Acórdão nº 756/22 de Tribunal Constitucional (Port, 09 de Novembro de 2022

Magistrado ResponsávelCons. Mariana Canotilho
Data da Resolução09 de Novembro de 2022
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 756/2022

Processo n.º 349/22

2.ª Secção

Relatora: Conselheira Mariana Canotilho

Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional:

I. Relatório

1. Nos presentes autos, vindos do Tribunal Central Administrativo Sul, em que é recorrente A., SA e recorrida a Fazenda Pública, foi pelo primeiro interposto recurso de constitucionalidade ao abrigo do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro (Lei da Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional, adiante designada por LTC), da decisão proferida por aquele Tribunal, em 10 de fevereiro de 2022, pretendendo ver apreciada a dimensão normativa ínsita ao artigo 129.º, n.º 6, do Código do IRC (atual artigo 139.º, n.º 6), no sentido de que se impõe a autorização de acesso à informação bancária do sujeito passivo/requerente e, mormente, de terceiros (os seus administradores/gerentes), como condição de acesso ao procedimento previsto no artigo 129.º, n.ºs 1 a 3, do CIRC (atual artigo 139.º, n.ºs 1 a 3) e, consequentemente, para elisão da presunção prevista no artigo 58.º-A, n.º 2, do CIRC (atual art. 64.º, n.º 2).

Trata-se, no processo a quo, de ação administrativa especial, proposta pelo ora recorrente, visando a impugnação de despacho do Diretor de Finanças de Lisboa que determinou o arquivamento do requerimento de prova do preço efetivo na transmissão de um imóvel.

2. Admitido o recurso por despacho de 11 de março de 2022 e subidos os autos a este Tribunal Constitucional, as partes foram notificadas para apresentar as suas alegações, por despacho de 4 de abril de 2022.

O recorrente apresentou alegações, que conclui nos seguintes termos (fls. 5-TC - 73-TC):

«III. 1. Do acórdão recorrido

l.a O douto acórdão recorrido negou provimento ao recurso interposto da sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa, a qual havia julgado improcedente a ação administrativa especial deduzida pelo Recorrente contra o despacho do Chefe do Serviço de Apoio às Comissões de Revisão (SACR) da Direção de Finanças do Porto, Exmo. Exmo. Senhor Diretor de Finanças de Lisboa, datado de 22.05.2009, exarado na Informação n.° 41/2009 do Serviço de Apoio às Comissões de Revisão (SACR), notificado através do Ofício n.° 43.318, de 28.05.2009, o qual determinou o arquivamento do requerimento de prova do preço efetivo na transmissão de imóvel, apresentado pela Recorrente em 05.02.2009, nos termos do disposto no artigo 129.° do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC) (atual artigo 139.°) com referência à alienação de prédio urbano, composto de edifício de cave, rés-do-chão, primeiro, segundo e terceiros andares e logradouro, sito na Torre ou Vale da Torre, freguesia de Foz do Arelho, concelho de Caldas da Rainha, inscrito na respetiva matriz predial urbana sob o artigo n.° 953;

2.a No acórdão recorrido, conclui-se pela não violação dos invocados princípios constitucionais da reserva à intimidade da vida privada, do princípio do Estado de Direito, do princípio do acesso ao direito à tutela jurisdicional efetiva, do princípio da proporcionalidade, do princípio da tributação das empresas pelo rendimento real e do princípio da igualdade tributária;

3.ª Por não se conformar, o Recorrente interpôs o presente recurso, ao abrigo do disposto na alínea b) do n.° 1 do artigo 70.° da LTC;

III.2. Do recurso de constitucionalidade

III.2.1. Da ratio legis do artigo 129.° do Código do IRC

4.ª Para apreciação das questões de constitucionalidade, cumpre ter presente o artigo 58.°-A (atual artigo 64.°) do Código do IRC nos termos do qual se afigura possível efetuar "correções ao valor de transmissão de direitos reais sobre bens imóveis"',

5.ª O legislador pretende evitar que os sujeitos passivos pratiquem operações simuladas com impacto no preço praticado e, bem assim, com impacto na tributação do respetivo rendimento obtido com as alienações de imóveis, tendo para isso recorrido ao conceito de "valores normais de mercado" (cf. artigo 58.°-A, n.° 1, do Código do IRC);

6.ª Ainda assim, como medida preventiva contra eventuais operações abusivas que os sujeitos passivos poderiam ponderar praticar, o legislador estabeleceu no n.° 2 do artigo 58.°-A do Código do IRC a presunção segundo a qual: "Sempre que, nas transmissões onerosas previstas no número anterior, o valor constante do contrato seja inferior ao valor patrimonial tributário definitivo do imóvel, é este o valor a considerar pelo alienante e adquirente, para determinação do lucro tributável";

7.ª Não se pode ignorar, todavia, que existem situações em que, de facto, o preço real e efetivamente praticado é inferior ao VPT e ainda assim aquele continua a ser o "valor normal de mercado”;

