Acórdão nº 215/18.5JAFAR.E1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 22 de Junho de 2022

Magistrado ResponsávelLOPES DA MOTA
Data da Resolução22 de Junho de 2022
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam, em conferência, na 3.ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça: I. Relatório 1.

Por sentença proferida em 23 de março de 2021, no Juízo Local Criminal de Loulé (Juiz 1), do Tribunal Judicial da Comarca de Faro, foi o arguido AA absolvido da prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de insolvência dolosa, previsto e punido pelo artigo 227.º, n.º 1, alíneas a) e b), do Código Penal.

Em consequência, pela mesma sentença, foi julgado improcedente, por não provado, o pedido de indemnização civil deduzido pela demandante Massa Insolvente da sociedade Cármen e Gameiro, Lda., de que o arguido era sócio-gerente, peticionando a sua condenação no pagamento da quantia global de € 74.100 acrescida de juros de mora legais vincendos desde a citação até efetivo e integral pagamento.

  1. Não foi interposto recurso da sentença na parte referente à matéria penal.

    Porém, inconformada com a absolvição do pedido, a demandante Massa Insolvente da sociedade Cármen e Gameiro Lda. recorreu da decisão para o Tribunal da Relação de Évora.

    Dado o estatuto processual da demandante – parte civil – o recurso tem apenas por objeto a decisão quanto à matéria civil.

  2. Por acórdão de 23 de novembro de 2021, o Tribunal da Relação de Évora, julgando verificado um erro na apreciação da prova, alterou a matéria de facto provada e, consequentemente, julgou o recurso procedente, com condenação do arguido no pedido, nos seguintes termos: «Face ao que precede os Juízes da Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora concedem provimento ao recurso e, em consequência: A - Dão como provados os factos que na sentença recorrida surgem como não provados de b) a f), como factos provados 11) a 15), como segue: 11 – (b) O contrato referido em 4) e 5) dos fatos provados foi celebrado com o propósito de diminuir os ativos da Carmem e Gameiro, Lda. e criar-lhe prejuízos e reduzir-lhe os lucros na exploração do imóvel em causa na qualidade de proprietária.

    12 – (c) No contrato de arrendamento dado como provado em 7) a cedência do uso e gozo da fração objeto do mesmo ocorreu com o propósito de diminuir os ativos da empresa C... Lda., criar-lhe prejuízos e reduzir-lhe os lucros na exploração desse imóvel na qualidade de proprietária.

    13 – (d) A cedência de exploração dada como provada em 8) dos fatos provados ocorreu com o propósito de diminuir os ativos da firma "Carmem e Gameiro, l.d", criar-lhe prejuízos e reduzir-lhe os lucros na exploração desse imóvel na qualidade de proprietária.

    14 – (e) O arguido AA agiu livre, deliberada e conscientemente, sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei, querendo diminuir o acervo patrimonial e criar/agravar artificialmente prejuízos e reduzir lucros da firma "Carmem e Gameiro, La", por intermédio da cedência dos imóveis de que esta firma era proprietária, mediante contrapartidas inferiores aos valores de mercado, determinando que aquela firma ficasse numa situação patrimonial inferior à sua capacidade, com o propósito de prejudicar os seus credores.

    15 – (f) O arguido subtraiu, ilegítima e ilicitamente, à massa insolvente, os imóveis elencados nos fatos provado em 3) causando grave e irreparável prejuízo à massa insolvente porque impediu que os credores lograssem quer a cobrança dos seus créditos quer que vissem os seus créditos ressarcidos no âmbito do processo de insolvência por si iniciado pouco tempo.

    B - Dão como provado o facto 16) com a seguinte redacção: 16 – Os contratos supra referidos resolveram-se em 12 de Novembro de 2019.

    C – Condenam o arguido AA a pagar à Massa Insolvente da Sociedade "Carmem e Gameiro, Lda” a quantia de 74.100 € (setenta e quatro mil euros), acrescida de juros vincendos contados desde a notificação do pedido cível» 4.

    Não se conformando com o acórdão proferido pelo Tribunal da Relação, o arguido interpõe recurso deste para o Supremo Tribunal de Justiça, apresentando motivação de que extrai as seguintes conclusões: «

    1. Vem o presente recurso interposto do Acórdão do Tribunal da Relação de Évora que, julgando procedente o recurso interposto pela demandante cível, alterou a matéria de facto dada como assente e provada, passando os factos identificados nas alíneas b), c), d) e) e f) dos factos não provados para os pontos 11, 12, 13, 14 e 15 dos factos provados, e condenou o arguido, ora Recorrente, a pagar à Massa Insolvente da Sociedade Carmem e Gameiro Lda., a quantia de € 74.100,00 (setenta e quatro mil e cem euros), acrescida de juros vincendos contados desde a notificação do pedido cível.

    2. Entende o Recorrente que o Tribunal da Relação fez, salvo melhor entendimento, incorreta interpretação do disposto nos arts. 377.º e 379.º Código de Processo Penal.

