Acórdão nº 400/22 de Tribunal Constitucional (Port, 26 de Maio de 2022

Magistrado ResponsávelCons. Afonso Patrão
Data da Resolução26 de Maio de 2022
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 400/2022

Processo n.º 376/2022

3ª Secção

Relator: Conselheiro Afonso Patrão

Acordam, em conferência, na 3.ª secção do Tribunal Constitucional:

I. Relatório

1. Nos presentes autos, vindos do Supremo Tribunal de Justiça, A., requereu a interposição do presente recurso, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro, na redação que lhe foi conferida, por último, pela Lei Orgânica n.º 1/2022, de 4 de janeiro (Lei do Tribunal Constitucional [LTC]).

2. Através da Decisão Sumária n.º 284/2022, decidiu-se, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 78.º-A da LTC, não julgar inconstitucional a norma dos artigos 400.º, n.º 1, alínea f) e 432.º, n.º 1, alínea b) do Código de Processo Penal, segundo a qual não é admissível o recurso de acórdão condenatório proferido, em recurso, pela Relação, que confirme a decisão de 1.ª instância e aplique pena de prisão não superior a 8 anos, na parte de respeitante a uma eventual inconstitucionalidade verificada no Acórdão objeto, com a seguinte fundamentação:

«5. Ao abrigo do disposto no artigo 78.º-A, n.º 1, da LTC, sempre que a questão colocada no requerimento de interposição do recurso de constitucionalidade possa ser considerada «simples, designadamente por já ter sido objeto de decisão anterior do Tribunal», pode o relator proferir decisão sumária.

Ora, esta questão jurídico-constitucional foi já repetidamente apreciada por este Tribunal, mormente à luz do parâmetro de constitucionalidade aqui invocado — o direito ao recurso, consagrado no artigo 32.º, n.º 1, da Constituição —, gerando vasto acervo decisório, compondo orientação jurisprudencial consolidada no sentido de que não é inconstitucional a norma que determina a irrecorribilidade de acórdãos condenatórios, proferidos pelas relações, que confirmem a decisão de primeira instância e apliquem pena de prisão não superior a oito anos (cfr., entre muitos, os Acórdãos n.ºs 385/2011, 186/2013, 156/2016, 260/2016, 418/2016, 212/2017, 286/2017, 372/2017, 724/2017, 151/2018, 232/2018, 248/2018, 592/2018, 599/2018, 659/2018, 677/2018, 443/2019, 655/2019, 84/2020, 96/2021, 207/2021, 399/2021, 745/2021 e 898/2021).

Invariavelmente, o Tribunal concluiu pela admissibilidade da restrição do direito ao recurso, traduzida na limitação do acesso a um duplo grau de recurso (ou triplo grau de jurisdição), cabendo ao legislador definir os casos em que se justifica o acesso à mais alta jurisdição, desde que não consagre critérios arbitrários, desrazoáveis ou desproporcionados. Ora, o critério de aferição da gravidade justificativa do acesso à mais alta instância posto em crise, que combina a condenação repetida em duas instâncias (o tribunal do julgamento e o Tribunal da Relação) e a confirmação de uma certa pena, não superior a oito anos de prisão, não é merecedor de tal crítica.

A jurisprudência deste Tribunal vem confirmando a bondade constitucional daquela norma mesmo em situações em o Tribunal da Relação haja reduzido a pena e revogado parte da decisão de primeira instância (Acórdão n.º 207/2021), quando se haja pronunciado pela primeira vez sobre uma questão que a primeira instância não apreciara (Acórdãos n.ºs 385/2011, 659/2011 e 399/2021) ou quando não se haja pronunciado sobre todas as questões (Acórdãos n.ºs 390/2004 e 399/2021).

6. O recorrente introduz uma variação argumentativa que passa pela circunstância de pretender a apreciação pelo Supremo Tribunal de Justiça de «uma eventual Inconstitucionalidade verificada no Acórdão objeto». Todavia, esta variação não faz nascer na esfera do arguido o direito a um grau suplementar do recurso ordinário.

Desde logo, porque — sendo definitiva a decisão do Tribunal da Relação — não está vedada a interposição de um recurso de constitucionalidade daquela decisão para o Tribunal Constitucional (n.º 2 do artigo 70.º da LTC).