8.ª Quando o preço praticado for inferior ao valor do VPT sem qualquer potencialidade de estar em causa uma situação de evasão fiscal, estas operações não devem considerar-se abusivas (como sucede no caso vertente em que o valor de venda dos imóveis resulta das circunstâncias e condições de mercado à data da realização da venda, bem como da necessidade de, num curto espaço de tempo as Instituições Financeiras terem de alienar os imóveis retomados por incumprimento de créditos, de acordo com as normas impostas pelo Banco de Portugal e em conformidade com o disposto nos artigos 112.° a 114.° do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras);

9.ª Foi precisamente para garantir a possibilidade de ilisão da presunção prevista no n.° 2 do artigo 58.°-A do Código do IRC que o legislador consagrou no artigo 129.° do Código do IRC, enquadrado no capítulo das "garantias dos contribuintes ", um mecanismo específico para a "prova do preço efetivo na transmissão de imóveis";

10.ª No n.° 1 do artigo 129.° do Código do IRC não é mencionado qualquer meio de prova como sendo "o" meio idóneo, pois atendendo a que "As provas têm por função a demonstração da realidade dos factos" (cf. artigo 341.° do Código Civil), todas as provas deverão ser admissíveis;

11.ª Tendo o legislador expressamente reconhecido que a presunção prevista no n.° 2 do artigo 58.°-A do Código do IRC poderá ser ilidida mediante prova do preço efetivo do imóvel, estabeleceu-se nos n.°s 3 a 6 do artigo 129.° do Código do IRC um procedimento específico para que tal prova seja efetuada;

12.ª O n.° 6 do artigo 129.° do Código do IRC é uma norma que regula os poderes da administração tributária no âmbito do procedimento de prova do preço efetivo desencadeado pelo sujeito passivo nos termos do n.° 1 e do n.° 3 do artigo 129.° do Código do IRC;

13.a O n.° 6 do artigo 129.° do Código do IRC concede uma mera faculdade à administração tributária, não lhe impondo a obrigação de acesso às referidas informações bancárias;

14.a O singelo facto de o n.° 6 do artigo 129.° do Código do IRC, na redação conferida pela Lei n.° 53-A/2006, de 29 de dezembro, - que incluiu na sua parte final "(...) devendo para o efeito ser anexados os correspondentes documentos de autorização " -, não significa que tais documentos devam ser considerados - como foram na situação sub judice - como condição sine qua non para admissão e apreciação do pedido efetuado pelo sujeito passivo;

15.ª Esta alteração ao n.° 6 do artigo 129.° do Código do IRC que passou a prever a possibilidade de a administração tributária aceder à informação bancária do sujeito passivo e dos respetivos administradores ou gerentes, deverá ser interpretada no sentido de que a anexação dos correspondentes documentos de autorização tem como objetivo a agilização da prova do preço efetivo, para que seja mais fácil a administração tributária validar o preço arguido pelo sujeito passivo, somente na eventualidade de os meios de prova juntos ao requerimento não se afigurarem suficientes, pois esta interpretação é a única que se adequa aos princípios constitucionais vigentes na ordem jurídica;

III.2.2. Da violação do princípio da reserva à intimidade da vida privada (artigo 26. °, n. ° 1, da CRP)

16.ª O Recorrente pretende ver sindicada nesta sede a inconstitucionalidade do artigo 129.°, n.° 6, do Código do IRC (atual artigo 139.°, n.° 6) na aceção normativa de que se impõe a autorização de acesso à informação bancária do sujeito passivo/requerente e, mormente, de terceiros (os seus administradores/gerentes), como condição de acesso ao procedimento previsto no artigo 129.°, n.os 1 a 3, do Código do IRC (atual artigo 139.°, n.os 1 a 3) e, consequente, para elisão da presunção prevista no artigo 58.°-A, n.° 2, do Código do IRC (atual artigo 64.°, n.° 2), por violação do princípio da reserva à intimidade da vida privada (artigo 26.°, n.° 1, da CRP);

17.ª O sigilo bancário encontra-se no âmbito do direito da reserva à intimidade da vida privada, consagrado no artigo 26.°, n.° 1, da CRP;

18.ª A violação, em concreto, do direito da reserva à intimidade da vida privada, terá sempre de ser avaliada em função, desde logo, do facto de com esse direito concorrer um outro, de igual valor;

19.ª A inconstitucionalidade por violação do princípio da reserva à intimidade da vida privada, consagrado no artigo 26.°, n.° 1, da CRP, consubstancia-se, desde logo, na circunstância de a interpretação segundo a qual a junção dos documentos de autorização de acesso à informação bancária do sujeito passivo e, em especial, dos seus administradores, configurar uma condição ad substantiam para o deferimento do requerimento apresentado nos termos do artigo 129.° do Código do IRC determinar o alargamento do núcleo de pessoas que tomam conhecimento de informações protegidas, relativas ao sujeito passivo e, mormente, de terceiros, sem que tenham à sua disposição qualquer garantia de defesa ou alternativa que não seja a de autorizar o levantamento do sigilo bancário;

20.ª Os objetivos de combate à evasão e à fraude fiscal não podem justificar, sem mais, o atropelo dos direitos do...

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