Acórdão nº 410/22 de Tribunal Constitucional (Port, 26 de Maio de 2022

Magistrado ResponsávelCons. Assunção Raimundo
Data da Resolução26 de Maio de 2022
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 410/2022

Processo n.º 150/2021

2.ª Secção

Relatora: Conselheira Assunção Raimundo

Acordam, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional:

I – Relatório

1. Nos presentes autos, vindos do Tribunal da Relação de Lisboa, em que é recorrente A., Lda., e recorrido o Ministério Público, a primeira interpôs recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro (Lei do Tribunal Constitucional – LTC), do acórdão proferido pelo tribunal a quo, em 13 de janeiro de 2021, que julgou improcedente o recurso do despacho do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste–Juízo Local Criminal da Amadora, de 9 de setembro de 2020. Este despacho, por seu turno, indeferiu o requerimento da recorrente, solicitando a não transcrição de decisão condenatória para o certificado de registo criminal, em conformidade com o disposto no artigo 13.º da Lei n.º 37/2015, de 5 de maio.

2. No processo a quo, a ora recorrente foi condenada pelo Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste – Juízo Local Criminal da Amadora, em 31 de outubro de 2019, pela prática de um crime de abuso confiança fiscal (cfr. fls. 30), tendo requerido a não transcrição da condenação no respetivo certificado de registo criminal.

Recebido o requerimento, o tribunal pronunciou-se pelo indeferimento, através de despacho datado de 9 de setembro de 2020, do qual resulta, na parte que ora releva, o seguinte (cfr. fls. [12]):

«(…)

Quanto à sociedade arguida:

No art. 13º, nº 1 da lei acima indicada resulta de forma expressa que a não transcrição da sentença nos certificados de registo criminal é aplicável quando os tribunais condenem pessoa singular, sendo por isso de afastar a aplicabilidade do regime a pessoas coletivas.

Com efeito, promovo se indefira o pedido de não transcrição da sentença no registo criminal formulado pela sociedade arguida, por falta de fundamento legal.»

3. Inconformada, a recorrente interpôs recurso do referido despacho para o Tribunal da Relação de Lisboa, argumentando que o disposto no artigo 13.º, n.º 1, da Lei n.º 37/2015, de 5 de maio, «é de aplicar também às pessoas coletivas tanto que estas também sofrem com a estigmatização do registo criminal, nomeadamente, no que diz respeito ao acesso a concursos públicos, ao eventual financiamento bancário e a outras tantas situações» (cfr. fls. 41). Mais referiu, nas aludidas motivações de recurso, que «a interpretação de que o direito à não transcrição, previsto pelo n.º 1 do artigo 13.º da Lei n.º 37/2015, de 5 de maio, exclui as pessoas coletivas, para além de violar o disposto nos n.º 1 e 4 do artigo 26.º da CRP e nos n.º 1 e 4 do artigo 30.º da Constituição, contraria o disposto no n.º 2 do artigo 12.º da CRP e viola o próprio princípio da igualdade, ínsito no artigo 13.º da CRP» (cfr. fls. 41).

4. O Ministério Público, ora recorrido, respondeu ao referido recurso, pugnando pela respetiva improcedência, recordando que «a natureza das pessoas coletivas e das pessoas singulares é diversa, justificando a diferença de tratamento que o legislador escolher consagrar na lei ordinária quanto ao registo criminal (cfr. fls. [58]). Nesta sequência, atestou ainda que «a opção do legislador é racionalmente estribada, historicamente fundada e decorre de uma opção legítima e não arbitrária, que não enferma de qualquer vício, por ofensa à Lei Fundamental ou a outra» (cfr. fls. [58]).

5. O Tribunal da Relação de Lisboa, através de acórdão datado de 13 de janeiro de 2021 – ora recorrido – negou provimento ao recurso, mantendo a decisão recorrida. Em sede de fundamentação, teceu as seguintes considerações (cfr. fls. 75-78):

«Cumpre decidir:

Pretende a recorrente que não seja transcrita a sua condenação no seu CRC para os certificados de registo criminal emitidos nos termos do disposto nos nºs 5 e 6 do artigo 10.º da Lei nº 37/2015, de 5 de Maio.

Vejamos:

O que a recorrente clama é a não transcrição por causas que nada têm que ver com a parte crime ou Penal, ou seja, o que pretende é que não haja transcrição da sua condenação para efeitos civis com vista a não perder assim, o seu bom nome nas relações comerciais que se venham a manter entre si e outros interessados.

O artº 13º nº 1 da Lei 37/2015 de 5-5 estabelece as condições para que o Juiz possa determinar a não transcrição da condenação sofrida no CRC mas fá-lo relativamente às pessoas singulares, donas de uma vontade e condenadas na medida de uma culpa. Ou seja, o legislador pondera, quase como na suspensão da execução da pena, se deve dar ao condenado a hipótese de, em caso por exemplo de oferta de trabalho, não surgir no seu CRC uma condenação que não passou de um caso isolado, tendo em conta o seu comportamento anterior e posterior aos factos e as exigências de prevenção geral e especial e claro, a medida da culpa demonstrada quanto aos factos praticados.

