Acórdão nº 058/10.4BEPRT de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 26 de Maio de 2022

Magistrado ResponsávelJOSÉ GOMES CORREIA
Data da Resolução26 de Maio de 2022
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo 1. – Relatório Vem, nos termos e para os efeitos do disposto nos termos do disposto nas alíneas b) e c) do n.º 1 e do n.º 4 do artigo 615.º, ex vi do artigo 666.º do Código do Processo Civil (CPC), ex vi da alínea e) do artigo 2.º do Código de Procedimento e Processo Tributário (CPPT), deduzida e requerida a arguição de nulidade por LIPOR – SERVIÇO INTERMUNICIPALIZADO DE GESTÃO DE RESÍDUOS DO GRANDE PORTO, melhor sinalizada nos autos, do acórdão de 12/01/2022, que decidiu conceder provimento ao recurso deduzido pela Representante da Fazenda Pública.

Irresignada, a recorrente LIPOR – SERVIÇO INTERMUNICIPALIZADO DE GESTÃO DE RESÍDUOS DO GRANDE PORTO formulou a arguição de nulidade, nos termos e pelos seguintes fundamentos: 1. Por Acórdão de 12 de janeiro de 2021, o Supremo Tribunal Administrativo concedeu provimento ao recurso interposto pela Autoridade Tributária e Aduaneira da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, que julgou procedente a impugnação deduzida pela Requerente contra a autoliquidação de IRC referente ao exercício de 2006.

  1. Para o Tribunal, “As questões que se suscitam no presente recurso são precisamente as mesmas que se suscitavam em outros processos, tendo sido sobre as mesmas emitida pronúncia de modo constante e reiterado nos Acórdãos deste STA, de 10/03/2021, Processo nº 03161/16.3BEPRT, de 27/10/2021, Processo nº 04/16.1BEPRT e de 10/11/2021, Processo nº 02857/12.3BEPRT.” 3. Assim, concluiu o Tribunal “pelos fundamentos constantes do Acórdão de 10-11-2021, Processo nº 02857/12.3BEPRT” conceder provimento ao recurso interposto pela Autoridade Tributária e Aduaneira.

  2. Salvo o devido respeito, no entender da Requerente, o Acórdão em apreço padece de nulidade por falta de fundamentação, nos termos do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 615.º, ex vi do artigo 666.º do CPC, ex vi da alínea e) do artigo 2.º do CPPT, conforme se procurará demonstrar de seguida.

    POIS BEM: 5. Desde logo, deve entender-se que o Acórdão padece de nulidade por falta de fundamentação, por a suposta fundamentação dele constante se esgotar na mera remissão para os termos de um Acórdão proferido no âmbito de outro processo.

    SENÃO VEJAMOS: 6. A fundamentação de uma decisão deve conter a exposição dos motivos de facto e de direito que determinaram o seu sentido (vide, neste sentido o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 16.03.2005, proferido no âmbito do Processo n.º 05P662).

  3. Conforme já esclareceu o Supremo Tribunal de Justiça, “[o] dever de fundamentação das decisões judiciais, imposto pelo art. 205.º, n.º 1, da CRP, visa impor ao juiz um momento de verificação e controlo crítico da lógica da decisão, permitir às partes o recurso desta com perfeito conhecimento da situação e colocar a instância de recurso em posição de exprimir, com maior certeza, um juízo concordante ou divergente” (vide Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça proferido no âmbito do Processo n.º 7331/10.0TBOER.L1.S1).

  4. Ou seja, este dever de fundamentação desempenha essencialmente duas funções: uma função exógena, na medida em que se destina a permitir aos interessados uma inequívoca compreensão dos motivos (de facto e de direito) que conduziram a que decisão fosse num sentido (e não noutro); e uma função endógena, na medida em que visa forçar o decisor a ponderar a sua decisão de forma cuidada, séria e isenta.

    ORA: 9. Não se contesta que o Tribunal pudesse remeter para os termos de outra decisão, preferivelmente transcrevendo-os e articulando-os com o caso sub judice – salientando as semelhanças entre os casos e apontando eventuais diferenças –, de tal forma que fosse possível perceber porque é que ambos mereciam o mesmo tratamento.

  5. Mas já não pode aceitar-se como fundamentação uma remissão genérica para os termos de outra decisão, proferida no âmbito de outro processo – esta fundamentação é manifestamente insuscetível de cumprir os identificados desígnios do dever de fundamentação.

  6. Sobretudo quando – como sucedeu nos presentes autos – não se justifique a transponibilidade da fundamentação aí expendida para o caso em apreço.

  7. A premissa de que as questões que se discutem nos presentes autos e no âmbito do Processo n.º 2857/12.3BEPRT são precisamente as mesmas é manifestamente insuficiente para sustentar a conclusão de que merecem o mesmo tratamento.

  8. Na verdade, tal conclusão teria necessariamente de assentar em mais duas premissas: deverem as questões em causa ser apreciadas à luz do mesmo enquadramento jurídico e do mesmo enquadramento fáctico.

  9. E a este propósito o Tribunal nada diz, limitando-se a afirmar estarem em causa casos análogos – afirmação meramente conclusiva que o Tribunal em momento algum sustenta.

  10. Assim, não poderá deixar de se concluir que o Tribunal violou o dever de fundamentação que sobre ele impendia, eivando o Acórdão proferido de nulidade.