Em segundo lugar, porque a imputação de um vício do acórdão do Tribunal da Relação que possa considerar-se questão nova face à decisão de primeira instância não é suscetível de gerar a inconstitucionalidade do parâmetro ora sindicado, como se decidiu no Acórdão n.º 207/2021, desta 3.ª Secção, que remete para a fundamentação do Acórdão n.º 385/2011:

«tendo sido assegurado ao arguido um duplo grau de jurisdição (uma vez que teve a possibilidade de, face à mesma imputação penal, defender-se perante dois tribunais: o tribunal de 1.ª instância e o tribunal da Relação), a questão que se coloca é a de saber se, tendo o tribunal superior julgado provado um facto que não havia sido ponderado pela 1.ª instância, é inconstitucional limitar a possibilidade de um triplo grau de jurisdição, por aplicação da regra da dupla conforme, prevista na alínea f) do n.º 1 do artigo 400.º do Código de Processo Penal.

Note-se que não cabe a este Tribunal aferir se esta situação configura ou não um caso de “dupla conforme”, para efeitos de aplicação da referida limitação ao acesso ao Supremo Tribunal de Justiça, mas apenas verificar se a não admissibilidade de uma nova instância de recurso, nestas circunstâncias, atenta contra o direito ao recurso garantido pelo artigo 32.º, n.º 1, da Constituição.

Sendo certo, conforme se disse, que este preceito não consagra a garantia de um triplo grau de jurisdição em relação a quaisquer decisões penais condenatórias e que não é desrazoável, arbitrário ou desproporcionado limitar a intervenção do Supremo Tribunal de Justiça quando esteja em causa a aplicação de penas muito elevadas, resta verificar se, nos casos em que o tribunal da Relação mantém a decisão condenatória da 1.ª instância, apesar de ter ampliado os pressupostos factuais da mesma, se mostra cumprida a garantia constitucional do direito ao recurso, quando exige que o processo penal faculte à pessoa condenada pela prática de um crime a possibilidade de requerer uma reapreciação do objeto do processo por outro tribunal, em regra situado num plano hierarquicamente superior.

Ora, com uma reapreciação jurisdicional, independentemente do seu resultado, revela-se satisfeito esse direito de defesa do arguido, pelo que a decisão do tribunal de recurso já não está abrangida pela exigência de um novo controle jurisdicional.

O facto de nessa reapreciação se ter ampliado a matéria de facto considerada relevante para a decisão a proferir, traduz precisamente as virtualidades desse meio de controlo das decisões judiciais, não sendo motivo para se considerar que estamos perante uma primeira decisão sobre o thema decidendum, relativamente à qual é necessário garantir também o direito ao recurso.

Na verdade, a ampliação da matéria de facto julgada provada não modifica o objeto do processo. Tal como a decisão da 1.ª instância, o acórdão do Tribunal da Relação que sobre ela recai limita-se a verificar se o arguido pode ser responsabilizado pela prática do crime que estava acusado e, na hipótese afirmativa, a definir a pena que deve ser aplicada, o que se traduz num reexame da causa.

Assim, o Acórdão do Tribunal da Relação, apesar da alteração que introduziu à decisão recorrida, é já a segunda pronúncia sobre o objeto do processo, pelo que já não há que assegurar a possibilidade de suscitar mais uma instância de controle, a qual resultaria num duplo recurso, com um terceiro grau de jurisdição.

(…)

Ora, no caso dos presentes autos, como já acima evidenciámos, não estava em causa a apreciação de uma questão processual, com inteira autonomia em relação ao mérito da causa; o Tribunal da Relação, embora tendo dado como provado um facto que não havia sido considerado em 1.ª instância, fez uma reapreciação de todo o objeto do processo, não se podendo considerar que tenha proferido uma decisão em 1.ª instância.

Assim sendo, e pelas razões expostas, impõe-se concluir que a interpretação normativa objeto de fiscalização não viola o disposto no artigo 32.º, n.º 1, da Constituição, nem qualquer outro parâmetro constitucional, pelo que o presente recurso não merece provimento».

Em terceiro lugar, porque ainda que o recorrente imputasse...

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