Acórdão nº 393/22 de Tribunal Constitucional (Port, 26 de Maio de 2022

Magistrado ResponsávelCons. Gonçalo Almeida Ribeiro
Data da Resolução26 de Maio de 2022
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 393/2022

Processo n.º 146/2022

3.ª Secção

Relator: Conselheiro Gonçalo de Almeida Ribeiro

Acordam na 3.ª secção do Tribunal Constitucional

I. Relatório

1. Nos presentes autos, vindos do Tribunal Central Administrativo Norte, em que é recorrente Banco A., S.A., e recorrida a Autoridade Tributária e Aduaneira, foi interposto o presente recurso, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro (Lei do Tribunal Constitucional, referida adiante pela sigla «LTC»), do acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, de 25 de fevereiro de 2021.

2. A ora recorrente propôs ação administrativa especial contra a ora recorrida, com vista a impugnar o indeferimento do pedido de demonstração do preço efetivo de transmissão de imóveis, por não terem sido anexados os documentos de autorização de acesso à informação bancária respeitante aos administradores da sociedade, e a obter a condenação do recorrido na prática do ato de deferimento do pedido.

Por sentença proferida em 8 de fevereiro de 2020, o Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto julgou a ação improcedente. A ora recorrente interpôs recurso de tal sentença para o Tribunal Central Administrativo Norte, que, por acórdão datado de 25 de fevereiro de 2021, negou provimento ao recurso.

Com interesse para o recurso de constitucionalidade, pode ler-se em tal aresto:

«II.2.2. A Recorrente continua a insurgir-se contra a sentença, imputando-lhe erro de julgamento de direito relativamente à invocada inconstitucionalidade do artigo 139.º, n.° 6 do CIRC, por violação dos seguintes princípios: da reserva à intimidade da vida privada, do princípio da proporcionalidade, do Estado de Direito, do acesso ao direito e à tutela jurisdicional efetiva, da tributação das empresas pelo rendimento real e da igualdade tributária. [Conclusões 15.º a 33.a]

Apreciemos.

O artigo 139.º do CIRC (anterior 129.º), sob a epígrafe "Prova do preço efetivo na transmissão de imóveis" determina que:

"1 - O disposto no n.° 2 do artigo 64.° não é aplicável se o sujeito passivo fizer prova de que o preço efetivamente praticado nas transmissões de direitos reais sobre bens imóveis foi inferior ao valor patrimonial tributário que serviu de base à liquidação do imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis.

2 - Para efeitos do disposto no número anterior, o sujeito passivo pode, designadamente, demonstrar que os custos de construção foram inferiores aos fixados na portaria a que se refere o n.° 3 do artigo 62.º do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis, caso em que ao montante dos custos de construção deverão acrescer os demais indicadores objetivos previstos no referido Código para determinação do valor patrimonial tributário.

3 - A prova referida no n.° 1 deve ser efetuada em procedimento instaurado mediante requerimento dirigido ao diretor de finanças competente e apresentado em Janeiro do ano seguinte àquele em que ocorreram as transmissões, caso o valor patrimonial tributário já se encontre definitivamente fixado, ou nos 30 dias posteriores à data em que a avaliação se tornou definitiva, nos restantes casos.

4- O pedido referido no número anterior tem efeito suspensivo da liquidação, na parte correspondente ao valor da diferença positiva prevista no n.° 2 do artigo 64.°, a qual, no caso de indeferimento total ou parcial do pedido, é da competência da Direcção-Geral dos Impostos.

5 - O procedimento previsto no n.° 3 rege-se pelo disposto nos artigos 91.°e 92.° da Lei Geral Tributária, com as necessárias adaptações, sendo igualmente aplicável o disposto no n.° 4 do artigo 86.° da mesma lei.

6 - Em caso de apresentação do pedido de demonstração previsto no presente artigo, a administração fiscal pode aceder à informação bancária do requerente e dos respetivos administradores ou gerentes referente ao período de tributação em que ocorreu a transmissão e ao período de tributação anterior, devendo para o efeito ser anexados os correspondentes documentos de autorização.

7 - A impugnação judicial da liquidação do imposto que resultar de correções efetuadas por aplicação do disposto no n.° 2 do artigo 64.°, ou, se não houver lugar a liquidação, das correções ao lucro tributável ao abrigo do mesmo preceito, depende de prévia apresentação do pedido previsto no n. ° 3, não havendo lugar a reclamação graciosa.

8 - A impugnação do ato de fixação do valor patrimonial tributário, prevista no artigo 77.° do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis e no artigo 134.° do Código de Procedimento e de Processo Tributário, não tem efeito suspensivo quanto à liquidação do IRC nem suspende o prazo para dedução do pedido de demonstração previsto no presente artigo.".