Será tal extensível às pessoas coletivas?

Ao intérprete não cabe uma interpretação diferente daquela que o legislador permite e em Direito penal não há interpretações extensivas nem analogias.

Olhando a letra da lei podemos desde logo afirmar que tal não é possível aplicar às pessoas coletivas.

Podemos também socorrer-nos do elemento histórico e verificamos que a Lei n.º 57/98, 18/8, no seu art.º 17° - atual art.º 13º, L. n.º 37/2015- não fazia qualquer alusão às pessoas coletivas.

A revisão determinada pela Lei n.º 114/09, 22/9, apresenta um artº 17º que trata da não transcrição das condenações para efeitos civis, apenas relativamente às pessoas singulares.

Com a Lei nº 37/2015 o art.º 13° apresenta-nos uma redação idêntica. Ou seja, o legislador não contempla as pessoas coletivas claramente e, mesmo invocando preceitos constitucionais, há sempre que ter em conta que uma pessoa coletiva que possui uma firma, e tem nome no comércio ou em relações comerciais deve pautar-se por condutas de boa fé, lisura e estar livre de qualquer mancha no seu circuito comercial, laboral ou negocial.

É uma questão de confiança nos meios económicos e laborais.

Há ainda que não esquecer que a evolução legislativa ou seja, os anteriores arts.º 11ºnº 3 e 12ºnº1, L. n.º 57/98 não tinha a redação do atual art.º10ºnº7 L. n.º 57/98, refere que os C.R.Cs “requeridos por pessoas coletivas (...) contêm todas as decisões de Tribunais portugueses vigentes”.

Que diferença haverá entre pessoa coletiva e pessoa singular para que o Direito Penal seja mais exigente no que se refere ao registo de comportamentos ilícitos quanto aquela? Certamente a sua natureza tantas vezes referida no diploma legal aplicável à questão tratada aqui.

A personalidade jurídica tem como definição quase invariável a «suscetibilidade de ser sujeito de direitos e obrigações». Ora tanto a pessoa coletiva como a singular o são.

A personalidade jurídica pode ser singular ou coletiva.

(...)

A personalidade jurídica, nas pessoas coletivas, trata-se de um processo técnico de organização das relações jurídicas relacionadas com essas mesmas pessoas, ou seja, pode-se considerar que os direitos das pessoas coletivas são direitos de caráter funcional, já que estas agem e interagem na vida e no comércio jurídico como entes social e juridicamente autónomos e independentes que devem reger-se por regras e normas não violando nenhumas delas para garantia coletiva de todos e possibilidade de interagirem neste comércio sem sanções. Daí repete-se o legislador exigir uma maior visibilidade quanto às suas condutas.

O tipo de sanções que lhes são aplicáveis também são diferentes e a medida da pena é avaliada tendo em conta a culpa mas uma culpa despida de emoções e vontades, urna culpa coletiva na maior parte dos casos que, embora por interposta pessoa, mancha a atividade a que se destina a pessoa em si, e deve, para garantia de todos, permanecer registada, visível, conhecida. Faz parte da própria sanção que lhes é infligida.

Foi isso que o legislador entendeu como necessário para garantia das exigências de prevenção geral mais que da prevenção especial. Um crime de abuso de confiança fiscal, por exemplo, deve ser do conhecimento de todos, é por isso que muitas pessoas coletivas veem as decisões que as condenam publicitadas e publicadas.

Na verdade, logo pela letra da lei ou pelo elemento literal conclui-se claramente que as pessoas coletivas não podem requerer, nem os Tribunais decidir quanto a elas, a não transcrição no registo para efeitos meramente civis.

O legislador assim o entendeu para segurança das relações comerciais e económicas e garantia de diminuição das exigências de prevenção geral exigindo uma maior visibilidade das suas atividades. (...)

Assim, inexiste a apontada interpretação violadora de preceitos constitucionais que a recorrente imputa ao decidido, desde logo porque a inserção, em sede de registo criminal, de uma condenação transitada em julgado, não é violadora do disposto no artº 26 da CRP, já que se reconduz à constatação de uma verdade juridicamente relevante, nem se mostram violados os princípios da universalidade e da igualdade, uma vez que se limita a dar tratamento diverso, a realidades diferentes. De facto, a possibilidade de não transcrição em relação a condenações sofridas por pessoas singulares, para efeitos civis, estriba-se numa finalidade específica, que se reconduz a evitar, em casos de condenações menos graves, a desinserção social e a estigmatização do agente, não o prejudicando, nomeadamente em termos laborais ou de acesso ao emprego. Esse fundamento não se verifica relativamente a pessoas coletivas e, como tal, a diversa solução jurídica legal não acarreta a violação dos sobreditos princípios.

Finalmente, não viola, igualmente, o disposto no artº 30 da CRP uma vez que a Lei permite quer a reabilitação - mesmo em relação a condenações sofridas por pessoas coletivas — quer a eliminação de...

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