Acórdão nº 177/23 de Tribunal Constitucional (Port, 30 de Março de 2023

Magistrado ResponsávelCons. José Eduardo Figueiredo Dias
Data da Resolução30 de Março de 2023
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 177/2023

Processo n.º 102/2022

2.ª Secção

Relator: Conselheiro José Eduardo Figueiredo Dias

Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional

I. Relatório

1. Nos presentes autos, vindos do Tribunal Central Administrativo Norte, em que é recorrente o A., SA e recorrida a AT – Autoridade Tributária e Aduaneira, foi pelo primeiro interposto recurso de constitucionalidade, ao abrigo do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro (Lei da Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional, doravante LTC), da decisão proferida pela Secção de Contencioso Tributário daquele Tribunal, em 11 de novembro de 2021, pretendendo ver apreciada a interpretação normativa ínsita ao artigo 139.º, n.º 6 (anterior artigo 129.º, n.º 6), do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (doravante, IRC), na aceção normativa de que se impõe a autorização de acesso à informação bancária do sujeito passivo/requerente e, mormente, de terceiros (os seus administradores/gerentes) como condição de acesso ao procedimento previsto no artigo 139.º, n.ºs 1 a 3, do Código do IRC e, consequentemente, para elisão da presunção prevista no artigo 64.º, n.º 2, do mesmo Código, por violação de diversos princípios constitucionais, a saber: reserva à intimidade da vida privada, previsto no artigo 26.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa (doravante, CRP); do Estado de Direito (artigo 2.º da CRP); do acesso ao direito à tutela jurisdicional efetiva (artigos 20.º, n.ºs 1 e 4 e 268.º, n.º 4, ambos da CRP); da proporcionalidade (artigo 18.º, n.º 2, da CRP); da tributação das empresas pelo rendimento real (artigo 104.º, n.º 2, da CRP); e da igualdade tributária (artigos 104.º, n.ºs 1 e 2 e 13.º, ambos da CRP).

O processo a quo teve na sua origem uma ação administrativa especial de anulação de ato administrativo e de condenação à prática de ato administrativo devido, em substituição do ato praticado, proposta pelo ora recorrente no Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto contra o despacho do Chefe do Serviço de Apoio às Comissões de Revisão (SACR) da Direção de Finanças do Porto no qual determinou o indeferimento do requerimento de prova do preço efetivo na transmissão de imóveis, nos termos do artigo 139.º, n.º 6, do CIRC.

2. Admitido o recurso por despacho de 18 de janeiro de 2022 e subidos os autos a este Tribunal Constitucional, as partes foram notificadas para apresentar as suas alegações, por despacho de 09 de fevereiro de 2022.

O recorrente apresentou alegações (cfr. fls. 5-TC – 70-TC), sustentando a procedência do recurso, julgando-se inconstitucional a norma ínsita no artigo 139.º, n.º 6, do Código do IRC, concluindo nos seguintes termos (transcrição sem itálicos, sublinhados ou realçados):

«III 1. Do acórdão recorrido

l.a O douto acórdão recorrido negou provimento ao recurso interposto da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, a qual havia julgado improcedente a ação administrativa especial deduzida pelo Recorrente contra o despacho do Chefe do Serviço de Apoio às Comissões de Revisão da Direção de Finanças do Porto, Exmo. Sr. B., datado de 12.01.2011, exarado na Informação n.º 03/2011 daquele SACR da Direção de Finanças do Porto, notificado através do Ofício n.º 2024/0208, de 12.01.2011, o qual determinou o indeferimento do requerimento de prova do preço efetivo na transmissão de imóveis, apresentado pelo ora Recorrente em 23.12.2010, nos termos do disposto no artigo 139.° do Código do IRC, com referência à alienação do prédio urbano sito na freguesia de Esgueira, concelho de Aveiro, inscrito na respetiva matriz predial urbana sob o artigo 1782 e da fração autónoma designada pela Letra "G" do prédio urbano em regime de propriedade horizontal sito na freguesia de Parafita, concelho de Matosinhos, inscrito na respetiva matriz predial urbana sob o artigo 3112-G;

2. a No acórdão recorrido, conclui-se pela não violação dos invocados princípios constitucionais da reserva à intimidade da vida privada, do princípio do Estado de Direito, do princípio do acesso ao direito à tutela jurisdicional efetiva, do princípio da proporcionalidade, do princípio da tributação das empresas pelo rendimento real e do princípio da igualdade tributária;

3. a Por não se conformar, o Recorrente interpôs o presente recurso, ao abrigo do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70.° da LTC;

III 2. Do recurso de constitucionalidade

> Da ratio legis do artigo 139.º do Código do IRC

4. a Para apreciação das questões de constitucionalidade, cumpre ter presente o artigo 64.° do Código do IRC nos termos do qual se afigura possível efetuar "correções ao valor de transmissão de direitos reais sobre bens imóveis";

