Acórdão nº 3604/22.7T8LRS.L1-2 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 26 de Maio de 2022

Magistrado ResponsávelORLANDO NASCIMENTO
Data da Resolução26 de Maio de 2022
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Acordam os Juízes que constituem o Tribunal da Relação de Lisboa.

  1. RELATÓRIO.

    O Ministério Público, invocando o disposto nos artigos 3.º, n.ºs 1 e 2, alínea d); 11.º, alínea c); 72.º, n.º 3; 73.º, n.º 1, al. b), 79.º, nº 1; 101.º, nº 1 e 105.º, n.º 1 da Lei n.º 147/99 de 1 de setembro e 2.º e 4.º, al. i) do Estatuto do Ministério Público, requereu a abertura de processo judicial de promoção e protecção em relação a Valeriia …, nascida a 13-6-2004, cidadã Ucraniana, com fundamento em síntese, em que a mesma se encontra em Portugal, em virtude do estado de guerra naquele país, no qual permanecem os seus pais e restantes familiares, estando acompanhada de uma cidadã ucraniana, nascida a 25-5-1985, com a qual não tem vínculo familiar, tendo já solicitado protecção temporária nos termos do disposto Resolução do Conselho de Ministros nº 29-A/2022, de 1 de março, alterada pela RCM nº 29-D/2022, de 11 de março em Portugal, necessitando de aplicação de medida que a afaste do perigo em que se encontra.

    O tribunal a quo indeferiu liminarmente a petição com fundamento, em síntese, em que só depois da intervenção das entidades responsáveis, previstas nos art.ºs 7.º e 4.º da LPCJP se poderá ponderar da necessidade da intervenção do tribunal.

    Inconformado com essa decisão, o Ministério Público dela interpôs recurso, recebido como apelação, pedindo a sua revogação e a substituição por outra que determine a abertura de instrução e a realização de diligências previstas nos artigos 106.º n.º 1 e n.º 2 e 107.º da LPCJP, formulando para o efeito as seguintes conclusões: I - A representação, defesa e promoção dos direitos e interesses das crianças e dos jovens constitui uma área de intervenção do Ministério Público, concretizada nos artigos 4.º n.º1 e 9.º do Estatuto aprovado pela Lei n.º 68/2019 de 27.08 e em diversos diplomas, no Código Civil, no artigo 17.º do RGPTC e na Lei de Promoção e Protecção de Crianças e Jovens em Perigo (LPCJP), por referência ao artigo 219.º da Constituição da República Portuguesa.

    II – Em 2.04.2022 com vista a assegurar o superior interesse da jovem, entendendo que a mesma se encontra em perigo e a carecer da aplicação de uma medida de promoção e protecção, o Ministério Público deu entrada em Juízo do processo judicial de promoção e protecção.

    III – Em 8.04.2022 foi proferida decisão judicial em que se considerou ter ocorrido violação entre outras normas dos artigos 4.º al. K e11º da LPCJP, violação do princípio da subsidiariedade e da intervenção mínima e indeferiu liminarmente a petição inicial, determinado o arquivamento dos autos, por não ser legalmente admissível a propositura da mesma em conformidade com o disposto nos arts. 4º., 5º alínea d), 7º, 8º e 11º, 106.º, n.º 2 al. b) e 111.º, todos da L.P.C.J.P.

    IV - Estamos perante um processo de promoção e protecção que tem por objecto a promoção dos direitos e protecção da jovem Valeriia ..., nascida em 13.06.2004, filha de ... Serhii e de ... Nataliia, que residia com os seus pais na Ucrânia, donde é natural e nacional, por forma a garantir o seu bem-estar e o desenvolvimento integral – artigo 1.º da LPCJP.

    V- Por via doesta do de guerra que assola a Ucrânia e a fim de buscar protecção e segurança, a jovem deslocou-se para Portugal, onde entrou em 11-3-2022, ficando os seus pais e demais familiares na Ucrânia.

    VI – Viajou acompanhada da cidadã ucraniana Kateryna ..., nascida a 25-5-1985, com a qual não tem qualquer vínculo familiar.

    VII - A menor, desacompanhada dos seus progenitores ou legais representantes legais, apresentou-se junto dos Serviço de Estrangeiros e Fronteiras a fim de solicitar protecção temporária nos termos do disposto na Resolução de Conselho de Ministros n.º29-A/2022 de 1.03, alterada pela Resolução do Conselho de Ministros n.º29-D/22 de 11.03.

    VIII – A jovem encontra-se desacompanhada dos seus pais, seus legais representantes, aos cuidados de uma pessoa com a qual não tem qualquer vínculo familiar, que se encontra desempregada e sem rendimentos económicos, ambas alojadas em casa de terceiro, na Rua São ..., ….

    IX - A jovem está na prática entregue a si própria, não conhece a língua portuguesa e não recebe os cuidados adequados à sua idade e situação pessoal, situação legitimadora da intervenção.

    X - Atendendo à situação da jovem, urgindo acautelar os seus direitos e superior interesse, por forma a garantir o seu bem-estar e desenvolvimento integral, torna-se urgente, adequada e necessária a aplicação a titulo provisório da medida cautelar de promoção e protecção de Apoio junto de Pessoa Idónea, nos termos dos artigos 35.º n.º 1 alínea c) e 37.º da LPCJP ou outra que melhor se adequa à sua situação.

    XI -Considerando a menoridade e o facto de não estar acompanhada de um legal representante, importa ainda que lhe seja nomeado um curador para os efeitos previstos no artigo 18.º n.º1 e n.º 2 da Lei n.º 67/2003 de 23.08, artigo 67.º do RGPTC e artigo 16.º e 17.º do Código de Processo Civil, nada impedindo que tal nomeação tenha lugar no âmbito do próprio processo de promoção e protecção, à semelhança do procedimento que lugar no nosso país para salvaguardar a situação jurídica dos jovens oriundos do Afeganistão e Síria no âmbito do programa europeu, ao qual Portugal aderiu, designado “Recolocação de Menores Não Acompanhados” (Recolocation for Unaccompanied Minors) ao abrigo do artigo 13.º do Regulamento (CE) n.º2201/2003 do Conselho de 27.11.2003, n.º 2 do artigo 17º do Regulamento (UE) N. o 604/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho de 26 de junhode2013, Convenção sobre os Direitos da Criança, Convenção relativa à Competência, à Lei aplicável, ao Reconhecimento, à Execução e à Cooperação em Matéria de Responsabilidade Parental e Medidas de Protecção das Crianças, adoptada em Haia em 19.10.1996, aprovada pelo Decreto n.º52/2008 de 13.11 e publicado no DR, I Série, n.º 221, de 13.11.2008, nomeando-se um curador para os efeitos previstos no artigo 79.º da Lei de Asilo - Lei n.º27/2008 de 30.06 na redacção dada pela Lei n.º26/2014 de 05.05 e artigo 16.º e 17.º do Código de Processo Civil.

    XII – A sociedade e o Estado têm o especial dever de desencadear as acções adequadas à protecção da criança vítima de violência, abuso sexual, exploração, abandono ou tratamento negligente ou por qualquer outra forma privada de um ambiente familiar normal nos termos do...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT