Acórdão nº 19/21.8PFGMR.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 23 de Maio de 2022

Magistrado ResponsávelPAULO SERAFIM
Data da Resolução23 de Maio de 2022
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam, em conferência, os Juízes desta Secção Criminal do Tribunal da Relação de Guimarães: I – RELATÓRIO: ▪ No âmbito do Processo Abreviado nº 19/21.8T9MNC, do Tribunal Judicial da Comarca de Braga - Juízo Local Criminal de Guimarães – Juiz 3, por sentença proferida e depositada no dia 08.10.2021, foi decidido (referências 175395523 e 175407558, respetivamente): “Pelo exposto, julga-se a acusação procedente e consequentemente decide-se:

  1. Condenar o arguido A. P.

    , pela prática de um crime de condução em estado de embriaguez, p. e p. pelo artigo 292º, nº 1, do Código Penal, na pena de 60 (sessenta) dias de multa, à taxa diária de € 5,50 (cinco euros cinquenta cêntimos).

  2. Condenar o arguido na pena acessória de proibição de conduzir veículo motorizado pelo período de 4 (quatro) meses, nos termos do disposto no artigo 69º, nº 1, alínea a), do Código Penal.

  3. Condenar o arguido no pagamento das custas processuais a que deu causa, fixando-se a taxa de justiça em 02 (duas) UC – artigos 513º e 514º do CPP e artigo 8º, nº 5, e Tabela III do Regulamento das Custas Processuais.” ▬ ▪ Inconformado com tal decisão, dela veio o arguido A. P. interpor o presente recurso, que, após dedução da motivação, culmina com as seguintes conclusões e petitório (referência 12187476): “I. O presente recurso tem como objeto a matéria de facto e de direito da sentença proferida nos presentes autos.

    1. Satisfazendo a exigência normativa do artº 412º nº 3 al. a) do CPP, impugna-se a decisão sobre a matéria de facto concretamente nos pontos 6 e 8, por incorretamente fixados e ainda o ponto 4 que deveria dar-se como não provado.

    2. Porquanto, resulta necessariamente decisão diversa sobre os pontos de facto aqui postos em crise, atenta a prova produzida designadamente os depoimentos das testemunhas M. L. e M. C..

    3. Quanto ao facto 6º: Considera o recorrente que o tribunal à quo não atendeu na íntegra, neste ponto de facto, ao testemunho da M. L. gravado no sistema sob o ficheiro 20210909-154359-5938369-2870588, designadamente ao minuto “00:02:00 a 00:05:40, quando refere.

    4. Entende-se ainda que, o tribunal à quo, igualmente desconsiderou, ainda que parcialmente, o depoimento da testemunha M. C. gravado no sistema sob o ficheiro 20210929-153105-5938369-2876588 ao minuto 00:03:50 a 00:06:56: “ele começou a correr e a fugir para dentro de casa (…) então eles começaram a bater á porta e queriam invadir a porta” VI. Dos depoimentos destas duas testemunhas, que aliás corroboraram na íntegra as declarações do recorrente, resultou provado que os indivíduos de etnia cigana, não ficaram só a bater à porta do apartamento para onde fugiu o recorrente, mas também ameaçaram que arrombavam a porta e que partiam tudo.

    5. Pela descrição que resulta dos dois depoimentos, M. L. e M. C., tanto estes como o recorrente ficaram convencidos que os indivíduos de etnia cigana eram mesmo capazes de arrombar a porta para chegar ao recorrente, tal era a ansia de vingança, por este ser da etnia deles e desrespeitar uma das “leis” mais básicas dessa comunidade – O facto de ser proibido ouvir música cigana quando a comunidade está de luto. Neste ponto relevam ainda o depoimento da testemunha M. C. do minuto 00:03:00 a 00:04:15.

    6. Ademais, como referem as duas testemunhas e o próprio recorrente nas suas declarações, e como resulta aliás do senso comum, um indivíduo dessa etnia nunca age sozinho, eles facilmente e rapidamente se organizam e, sendo caso de “fazer justiça”, com muita mais rapidez e motivação. Como referiu a testemunha M. C. minuto 00:04:25 a 00:04:50, quando há confusão rapidamente aparecem todos, convocam-se por uma espécie de código e rapidamente acorrem todos ao local.

    7. A decisão sobre este ponto de facto deveria ser a seguinte: Facto 6º - A dado momento o recorrente abandonou o referido apartamento para ir buscar um objecto ao veículo, que se encontrava estacionado junto ao prédio, altura em que foi abordado por diversas pessoas de etnia cigana, as quais manifestavam o seu descontentamento por o recorrente estar a ouvir música quando, estavam a passar por um período de luto, descontentamento que desembocou em agressão física sobre o recorrente, o qual logrou refugiar-se no apartamento do referido amigo, sendo que as referidas pessoas foram no seu encalço, tendo ficado a bater à porta do apartamento com violência, ameaçando e fazendo crer que iriam arrombar a porta X. Não concorda ainda o recorrente com o fixado no ponto 8 da matéria de facto, pois também neste ponto, o tribunal desconsiderou o que ficou dito pela testemunha M. C., que esteve sempre com o recorrente e cujo depoimento não foi posto em causa. Refere esta testemunha ao minuto 00:05:00 a 00:05:13: “E ele fugiu pelo quintal, e ao fugir pelo quintal, viu que estavam a tentar partir o carro dele, eu chamo a polícia foi eu que chamei a PSP…” E ao minuto 00:05:40 a 00:06:15: “Metemo-nos no carro e então vimos a PSP nesse preciso momento, passado dois ou três minutos, que eu não conseguia sair dali do carro.. arrancamos …mas foi só ali muito curto, foi só ali na zona o largo, saímos dali com o carro porque eles estavam a tentar partir o carro, destruir o carro e então entramos e a PSP, nesse preciso a carrinha da PSP passou e eu foi quando lhe disse ele, foi eu que chamei a polícia vamos ali ter com a polícia.” XI. Do depoimento desta testemunha, resulta: por um lado, que o recorrente apercebendo-se que lhe poderiam partir o carro, dirigiu-se para o mesmo e colocou-se no seu interior, assim como a testemunha M. C. e que o recorrente só pôs o carro em funcionamento e arrancou, porque os indivíduos estavam a bater no carro, fazendo-o temer pela sua integridade física, pois estavam armados com paus e ferros e facilmente partiam um vidro e o atingiam.