    3. Como resulta das conclusões apresentadas perante o Tribunal Recorrido e transcritas no Acórdão em apreço, a Demandante Cível – a Massa Insolvente da Carmem e Gameiro Lda – entendeu que o tribunal ao absolver o arguido, ora Recorrente, de qualquer responsabilidade civil incorreu em errónea apreciação da prova, proferindo uma decisão injusta e que devia ser alterada.

    4. Dando acolhimento a tal pretensão, o Tribunal da Relação proferiu Acórdão que acolhendo o pedido formulado, alterou a matéria de facto dada como provada, passando os factos identificados nas alíneas b), c), d) e) e f) dos factos não provados para os pontos 11, 12, 13, 14 e 15 dos factos provados, por considerar ter existido erro notório na apreciação da prova.

    5. Porém, salvo melhor entendimento, não se verificou qualquer erro notório na apreciação da prova pelo tribunal de 1.ª instância como se alcança do teor da sentença proferida, a qual se encontra devidamente fundamentada e justificada.

    6. Sendo entendimento unânime na jurisprudência que o vício decisório suscetível de integrar a previsão do art.º 410.º, n.º 2, al. c) do CPP, consiste em ser dado como provado ou não provada determinado facto em total incongruência lógica com princípios, leis, regras ou experiência comum ou com outra prova irrefutável.

    7. No caso em apreço, tal não se verificou, tendo a prova produzida sido devidamente apreciada e ponderada de forma lógica e coerente à luz das regras legais e da experiência comum, considerando-se que da mesma prova não resultou demonstrado que os contratos em causa tenham sido celebrados com o propósito de diminuir os activos da sociedade e causar prejuízos aos seus credores.

    8. Não obstante, considerou-se no Acórdão recorrido que “(…) os factos provados demonstram a pré existência de um grave ilícito civil que apresenta autonomia, uma declarada judicialmente insolvência e uma constatação face à simples leitura da decisão recorrida que a conduta do arguido é descaradamente dolosa, ao menos no campo cível”, concluindo pela existência de erro notório na apreciação da prova ao ter sido dado como provado algo que está notoriamente errado no que aos factos constantes dos pontos 2) a 9) dizem respeito.

    9. Ao assim decidir incorreu o Tribunal da Relação em errada interpretação e aplicação da lei, uma vez que sendo o erro notório na apreciação da prova um conceito técnico-legal, o mesmo terá que ser detetável na decisão, o que não é manifestamente o caso, pois os contratos mencionados na alínea b) são os contratos celebrados em 2011 e referidos nos pontos 4) e 5) dos factos provados, e, nessa data a sociedade Carmem e Gameiro Lda. não estava em eminência falimentar (al. a) dos factos não provados), a qual apenas se verifica em 2016 (ponto 6) dos factos provados).

    10. Do mesmo modo, no que aos demais contratos respeita e mencionados nas alíneas c) a f) dos factos não provados e agora constantes dos pontos 12 a 15 adicionados, também não enfermam de qualquer erro notório da apreciação da prova, pois todos são anteriores à data da entrada em Juízo da Petição de Insolvência, ocorrida em Maio de 2016, tendo a sociedade requerida sido citada editalmente em 24-08-2017 e vindo a decisão de insolvência a ser decretada em 02-02-2018.

    11. Pelo que ver nos factos dados como provados e não provados pelo Tribunal de 1.ª instância um claro, notório e evidente erro na apreciação da prova se traduz numa violação e incorreta interpretação da lei.

    12. Como tem sido entendimento tais vícios ou anomalias da decisão têm que ser intrínsecos à própria decisão por si só ou conjugados com as regras da experiência comum, situação que não se verifica como resulta da fundamentação de facto constante da decisão proferida, reforçada pela experiência comum com a irrazoabilidade ou improbabilidade de prever e ter a intenção de praticar tais factos com antecedência de 6 anos.

    13. Cotejada a motivação do recurso apresentado e o Acórdão Recorrido, dúvidas não restam que a Demandante invocou erro na apreciação das provas e na fixação dos actos materiais da decisão que absolveu o arguido do pedido cível ao invés do acórdão recorrido que assenta no erro notório na apreciação da prova mencionado na al. c) do n.º 2 do art.º 410.º do CPP, que não se confunde, nem se pode confundir, com o erro suscitado em sede de recurso.

    14. Ao assim decidir o Acórdão em apreço, julgou procedente o pedido cível formulado, por considerar preenchidos os pressupostos da responsabilidade civil e os danos daí decorrentes serem de mera contabilização do empobrecimento/enriquecimento das indicadas sociedades, com a concretização da sua quantificação pela multiplicação do prejuízo de ambos os contratos pelo período de vigência de 39 meses à razão de € 1.900,00 mensais.

    15. Ficando, desta forma, a procedência de tal pedido apenas justificada na apontada alteração da matéria de facto a qual não se encontra fundamentada nem justificada face ao que a este respeito consta da decisão proferida em 1.ª instância.

    16. Como resulta da decisão de 1.ª instância, o que importava saber era se o arguido celebrou aqueles contratos com intenção de prejudicar os credores, o que foi feito através da análise crítica, detalhada e ponderada de toda a prova documental e testemunhal, concluindo pela não verificação e prova de qualquer...

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