5. a O legislador pretende evitar que os sujeitos passivos pratiquem operações simuladas com impacto no preço praticado e, bem assim, com impacto na tributação do respetivo rendimento obtido com as alienações de imóveis, tendo para isso recorrido ao conceito de "valores normais de mercado" (cf. artigo 64.°, n.º 1, do Código do IRC);

6. a Ainda assim, como medida preventiva contra eventuais operações abusivas que os sujeitos passivos poderiam ponderar praticar, o legislador estabeleceu no n.° 2 do artigo 64.° do Código do IRC a presunção segundo a qual: "Sempre que, nas transmissões onerosas previstas no número anterior, o valor constante do contrato seja inferior ao valor patrimonial tributário definitivo do imóvel, é este o valor a considerar pelo alienante e adquirente, para determinação do lucro tributável";

7. a Não se pode ignorar, todavia, que existem situações em que, de facto, o preço real e efetivamente praticado é inferior ao VPT e ainda assim aquele continua a ser o "valor normal de mercado";

8. a Quando o preço praticado for inferior ao valor do VPT sem quaisquer motivações fiscais, estas operações não devem considerar-se abusivas;

9. a Foi precisamente para garantir a possibilidade de ilisão da presunção prevista no n.° 2 do artigo 64.° do Código do IRC que o legislador consagrou no artigo 139.° do Código do IRC, enquadrado no capítulo das "garantias dos contribuintes” um mecanismo específico para a "prova do preço efetivo na transmissão de imóveis”;

10. a No n.º 1 do artigo 139.° do Código do IRC não é mencionado qualquer meio de prova como sendo "o" meio idóneo, pois atendendo a que "As provas têm por função a demonstração da realidade dos factos" (cf. artigo 341.° do Código Civil), todas as provas deverão ser admissíveis;

11. a Tendo o legislador expressamente reconhecido que a presunção prevista no n.° 2 do artigo 64.° do Código do IRC poderá ser ilidida mediante prova do preço efetivo do imóvel, estabeleceu-se nos n.ºs 3 a 6 do artigo 139.° do Código do IRC um procedimento específico para que tal prova seja efetuada;

12. a O n.º 6 do artigo 139.° do Código do IRC é uma norma que regula os poderes da administração tributária no âmbito do procedimento de prova do preço efetivo desencadeado pelo sujeito passivo nos termos do n.º 1 e do n.º 3 do artigo 139.° do Código do IRC;

13. a O n.º 6 do artigo 139.° do Código do IRC concede uma mera faculdade à administração tributária, não lhe impondo a obrigação de acesso às referidas informações bancárias;

14. a O singelo facto de o n.º 6 do artigo 139.° do Código do IRC, na redação conferida pela Lei n.º 53-A/2006, de 29 de dezembro, – que incluiu na sua parte final "(...) devendo para o efeito ser anexados os correspondentes documentos de autorização" –, não significa que tais documentos devam ser considerados – como foram na situação sub judice – como condição sine qua non para admissão e apreciação do pedido efetuado pelo sujeito passivo;

15. a Esta alteração ao n.º 6 do artigo 139.° do Código do IRC que passou a prever a possibilidade de a administração tributária aceder à informação bancária do sujeito passivo e dos respetivos administradores ou gerentes, deverá ser interpretada no sentido de que a anexação dos correspondentes documentos de autorização tem como objetivo a agilização da prova do preço efetivo, para que seja mais fácil a administração tributária validar o preço arguido pelo sujeito passivo, somente na eventualidade de os meios de prova juntos ao requerimento não se afigurarem suficientes, pois esta interpretação é a única que se adequa aos princípios constitucionais vigentes na ordem jurídica;

> Da violação do princípio da proporcionalidade (cf. artigo 18.°, n.° 2, da CRP)

16. a O Recorrente pretende ver sindicada, nesta sede, a constitucionalidade da norma ínsita no artigo 139.°, n.º 6, do Código do IRC, na aceção normativa de que se impõe a autorização de acesso à informação bancária do sujeito passivo/requerente e, mormente, de terceiros (os seus administradores/gerentes), como condição de acesso ao procedimento previsto no artigo 139.°, n.ºs 1 a 3, do Código do IRC e, consequente, para ilisão da presunção prevista no artigo 64.°, n.º 2 do Código do IRC, com fundamento em violação do princípio da proporcionalidade;

17. a O artigo 18.°, n.º 2, da CRP, consagra o princípio da proporcionalidade, como critério para as restrições de direitos, liberdades e garantias, que deverá ser analisado em três vetores: necessidade, adequação e proporcionalidade stricto sensu;

18. a A necessidade corresponde à necessidade de intervenção ou decisão por estar em risco um bem jurídico protegido;

19. a A adequação corresponde à adequação do meio escolhido ao fim que se visa atingir com tal atuação;

20. a E a proporcionalidade strito sensu traduz-se na justa medida;

21. a No caso sub judice, ainda que a administração tributária não tenha tido, em momento anterior à apresentação do requerimento nos termos do artigo 139.° do Código do IRC, a oportunidade de lançar mão de diligências instrutórias com vista à confirmação da veracidade dos factos invocados pelo sujeito passivo, a...

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