Acórdão nº 396/22 de Tribunal Constitucional (Port, 26 de Maio de 2022

Magistrado ResponsávelCons. Lino Rodrigues Ribeiro
Data da Resolução26 de Maio de 2022
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 396/2022

Processo n.º 166/22

3.ª Secção

Relator: Conselheiro Lino Rodrigues Ribeiro

Acordam, em conferência, na 3.ª Secção do Tribunal Constitucional

I – Relatório

1. Nos presentes autos, vindos do Tribunal da Relação de Lisboa, em que é recorrente A. e recorrido o Ministério Público, a primeiro veio interpor recurso de constitucionalidade, ao abrigo do disposto no artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro (LTC). O arguido foi condenado, por decisão da B., EM, S.A., ao pagamento de uma coima de € 30 (trinta), pela prática da contraordenação p. e p. pelo disposto no artigo 71º, n.º 1, alínea d), do Código da Estrada, por estacionamento em zona proibida. Tendo deduzido impugnação judicial, foi esta julgada improcedente por decisão do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste datada de 21 de abril de 2021. Desta decisão interpôs o arguido recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa, que o rejeitou, em razão de inadmissibilidade legal, por decisão datada de 7 de setembro de 2021, entendimento que foi reiterado por decisão datada de 13 de outubro de 2021. Contra esta decisão moveu o arguido um incidente pós-decisório que foi julgado improcedente por decisão datada de 24 de novembro de 2021. Desta decisão reclamou ainda para a Presidente do Tribunal da Relação de Lisboa, que rejeitou a reclamação por decisão datada de 16 de dezembro de 2021. O arguido, ainda inconformado, reclamou desse despacho para a conferência, que rejeitou essa reclamação por acórdão datado de 19 de janeiro de 2022.

2. O recurso de constitucionalidade apresenta o seguinte teor:

«A., recorrente no processo acima referenciado, vem, de harmonia com o disposto nos arts. 70º, nº 1, b) e nº 2, 75º, nº 1 e 75º - A, nº 1 da Lei nº 28/82, de 15 de novembro, interpor RECURSO PARA O TRIBUNAL CONSTITUCIONAL, nos termos e com os fundamentos seguintes:

1. – O acórdão da Conferência proferido em 19/01/2022, que confirmou a decisão da Ex.ma Desembargadora Relatora de indeferimento da reclamação contra a não admissão do recurso interposto da sentença do Merit. Juiz do Juízo Local Criminal de Oeiras, não é suscetível de recurso, por força do disposto no art. 75º, nº 1 do Decreto-Lei nº 433/82 (Regime Geral das Contraordenações), pelo que se verifica a condição de admissibilidade do recurso para o Tribunal Constitucional exigida pelo nº 2 do art. 70º da Lei nº 28/82.

2. - A sentença do Merit.mo Juiz do Tribunal de Oeiras, proferida em 21/04/2021, julgou improcedente a impugnação judicial da decisão subscrita pelo Diretor Administrativo e Financeiro da sociedade B., EM, SA, decisão que condenou o Recorrente no pagamento de coima por estacionamento irregular do seu automóvel.

3. - O primeiro fundamento dessa impugnação é o de que a delegação de poderes invocada pela referida decisão não confere poderes para decidir processos de contraordenação, mas sim, e apenas, poderes de fiscalização do cumprimento das normas de estacionamento.

4. - Porém, a sentença, para fundamentar a decisão de indeferimento, invocou, transcreveu, e aplicou, o art. 38º, nº 1, al. h) do regulamento nº 803/2020 do Município de Oeiras, preceito normativo a que a decisão impugnada não faz referência e que confere à B. competência para instruir processos de contraordenação e aplicar coimas por infrações leves relativas a estacionamento proibido, indevido ou abusivo.

5. - Transcreve-se o seguinte parágrafo da sentença:

"O arguido propugna que a competência da B. era limitada ao levantamento do auto de notícia e não era extensível à instrução e decisão do correspondente processo de contraordenação.

Todavia não lhe assiste razão ao abrigo do disposto n art. 38º, nº 1, al. h) do Regulamento nº 803/2020, do Município de Oeiras (......)".

6. - Depois de transcrever a norma citada, a sentença conclui:

"Ora a infração em apreço nos presentes autos é uma contraordenação leve consubstanciada em estacionamento proibido (......).

Daí que a B. tinha competência para instruir e decidir a fase administrativa do presente processo contraordenacional, pelo que tem legitimidade".

7. - Nos nºs 33 a 48 das alegações do recurso da sentença da 1a Instância, e na alínea F) das respetivas conclusões, o Recorrente alegou a absoluta e ostensiva ilegalidade, e consequente inconstitucionalidade, da norma do art. 38º, nº 1, h) do Regulamento municipal nº 803/2020.

8. - Nos nºs 9 a 19 da resposta ao parecer do Ministério Público apresentado na Relação, voltou a salientar a manifesta ilegalidade, e a inconstitucionalidade (nº 11 da resposta) da referida norma regulamentar.

