da liberdade de obedecer de quem a ela está sujeito.

  8. O incumprimento da obrigação de permanência na habitação tem como consequência a agravação da medida coativa, nos termos do artigo 203.º do Código de Processo Penal.

  9. Nesta senda, é totalmente diferente a imputação do crime de evasão, com a consequência de agravação da medida coativa por incumprimento da obrigação de permanência na habitação.

  10. Pelo que, deveria o Tribunal a quo proceder ao agravamento da medida coativa, em vez de julgar o recorrente por crime de evasão.

  11. Não sendo do entendimento de V/ Excelências que, em caso de obrigação de permanência na habitação com vigilância eletrónica, preenche o tipo de crime de evasão, sempre estaremos perante uma nulidade de sentença pela falta de fundamentação aquando não se justifica o facto de o Tribunal a quo não se pronunciar sobre os verdadeiros motivos que levou a não aceitar que o recorrente tivesse um sentimento de arrependimento pelo crime praticado.

  12. Uma vez que ficou demonstrado que o recorrente pretende seguir a sua vida de forma exímia, exemplar, em sintonia com os moldes que se consideram socialmente adequados.

  13. Porém, torna-se impossível haver uma reintegração do indivíduo numa sociedade em que o está eternamente a “julgar” por atos passados 14. Como prova de que o recorrente entende que deve mudar de vida e pretende mudar, decidiu colaborar com a justiça, através da sua confissão na íntegra e sem reservas.

  14. Considerando-se ainda que demonstrou um sentimento de culpa, arrependimento, e vontade de mudar o seu comportamento, não voltando a cometer os mesmos erros na sua vida, em especial, não voltando a cometer o crime de que vem condenado.

  15. Num testemunho honesto e sincero, o recorrente, perante o Tribunal a quo, expressou todo o arrependimento pelo seu comportamento, demonstrando a vontade de mudar e, de realçar, demonstrando que não iria voltar a cometer o mesmo crime, numa expectativa de mudar a sua vida e enquadrar-se na sociedade.

  16. O Tribunal a quo não se pronunciou sobre o verdadeiro motivo que o levou a decidir que o recorrente não demonstrou um verdadeiro e sincero arrependimento.

  17. Pelo que, o recorrente necessita que haja uma esperança nele, que lhe deem uma oportunidade de mudar, de se reintegrar, de criar a sua família, de mudar o seu comportamento e ser um cidadão exemplar… 19. Tal não é, nem nunca será possível, se não tiver essa mesma oportunidade, se a justiça “lhe virar as costas”, alegando única e exclusivamente que não acredita que o recorrente estará a ser sincero… 20. Sem que se possa retirar conclusão sobre os motivos que levaram o Tribunal a quo a proferir tal decisão.

  18. O principal objetivo do sistema penal é reintegrar o cidadão, dando-lhe condições para que o mesmo leve um caminho de vida diferente.

  19. Porém, tal não é possível se na prática todos continuarmos a esquecer-nos de ceder ferramentas para que as pessoas possam mudar.

  20. A falta de fundamentação sobre os motivos que levaram o Tribunal a quo a retirar tais conclusões é um vício de sentença, que afeta o ato decisório em si mesmo, podendo a sentença ser afetada de nulidade (artigo 122.º, n.º1 do Código de Processo Penal).

  21. Sendo que, não se considerando que a falta de fundamentação consubstancia uma nulidade, sempre se dirá que estamos perante um vício previsto no artigo 410.º, n.º2, alínea a) do Código de Processo Penal 25. Finalmente, sempre se dirá que a medida concreta da pena é exagerada; 26. A condenar-se o arguido pelo crime de que vinha acusado e pronunciado, mas tendo em conta as circunstâncias atenuantes, não deveria o arguido ser condenado a pena superior a seis meses de prisão.

    TERMOS EM QUE, Vossas Excelências, revogando a decisão recorrida e substituindo-a por outra que Absolva o Recorrente, ou, caso assim não se entenda, que diminua a medida concreta da pena aplicada, Farão, V. Exas., inteira justiça! 3.

