Acórdão nº 725/20.4T9PTL-A.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 06 de Junho de 2022
Magistrado Responsável | ANT |
Data da Resolução | 06 de Junho de 2022 |
Emissor | Tribunal da Relação de Guimarães |
Acordam, em conferência, os Juízes da Secção Criminal do Tribunal da Relação de Guimarães I. RELATÓRIO 1.
Pelo Departamento de Investigação e Acção Penal, Secção de Ponte de Lima, da Procuradoria da República da Comarca de Viana do Castelo, correu termos o Inquérito nº 725/20.4T9PTL, o qual foi aberto na sequência da queixa-crime que, em 03/12/2020, M. E., na qualidade de administradora de insolvência de «X, Unipessoal Lda.», apresentou contra M. F. e L. P., na qual, em síntese, dava conta que o veículo automóvel de marca «Ford», modelo «Transit», e matrícula IA, apreendido a favor da massa insolvente no âmbito do processo de insolvência que corre termos sob o nº 1152/20.9T8VCT, no Juízo de Comércio de Viana do Castelo, foi danificado em virtude de um acidente de viação ocorrido no dia 14/09/2020, após a dita apreensão, e enquanto se encontrava na posse da gerente da empresa insolvente, a mencionada M. F..
*2.
A descrita factualidade seria susceptível de, em abstracto, consubstanciar a prática de um crime de descaminho ou destruição de objectos colocados sob o poder público, p. e p. pelo Artº 355° do Código Penal, em concurso aparente com o crime de dano, p. e p. pelo Artº 212°, n° 1, do Código Penal, e em concurso efectivo com o crime de frustração de créditos, p. e p. pelo Artº 227°-A, n° 1, do Código Penal.
*3.
Tendo tal inquérito merecido despacho de arquivamento por banda do Ministério Público relativamente aos arguidos M. F. e L. P., por não ter sido possível obter indícios suficientes da prática dos aludidos crimes, veio a identificada M. E., na qualidade de denunciante (e, concomitantemente, de administradora de insolvência da dita sociedade), solicitar a sua constituição como assistente, e requerer a abertura de instrução, em consonância com o disposto nos Artºs. 68º, nº 1, al. a), 286º e 287º, do C.P.Penal.
*4.
No exercício do contraditório a que alude o Artº 68º, nº 4, do C.P.Penal, a Exma. Procuradora da República exarou nos autos a promoção cuja cópia consta de fls. 24, que ora se transcreve (1): “Pedido prévio de constituição como Assistente: Visto.
1) As funções e exercício do administrador de insolvência (em cumprimento de um dever legal de interesse público) prendem-se essencialmente, com a liquidação da massa insolvente.
2) Após a declaração de insolvência da sociedade e até à sua extinção, existe um período na vida útil da sociedade em que coexistirão duas entidades que validamente a representam, cada uma no seu campo de intervenção específico, que não se sobrepõem.
3) Um dos aspectos que extravasa o âmbito das questões patrimoniais relativas à insolvência são todas aquelas relativas a processos-crime e, assim, a todas essas questões, a representação da sociedade caberá, portanto, ao respectivo gerente.
4) A sociedade não poderá considerar-se extinta enquanto não se mostrar efetuado o registo do encerramento da liquidação.
5) Pelo que, deverá manter-se a representação legal da sociedade insolvente, em conformidade com os termos estatutários.
Assim sendo, o Ministério Público promove a não admissão de constituição de assistente, nos termos do artigo 68º, nº 1, alínea a) do Código de Processo Penal a contrario sensu.
Vão os autos à Mma. Juiz de Instrução (...)”.
*5.
E, nessa sequência, em 16/02/2022 a Mmª Juíza de Instrução Criminal proferiu o despacho cuja cópia consta de fls. 25, com o seguinte teor: “Verifica-se que M. E.
requereu a sua constituição como assistente, sendo que o Ministério Público já se pronunciou sobre essa pretensão, sem nada opor à mesma, e os arguidos, notificados para se pronunciarem, nada disseram.
Assim, dado que o requereu em tempo, dispõe de legitimidade para tal, encontra-se dispensada do pagamento da taxa de justiça respectiva e devidamente representada por advogado, admite-se a denunciante a intervir nos autos com a qualidade de assistente, nos termos dos arts. 68º, nº 1, al .a) e nº 3, al. a); 70º e 519º do C.P.Penal.
(...).
*6.
Inconformado com esse despacho, dele veio o Ministério Público interpor o presente recurso, nos termos da peça processual que consta de fls. 27/30, cuja motivação é rematada pelas seguintes conclusões e petitório (transcrição): “I. O Ministério Público discorda, em absoluto, com a douta decisão do Tribunal Local Criminal de Ponte de Lima que, em suma, admitiu a constituição de assistente da M. E. (Administradora de Insolvência).
-
A requerente M. E. não requereu a sua constituição como assistente em nome da massa insolvente da «X, Unipessoal Lda.».
-
Nem sequer alegou a requerente M. E. que tivessem sido retirados bens da esfera patrimonial da massa insolvente, nem demandou a restituição à mesma e/ou obtida indemnização equivalente à sua perda ou falta para a massa.
-
Ora seja, a requerente M. E. não declarou pretender ver deduzido o pedido de indemnização civil nos presentes autos, donde inexiste, no caso concreto, qualquer caráter patrimonial que interessa à insolvência (concretamente à Massa Insolvente da «X, Unipessoal Lda.»).
-
Não se desconhece que, no caso, a gerente não tem legitimidade processual ativa para se constituir assistente, porém, dispõe o artigo 81º n° 4 do CIRE que ‘O administrador da insolvência assume a representação do devedor para todos os efeitos de caráter patrimonial que interessem à insolvência”, motivo pelo qual vem sendo entendido que o Administrador de Insolvência não representa a sociedade no tocante à responsabilidade criminal da sociedade.
-
As funções e exercício do administrador da insolvência (em cumprimento de um dever legal de interesse público) prendem-se essencialmente, com a liquidação da massa insolvente.
-
Um dos aspetos que extravasa o âmbito das questões patrimoniais relativas à insolvência são todas aquelas relativas a processos-crime e, assim, a todas estas questões, a representação da sociedade caberá, portanto, ao respetivo gerente. A sociedade não pode considerar-se extinta enquanto não se mostrar efetuado o registo do encerramento da liquidação, pelo que, deverá manter-se a representação legal da sociedade insolvente, em conformidade com os termos estatutários.
-
Assim, smo, consideramos que ao decidir como decidiu o Tribunal a quo violou o disposto no artigo 81°, n° 1 e 4 do CIRE e o artigo 68°, n° 3, al a) e b) e artigo 287°, n° 1, al b) do Código Processo Penal, com manifesto erro decisórios nos pressupostos de direito e de...
Para continuar a ler
PEÇA SUA AVALIAÇÃO