  11. Outra interpretação da alínea b) do n.º 1 do artigo 615.º seria inconstitucional por violação do artigo 205.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa.

  12. Com efeito, “a fundamentação das decisões judiciais é uma garantia fundamental inerente ao princípio do Estado de direito. Como tal, e para sua plena efectividade, não basta ao legislador, na tarefa de densificação da norma do artigo 205.º, n.º 1, prever a obrigatoriedade da fundamentação, cumprindo-lhe, igualmente, dotar a garantia de fundamentação de instrumentos jurídicos capazes de lhe conferir tutela adequada. É com este pano de fundo que a lei processual civil sanciona com o vício de nulidade a sentença “que não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão”” (cf. Jorge Miranda e Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada, Tomo III, Coimbra Editora, pág. 76).

  13. Ora, como é evidente, outra interpretação da mencionada norma não conferiria tutela adequada à garantia de fundamentação.

  14. Assim, não poderá deixar de se considerar inconstitucional uma interpretação da alínea b) do n.º 1 do artigo 615.º do Código de Processo Civil, no sentido de que não padece de nulidade por falta de fundamentação a sentença ou Acórdão que se limita a remeter em termos genéricos para os termos de uma decisão, proferida no âmbito de outro processo, é inconstitucional por violação do artigo 205.º da Constituição da República Portuguesa.

    POR OUTRO LADO: 20. Ao longo do processo de impugnação, a Requerente sustentou estar isenta de IRC ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 9.º do Código do IRC ou, caso assim não se entendesse, ao abrigo do disposto na alínea b) do mesmo preceito.

    QUANTO AO SEU ENQUADRAMENTO NA ALÍNEA A) DO N.º 1 DO ARTIGO 9.º DO CÓDIGO DO IRC, 21. Importa salientar que no Processo n.º 2857/12.3BEPRT estava em causa o IRC da Requerente referente ao exercício de 2011, ao passo que nos presentes autos está em causa o IRC referente ao exercício de 2006.

  15. Isto significa que o enquadramento jurídico à luz do qual deve ser apreciada esta questão é substancialmente diferente: em 2006 estava em vigor a Lei n.º 11/2003, de 13 de maio, enquanto, em 2011, já tinha entrado em vigor a Lei n.º Lei n.º 45/2008, de 27 de agosto – que revogou aquela lei, restringindo o âmbito de aplicação da isenção em causa às associações de municípios de fins múltiplos.

  16. Ora, se o enquadramento legal à luz do qual se impunha que fosse apreciada a questão em debate era distinto, afigura-se evidente que o Tribunal não podia limitar-se a aderir à decisão proferida nos autos do Processo n.º 2857/12.3BEPRT, uma vez que esta nunca poderia, naturalmente, ser inteiramente prestável ou suficiente.

  17. As referências à Lei n.º 45/2008, de 27 de agosto e ao regime estabelecido neste diploma afiguram-se absurdas quando invocadas para “fundamentar” uma decisão referente a factos anteriores à sua entrada em vigor.

  18. Por tudo isto, afigura-se incompreensível para a Requerente o fundamento da conclusão de que esta não beneficia da isenção prevista na alínea a) do n.º 1 do artigo 9.º do Código do IRC.

  19. Assim, não poderá deixar de se concluir que, quanto a este segmento, a decisão padece de nulidade por falta de fundamentação.

    COM EFEITO: 27. Conforme este Venerando Tribunal reconheceu no Acórdão proferido no âmbito do Processo n.º 4/16.1BEPRT, “deverão considerar-se como falta absoluta de fundamentação os casos em que ela não tenha relação percetível com o julgado ou seja ininteligível, situações em que se está perante uma mera aparência de fundamentação”.

  20. Sendo certo que não poderá deixar de configurar aparência de fundamentação a referência a legislação que é manifestamente inatendível.

  21. Assim, não poderá deixar de se considerar que o Acórdão, na parte em que conclui que a Requerente não beneficia da isenção prevista na alínea a) do n.º 1 do artigo 9.º do Código do IRC padece de nulidade por falta de fundamentação.

    POR OUTRO LADO: 30. Conforme já referido, a Requerente sustentou, ainda, subsidiariamente – para o caso de não se concluir pela aplicabilidade da isenção prevista na alínea a) do n.º 1 do artigo 9.º do Código do IRC – beneficiar da isenção prevista na alínea b) daquele preceito, por não exercer qualquer atividade comercial (ou sequer industrial ou agrícola).

    POIS BEM: 31. No Acórdão proferido no âmbito do Processo n.º 2857/12.3BEPRT, o Tribunal – indo no encalço da decisão proferida no âmbito do Processo n.º 4/16.2BEPRT – concluiu que a Requerente exercia uma atividade de natureza comercial – a prestação de serviços relativos à recolha e tratamento de resíduos hospitalares –, pelo que não poderia beneficiar da isenção prevista na alínea b) do n.º 1 do artigo 9.º do Código do IRC.

  22. Visivelmente influenciado pelo teor do Acórdão proferido no âmbito do Processo n.º 4/16.2BEPRT, o Tribunal chega, inclusivamente – pasme-se – a afirmar que “o Tribunal “a quo” deu como assente que a Impugnante efectua efectivamente essa actividade (de prestação de serviços relativas à...

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