9. - Nos nºs 13 a 23 e nas conclusões F) a J) da reclamação para a Conferência, apresentada em 24/09/2021, da decisão sumária da Ex.ma Desembargadora Relatora que, por mera adesão à resposta e ao parecer do Ministério Público, entendeu não se verificar qualquer erro na aplicação das normas por parte da sentença recorrida e rejeitou o recurso, o Recorrente reiterou as razões da ilegalidade e inconstitucionalidade da norma em questão.

10. - O acórdão da Conferência de 13/10/2021, transcrevendo de forma errada e contrária ao respetivo texto a norma que cita, limitou-se a confirmar a decisão sumária.

11. - À cautela, prevenindo a possibilidade de a Câmara Municipal de Oeiras ter delegado, ou vir a delegar, na B., ao abrigo do disposto no art. 3º do Decreto-Lei nº 107/2018, competência para decidir processos contraordenacionais por infrações leves às regras do estacionamento de veículos, o Recorrente, logo na defesa que enviou em 27/11/2020 ao Presidente daquela empresa, suscitou a questão da inconstitucionalidade do segmento daquele artigo que confere tal competência às câmaras municipais.

12. - Nos nºs 23 a 42 e na conclusão C) da impugnação judicial da decisão subscrita pelo Diretor Administrativo e Financeiro da referida sociedade, o Recorrente alegou, de forma mais completa, as razões da inconstitucionalidade, material e formal, da norma supra citada.

13. - Nos nºs 49 a 84 das alegações do recurso, e nas alíneas G (por manifesto lapso de redação, nesta alínea está escrito que o art. 3º do Decreto-Lei nº 107/2018 delega nas empresas locais o poder de decisão e aplicação de coimas, quando na realidade o artigo não delega, apenas confere às câmaras municipais a faculdade de delegarem esse poder), a P das respetivas conclusões o Recorrente voltou a expor as razões da inconstitucionalidade da norma em questão (razões que igualmente mostram, até por maioria de razão, a inconstitucionalidade da norma do art. 38º, nº 1, h) do Regulamento nº 803/2020).

14. - Nem a decisão do Diretor Administrativo e Financeiro da B., nem a sentença da 1a Instância, nem o Ministério Público, invocam e identificam deliberação camarária que tenha delegado na sociedade B., ou no seu Presidente, competência para decidir, e aplicar coimas, nos referidos processos de contraordenação.

15. - Mas as razões da inconstitucionalidade da segunda parte do art. 3º do Decreto-Lei nº 107/2018 mostram igualmente, até por maioria de razão, a inconstitucionalidade da norma do art. 38º, nº 1, h) do Regulamento nº 803/2020.

16. - NESTES TERMOS, e nos das disposições legais citadas, deve o recurso ser admitido, com subida imediata, nos próprios autos, e com efeito suspensivo.»

3. Através da Decisão Sumária n.º 264/2022, foi decidido não conhecer o objeto do recurso, com base na seguinte fundamentação:

«4. No caso, não verificam esses pressupostos. Desde logo, constata-se que o recurso de constitucionalidade foi interposto perante o Tribunal da Relação de Lisboa (e por este admitido, a fl. 41-v.), pelo que a decisão recorrida, para os presentes efeitos, teria de ser uma decisão do Tribunal da Relação de Lisboa – ou, pelo menos (na eventualidade de o recorrente ter pretendido interpor igualmente recurso de uma outra decisão anteriormente proferida nos autos por outro tribunal), também uma decisão do Tribunal da Relação de Lisboa (cf. o artigo 76.º, n.º 1, da LTC).

No entanto, analisadas as inúmeras decisões proferidas pelo Tribunal da Relação de Lisboa nestes autos, indicadas supra, no ponto 1, constata-se que nenhuma delas se pronunciou sobre as questões que integram o recurso de constitucionalidade, tendo versado exclusivamente sobre outras questões, designadamente sobre a (ir)recorribilidade da decisão da 1.ª instância. A decisão datada de 7 de setembro de 2021 rejeitou, em razão de inadmissibilidade legal, o recurso interposto da decisão do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste datada de 21 de abril de 2021; a decisão datada de 13 de outubro de 2021 confirmou esse entendimento; a decisão datada de 24 de novembro de 2021 julgou improcedente um incidente pós-decisório movido pelo recorrente contra esta última decisão; tendo o arguido reclamado dessa decisão, foi tal reclamação rejeitada por decisão datada de 16 de dezembro de 2021 e, deduzida nova reclamação, agora para a conferência, foi a mesma rejeitada pela decisão datada de 19 de janeiro de 2022. Sempre ao abrigo de preceitos do Regime Geral das Contraordenações e/ou do Código de Processo Penal que são absolutamente estranhos ao recurso de constitucionalidade interposto.

Por conseguinte, não se acha preenchido o pressuposto de o recurso versar sobre uma questão relacionada com alguma norma que integre a ratio decidendi de qualquer das decisões que, para os presentes efeitos, pudesse considerar-se constituir a decisão recorrida. Em consequência, o conhecimento do objeto deste recurso pelo Tribunal Constitucional seria necessariamente inútil, porque nunca poderia conduzir a uma reforma da decisão recorrida. Tanto basta para que se conclua pela impossibilidade de conhecer esse objeto.»

4. Inconformado, vem o recorrente reclamar para a conferência, o que faz, no essencial, nos seguintes termos:

«(...)

I

1. - A sentença do Juízo Local Criminal de Oeiras...

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