    8. O recorrente avistou a carrinha da PSP, tendo esse facto sido também decisivo para arrancar com o carro, de modo a ir ao seu encontro para se proteger.

    9. De acordo com a prova enunciada o facto 8 deveria ter a seguinte redação: 8) O recorrente, receoso do que pudesse acontecer-lhe, designadamente na sua integridade física, decidiu abandonar o apartamento, o que fez, saltando da varanda, situada nas traseiras e, porque apercebeu-se que os indivíduos poderiam partir-lhe o carro, correu para o carro e fechou-se lá dentro juntamente com o M. C.. Quando os indivíduos o rodearam e começaram a bater no carro, munidos de paus e ferros, o recorrente avistou a carrinha da PSP, pôs a viatura em funcionamento e foi ao encontro da PSP para se proteger.

    10. Aproveitando e reiterando todo o suporte impugnatório supra referido, designadamente as referências aos segmentos dos depoimentos a que se aludiu, com relação aos factos 6º e 8º, pelas mesmas razões, não se conforma o recorrente ter-se dado como provado o facto 4º da acusação quando deveria ter-se dado como não provado.

    11. Neste ponto e face ao supra exposto, só poderá retirar-se que o recorrente não agiu com liberdade e deliberadamente, antes agiu em defesa da sua integridade física, pois não tinha outra opção face à ameaça que sobre ele impendia. São relevantes neste ponto sobretudo o depoimento, da testemunha M. C. ao minuto 00:05:40 a 00:06:15, e ainda não menos importante as declarações do próprio agente da PSP, S. T., documentado sob o ficheiro 20210929152116-5938369-2870588, ao minuto 00:02:44 a 00:02:60 onde refere que os indivíduos ficaram muito agitados quando o Sr. A. P. apareceu e que a PSP teve que retirar o Sr. A. P. do local para serenar os ânimos dos indivíduos de etnia cigana e para proteger o recorrente.

    12. Assim deveria o tribunal à quo dar o facto 4º como não provado.

    13. Face à alteração da matéria de facto deveria o tribunal reconhecer a existência da causa da exclusão de ilicitude invocada em julgamento, por atuação do direito de necessidade, o estarem reunidos todos os requisitos da aplicação dessa norma do artº 35º nº 1 do C.P. pois o perigo era atual, eminente não restava outra alternativa ao recorrente, que não fosse fugir, no seu próprio carro, para proteger a sua integridade física ou quiçá a própria vida.

    14. O tribunal à quo não valorizou corretamente as circunstâncias em que o recorrente atuou. Pois que, contrariamente ao que foi entendido, deveria a conduta do recorrente ser considerada causa de exclusão da ilicitude da sua conduta XIX. Pois na verdade, sabendo o tribunal, por ser até ser senso comum:- da forma de atuar dos indivíduos de etnia cigana, que agem em grupo e que por isso adquirem uma força difícil de combater, quantas vezes até pelas autoridades policiais; - sabendo que o recorrente estava acompanhado somente da testemunha M. C., logo numa relação de inferioridade;- sabendo que o perigo que o recorrente corria era, portanto, real, eminente e atual;- tendo-se apurado que o recorrente não tinha outro meio de se defender face às circunstâncias que não fosse fugir, como fugiu, e que uma vez dentro do carro e ao ser amaçado, não tinha outra forma de escapar ao perigo que não fosse encontrar proteção policial. - ponderando: O recorrente podia ter fugido apeado pelas imediações do prédio? Podia, mas mais facilmente era capturado pelos agressores, já que estava num bairro que não conhece, ocupado maioritariamente por esses indivíduos; Deveria o tribunal ter concluído: que embora o recorrente estivesse sob a influência de álcool agiu, como qualquer pessoa agiria na mesma situação, não sendo exigível outra conduta.

    15. Resulta assim, que estes critérios foram obliterados pelo tribunal ao não lhes dar a devida relevância, tendo assim o tribunal errado na interpretação e por conseguinte errado na subsunção dos factos ao direito sendo que no entender do recorrente estas circunstâncias devidamente ponderadas só poderiam ter um resultado – exclusão da ilicitude.

    16. Face às circunstâncias apuradas a causa de exclusão da ilicitude e como tal deveria o recorrente ter sido absolvido do crime de condução em estado de embriaguez p. e p. pelo artº 292º nº 1 e 69º n 1 a) do Código...

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