    O M.P., na primeira instância, respondeu ao recurso interposto pelo arguido, tendo concluído no sentido de que deverá ser negado provimento ao recurso, mantendo-se a decisão recorrida.

  22. Nesta instância, o Exmo. Senhor Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido de que o recurso deverá ser julgado improcedente.

  23. Cumprido que foi o disposto no artigo 417º nº2 do CPP, não foi apresentada resposta.

    Após ter sido efetuado exame preliminar, foram colhidos os vistos legais e realizou-se a conferência.

    II- FUNDAMENTAÇÃO 1. Objeto do recurso O âmbito do recurso, conforme jurisprudência corrente, é delimitado pelas suas conclusões extraídas pelo recorrente da motivação apresentada, sem prejuízo naturalmente das questões de conhecimento oficioso (1) do tribunal, cfr. artigos 402, 403º e 412º, nº 1, todos do CPP.

    Assim, considerando o teor das conclusões do recurso interposto pelo arguido, as questões a decidir reconduzem-se às seguintes matérias: - Nulidade da sentença recorrida - Valoração dos antecedentes criminais - Vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada - Subsunção jurídica dos factos provados no tipo legal de crime de evasão - Medida da pena.

    2- A decisão recorrida 1. Na sentença recorrida consideraram-se como provados e não provados os seguintes factos, seguidos da respetiva motivação de facto (transcrição): A. Factos provados Da discussão da causa resultaram provados os seguintes factos: 1.

    Por despacho proferido no dia 19 de Junho de 2019, em sede dos autos de processo comum colectivo n.º 555/20.3T8BRG que corre termos no 5.º Juízo Central Criminal de Braga, o arguido J. C. foi sujeito à medida de coacção de obrigação de permanência na habitação, com vigilância electrónica, sendo que enquanto os instrumentos desta última não fossem instalados ficou a aguardar os termos do processo em prisão preventiva.

  24. O arguido permaneceu, assim, em prisão preventiva até ao dia 30 de Julho de 2019, data em que regressou à sua sobredita habitação para cumprimento da medida de coacção de obrigação de permanência na habitação, tendo-lhe, nessa mesma data sido instalados os respectivos meios de controlo electrónico à distância.

  25. Sucede que, no passado dia - de Setembro de 2019, cerca das 18H45m, o arguido J. C. violou esse sistema de controlo técnico à distância, tirando o dispositivo do corpo, fugindo, depois, da habitação andando em paradeiro incerto.

  26. Ao actuar de tal forma, o arguido J. C. agiu ciente, porém, que estava, legalmente, privado da liberdade, mercê da decisão de aplicação da medida de coação de obrigação de permanência na habitação, com vigilância eletrónica, determinada pelo Tribunal; 5.

    Não obstante, com a conduta supra referida, quis o arguido J. C. evadir-se da habitação, onde se encontrava obrigado a permanecer, controlado por meios técnicos de vigilância eletrónica.

  27. O arguido J. C. agiu ainda sempre de forma livre, deliberada e consciente, bem sabendo, além do mais, que tal conduta era proibida e punida por Lei.

  28. O arguido regressou a território nacional cerca de quatro meses após o mencionado em 8.

    Foi detido no âmbito de uma operação de fiscalização de trânsito.

    Mais se provou que: 9.

    O arguido foi condenado, no âmbito do processo sumaríssimo n.º 404/12.6GAAMR, que correu termos no extinto Tribunal Judicial de Amares, por sentença transitada em julgado em 28.01.2013, pela prática, em 21.06.2012, de um crime de condução sem habilitação legal, na pena de 100 dias de multa, à taxa diária de € 5,00. No âmbito deste processo o arguido requereu a substituição da pena de multa por prestação de trabalho a favor da comunidade, tendo cumprido apenas 46 horas e em 16.12.2014 procedido ao pagamento do remanescente da pena de multa.

  29. No âmbito do processo abreviado n.º 271/13.2GBVVD, que correu termos neste Juízo Local Criminal de Vila Verde, por sentença transitada em julgado em 28.10.2013, pela prática, em 20.04.2013, de um crime de...

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