Acórdão nº 81/15.2JBLSB-M.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 07 de Junho de 2022
Magistrado Responsável | F |
Data da Resolução | 07 de Junho de 2022 |
Emissor | Tribunal da Relação de Évora |
Acordam, em conferência, na Secção Criminal, do Tribunal da Relação de Évora: 1. RELATÓRIO 1.1. No processo comum n.º 81/15.2JBLSB, do Tribunal Judicial da Comarca de Setúbal, Juízo Central Criminal, Juiz 2, realizada audiência a que alude o artigo 472º, n.º 1, do Código de Processo Penal ex vi artigo 78º n.º 2, do Código Penal, relativamente ao arguido MAN, com vista à realização de cúmulo jurídico das penas parcelares em que este foi condenado nesses autos e nos processos n.º 1232/14.0PHLRS (do Juízo de Pequena Criminalidade de Loures) e n.º 428/15.1JACBR (do Juízo Central Criminal de Santarém), foi proferido acórdão, em 19/11/2021, que decidiu não proceder a tal cúmulo jurídico.
1.2. Inconformado com o assim decidido, o arguido interpôs recurso para este Tribunal da Relação, extraindo da motivação apresentada as conclusões que seguidamente se transcrevem: «1. O douto acórdão ora sob censura começa por enfatizar que existem “in casu” os requisitos objetivos exigíveis por lei para a formulação do necessário cúmulo jurídico (se não existissem tais requisitos certamente que o douto Tribunal não teria designado e procedido à respectiva audiência de cúmulo, com todos os intervenientes processuais: Magistrados, mandatários e arguidos) 2. Mas no decorrer da fundamentação entende (o douto acórdão) que dada personalidade revelada pelo recorrente e a natureza dos crimes que são “graves” e alguns deles punidos com prisão, este não deva ser de certo modo “beneficiado” nas regras da formulação do cúmulo, pelo que, de acordo com este severo e securitário entendimento as “contas” a fazer devem ser outras (pois que o aludido “factor de compressão – equacionado a pág. 27/28 passaria a ter ser “mais curto” fixando-se em ½ (pag. 28 do recorrido acórdão). O que tudo resultaria numa condenação do arguido numa pena ainda maior… (vide pág.
29 do decidido) 3. Ora, para encontrar as regras “normais” da formulação do cúmulo – não deve prevalecer a apurada medida do dolo ou a caracterização do crime ou a “vivência” ou o “percurso” do arguido, nem se a estes foram imputados crimes “graves” (quando este não foi julgado por homicídio”) e muito menos a alegação que algumas dessas penas foram de prisão efetiva.
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Ao proceder desse modo – e ao contextualizar desse modo – a postura do arguido traduzida nas penas em que já foi condenado, para mais transitadas em julgado, a instância violou, por erro de interpretação o disposto no art.º 77.º e 78.º do Código Penal, fazendo de tal preceito uma interpretação materialmente inconstitucional por violação dos direitos de defesa do arguido e dos princípios estruturantes do processo penal para o arguido consignados no art.º 32.º da Constituição da República.
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Pelo que o arguido teria sempre direito à formulação de um cúmulo jurídico nos termos legais, com a aplicação de uma pena única, inferior à soma material das penas em concurso.
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Ao assim proceder, revogando o douto acórdão e substituindo-o por decisão que ordene a formulação do apontado cúmulo jurídico, exercerão Vossas Excelências a melhor e mais acostumada Justiça!!» 1.3. O recurso foi regularmente admitido.
1.4. O Ministério Público respondeu ao recurso, pronunciando-se no sentido de dever ser julgado improcedente, formulando, a final, as seguintes conclusões: «1. A decisão recorrida lançou mão do conceito de “factor de compressão” que consta do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça proferido no processo 634/15 em 6 de Janeiro de 2021, não se alcançando em que medida foi o mesmo mal interpretado; 2. A decisão recorrida, norteando-se pelos critérios constantes no Artº 77º, nº 1 do Código Penal – a globalidade dos factos e a personalidade do agente – entendeu que à pena parcelar mais elevada deveria acrescer, no mínimo, 1/3 das demais penas; 3. A operação aritmética resultante desse entendimento culminaria na fixação de uma pena de prisão superior à soma das penas únicas em concurso, uma vez que todas resultam de operações de cúmulo jurídicos anteriores, razão pela qual a decisão recorrida decidiu não o fazer; 4. Dos Artºs 77º e 78º do Código Penal não resulta para o agente do crime o direito a ver diminuída a pena em que foi condenado, uma vez que o limite máximo da pena única a fixar é a soma matemática de todas as penas em concurso (reduzida a 25 anos por imperativo constitucional); 5. Não foram violados quaisquer direitos de defesa do recorrente, nem nenhum princípio estruturante do processo penal.
Face ao exposto, deve ser negado provimento ao presente recurso, mantendo-se integralmente a decisão recorrida.» 1.5. Neste Tribunal, o Exm.º Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer, no sentido da improcedência do recurso, pugnando pela manutenção da decisão recorrida.
1.6. Foi cumprido o disposto no artigo 417º, n.º 2, do Cód. Proc. Penal, não tendo havido resposta.
1.7. Efetuado exame preliminar e colhidos os vistos, vieram os autos à conferência, cumprindo agora apreciar e decidir.
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FUNDAMENTAÇÃO 2.1.
Delimitação do objeto do recurso É consabido que são as conclusões extraídas, pelo recorrente, da motivação do recurso que delimitam o objeto deste último – cf. artigos 402º, 403º e 412º, todos do C.P.P.