Como se afirmou no recentíssimo acórdão deste TCAN, de 28.01.2021, proferido no processo 3022/10BEPRT, em que as partes e questões foram as mesmas: "(...)de acordo com o preceito acabado de transcrever, sempre que nas transmissões onerosas previstas no art.º 6.4°, n.° 1 do CIRC, o valor constante do contrato seja inferior ao valor patrimonial tributário definitivo do imóvel, é este o valor a considerar pelo alienante e adquirente, para determinação do lucro tributável (art.º 64.°, n.° 2 do CIRC). Tal não será assim considerado se for apresentado pelo sujeito passivo um pedido de demonstração de preço efetivo praticado nas transmissões.

Tal prova deve ser efetuada em procedimento próprio desencadeado pelo próprio sujeito passivo mediante requerimento dirigido ao Diretor de Finanças competente, o qual se rege pelo disposto nos artigos 91.° e 92.° da LGT.

Face à apresentação do pedido de demonstração do preço efetivo a Administração Fiscal (AF) pode aceder à informação bancária do requerente e dos respetivos administradores ou gerentes referente ao período de tributação em que ocorreu a transmissão e ao período de tributação anterior, devendo para o efeito ser anexados os correspondentes documentos de autorização (negrito e sublinhado nosso), ou seja, a AT tem o poder de aceder às informações bancárias dos sujeitos passivos e/ou dos seus administradores, gerentes ou representantes legais com vista a dissipar as dúvidas sobre o preço em discussão. Assim, a autorização de acesso às contas bancárias do sujeito passivo e dos seus administradores, gerentes ou representantes legais é condição necessária da instauração do procedimento de prova dos preços efetivos.

In casu, o sujeito passivo (Banco A., SA) apresentou o pedido de prova do preço efetivo, mas apenas anexou o documento de autorização para acesso à informação bancária que lhe diz respeito, não o fazendo em relação aos seus administradores.

Ora, a finalidade deste regime de prova é, outrossim, permitir ao sujeito passivo a apresentação de elementos probatórios aptos a demonstrar que não existe qualquer diferença entre o preço declarado no título de transmissão e o preço efetivamente praticado (embora este último seja inferior ao VPT) que justifique a aplicação da norma anti-abuso constante do artigo 64.° do Código do IRC. Por outras palavras, aquilo que incumbe ao sujeito passivo é demonstrar que não existiu qualquer simulação de preço que justifique a consideração de um valor de realização (na perspetiva do vendedor) superior ao preço de venda efetivamente praticado - cfr. artigo 139.° do Código do IRC.

Esta presunção é ilidível, i.e., admite prova em contrário, embora essa prova não seja livre, devendo seguir um procedimento.

Com efeito, a lei desenhou um regime próprio de ilisão. Esse regime encontra-se vertido no art.º 129.°, n.°s 3 a 6 do CIRC (art.º 139.°), traçando-se nestas normas e, complementarmente, na regulamentação constante dos art.º 86.°, n.°4, 91.° e 9.2°, todos da LGT, a disciplina respetiva. Parece, assim, claro que a lei não se basta com os meios gerais de prova para que o contribuinte demonstre que o preço efetivo foi menor que o VPT apurado.

Mais do que isso, a lei optou por criar um procedimento regulamentado para afastar a presunção, cuja tramitação está devidamente prevista na LGT e que passa pelo requerimento da sua abertura, indicação de perito pelo contribuinte, designação de perito pela AT, nomeação de perito independente, reunião de peritos e decisão por acordo ou pelo órgão competente (neste sentido cfr. art.ºs 91.° e 92.° da LGT).

Trata-se de um procedimento formal, iniciado através da apresentação de requerimento dirigido ao Diretor de Finanças competente (art.º 129.°, n.° 3 do CIRC) e seguindo a tramitação estabelecida nos artigos 91.°, 92.° e 84.°, n.° 3, todos da LGT, com as necessárias adaptações (vd. art.º 129.°, n.° 6 do CIRC).

Neste sentido, já teve oportunidade de se pronunciar o Tribunal Central Administrativo Sul, tendo decidido que o procedimento de prova do preço efetivo:

"[...] tem como objetivo a prova pelo sujeito passivo do preço efetivo na transmissão de imóveis permitindo-lhe, assim, obviar à aplicação do disposto no art.° 58-A, n.°2, do mesmo diploma legal (correções ao valor de transmissão de direitos reais sobre bens imóveis)." — e, bem assim, que o acesso da AT às contas bancárias deve limitar-se: "[...] ao estritamente necessário aos fins de demonstração do preço efetivo da transação em causa. " - cfr. Acórdão do TC A Sul, de 1 de outubro de 2014, proferido no processo n.° 06090/12.

A propósito da relevância do acesso às contas bancárias para dissipar eventuais dúvidas quanto ao preço efetivo de um imóvel, decidiu o Tribunal Constitucional: "A lei permite [...] que o interessado faça prova [...] do preço efetivamente praticado, mas com a sujeição, como requisito prévio, à junção de autorização para consulta de dados bancários da requerente e dos seus administradores ou gerentes. O procedimento é, por isso, desencadeado por iniciativa e no interesse do sujeito passivo do imposto e destina-se a ilidir a presunção — de que parte a...

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