Assim, no caso vertente, face às conclusões do recurso em apreciação, a única questão suscitada é a de saber se se impunha, porque legalmente exigido, que fosse realizado cúmulo jurídico (superveniente), englobando as penas parcelares em que o ora recorrente, foi condenado no processo n.º 81/15.2JBLSB e nos procs. nº 1232/14.0PHLRS e n.º 428/15.1JACBR, por forma a ser determinada uma pena única, a aplicar-lhe.
2.2.
Importa ter presente o teor do acórdão recorrido, que, na parte pertinente, para a apreciação da questão suscitada no recurso, se passa a transcrever: «(…) É pressuposto essencial da cumulação material a prática de uma pluralidade de crimes anteriormente à condenação, com trânsito em julgado, por qualquer um deles, nos termos do disposto no artigo 77º, n.º 1 do Código Penal ou, no quadro do estatuído no artigo 78º, n.º 2 do Código Penal (que amplia o conhecimento superveniente de concurso de crimes previsto no n.º 1 do mesmo dispositivo legal) após o trânsito, desde que os factos sejam anteriores à condenação, sendo a pena que já tiver sido cumprida descontada no cumprimento da pena única aplicada no concurso de crimes.
No caso em apreço, e com relevo para a presente sede, verifica-se que: I - Nos presentes autos, foi o arguido condenado pelo cometimento concursal de 3 (três) crimes de branqueamento previsto e punido pelo artigo 368.º - A do Código Penal na pena de 3 anos de prisão por cada um dos crimes praticados, pela prática de 2 (dois) crimes de furto qualificado tentado previsto e punido pelos artigos 203.º, 204.º n.º 1, alínea a) e) n.º 2, alíneas a) e g), ex vi 202.º, alínea b) e 22.º e 23.º do Código Penal na pena de 1 ano e 6 meses de prisão por cada um dos crimes praticados, por 2 (dois) crimes de furto qualificado previsto e punido pelo artigos 203.º e 204.º n.º 1, alínea e) e n.º 2, alíneas a) e g), ex vi 202.º alínea b) do Código Penal na pena de 2 anos e 2 meses de prisão por cada um dos crimes praticados, de 2 (dois) crimes de falsificação de documento agravada prevista e punida pelo artigo 256.º n.º 1, alínea e) e n.º 3 do Código Penal [matrícula ….] na pena de 1 ano de prisão por cada um dos crimes praticados, de 2 (dois) crimes de dano simples previsto e punido pelo artigo 212.º n.º 1 do Código Penal na pena de 6 meses de prisão por cada um dos crimes praticados, de 2 (dois) crimes de dano qualificado previsto e punido pelo artigo 213.º n.º 1 alínea c) do Código Penal na pena de 2 anos e 2 meses de prisão por cada um dos crimes praticados, de 1 (um) crime de dano qualificado previsto e punido pelo artigo 213.º n.º 1 alíneas a) e b) e n.º 2 alínea a) do Código Penal, na pena de 3 anos de prisão, de 3 (três) crimes de provocação de explosão previsto e punido pelo artigo 272.º n.º 1, alínea b) do Código Penal na pena de 3 anos e 8 meses de prisão por cada um dos crimes praticados, penalidades após cumuladas entre si, aplicando-se ao arguido uma pena única de 7 (sete) anos de prisão. O acórdão condenatório mostra-se datado de 29/05/2019, tendo transitado em julgado em 6/11/2020. A factualidade ali dada por assente por referência ao arguido mostra-se temporalmente compreendida entre fevereiro e setembro de 2015; II) No âmbito do Processo Sumário n.º 1232/14.0PHLRS, que correu termos no Juízo de Pequena Criminalidade de Loures (Juiz 2), o arguido fora condenado pelo cometimento, em 3/12/2014, de 1 (um) crime de condução de veículo sem habilitação legal, p. e p. pelo artigo 3º, n.ºs 1 e 2 do DL n.º 2/98, de 3 de janeiro, por sentença proferida em 17/02/2015, transitada em julgado em 11/04/2016, na pena de 9 (nove) meses de prisão efetiva, da qual deu integral cumprimento (mostrando-se já declarada a sua extinção); III) No âmbito do Processo Comum Coletivo n.º 428/15.1JACBR, que correu termos no Juízo Central Criminal de Santarém (Juiz 4), o arguido fora condenado mediante acórdão proferido em 25/01/2018, transitado em julgado em 26/02/2018, pela prática, como coautor material, na forma tentada, de 1 (um) crime de incêndio e explosões, p. e p. pelo artigo 272º, n.º 1, alínea b), 22º, 23º e 73º do Código Penal, e de 1 (um) crime de furto qualificado tentado, p. e p. pelos artigos 203º e 204º, n.º 1, alínea a), 22º, 23º e 73º, todos do Código Penal, nas penas parcelares, respetivamente, de 2 (dois) anos e 1 (um) ano de prisão, após cumuladas na pena única de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão efetiva. Os factos ali sancionados reportam-se a factualidade ocorrida em 11 de dezembro de 2015; IV) Por outro lado, da análise do CRC do arguido emerge ainda que o mesmo sofreu condenação no âmbito do Processo n.º 232/13.1IPLLS do Juízo Local Criminal de Lisboa, por factualidade ocorrida em 5/07/2013, por via de sentença proferida em 15/12/2014, devidamente transitada em julgado, em pena única de 1 ano e 9...
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