Acórdão nº 981/21.0PCSTB-A.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 24 de Maio de 2022

Magistrado ResponsávelBEATRIZ MARQUES BORGES
Data da Resolução24 de Maio de 2022
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acordam, em conferência, na 2.ª Subsecção Criminal do Tribunal da Relação de Évora: I. RELATÓRIO 1. Da decisão No Processo de Inquérito (Atos Jurisdicionais) n.º 981/21.0PCSTB, do Tribunal Judicial da Comarca de Setúbal Juízo de Instrução Criminal de Setúbal - Juiz 2 foi proferido o seguinte despacho: “Conforme decorre do teor do artigo 271º, número 1, do Código de Processo Penal, a tomada de declarações para memória futura de menores de idade apenas tem lugar perante a investigação de determinados crimes de catálogo ou, em todos os casos, em caso de doença grave ou deslocação para o estrangeiro de uma testemunha.

Nos termos do disposto no artigo 33º da Lei número 112/2009, de 16 de Setembro, podem ser também tomadas declarações para memória futura a vítimas, assistentes, partes civis, peritos e consultores técnicos, e realizadas acareações.

Nos presentes autos, o Ministério Público vem suscitar a audição para memória futura de testemunha menor de idade, não sendo a mesma vítima do crime investigado (violência doméstica) nem sendo alegadas as circunstâncias a que alude o artigo 271º do Código de Processo Penal.

Pelo exposto, e por se não verificaram as condições legalmente previstas para a tomada de declarações para memória futura (sempre podendo a testemunha ser ouvida, a todo o tempo, pelo Ministério Público), vai tal diligência indeferida.

Notifique e devolva os autos ao Ministério Público.” 2. Do recurso 2.1. Das conclusões do Ministério Público Inconformado com a decisão proferida pelo JIC o MP interpôs recurso extraindo da respetiva motivação as seguintes conclusões (transcrição): “1 — No âmbito do presente inquérito, por despacho de fls. 74 e se, datado de 29.03.2022, o Min. Público requereu a tomada de declarações para memória futura de AAA, nascida em 26.02.2008, actualmente com 14 anos de idade (id. a fls. 21). No referido despacho, é mencionado que no inquérito, resultam indícios suficientes da prática por parte do denunciado BBB (cujo paradeiro é ainda desconhecido), de um crime de violência doméstica, agravado, p. e p. pelo art.º 152.º n.º 1 al. b) n.º 2 e n.º 4 do Cód. Penal, praticado sobre a ex-mulher CCC, ambos progenitores da menor supra identificada.

Uma vez que a menor presenciou os factos denunciados, aliás como resulta claro do depoimento prestado pela ofendida CCC, junto a fls.

48, sendo a principal testemunha dos mesmos, o Min. Público entendeu requerer a tomada de declarações para memória futura, à menor AAA, nos termos e para efeitos do disposto no art.º 271.º do CPP e art.º 33.º n.ºs 1 a 5 da Lei n.º 112/2009, de 16/09, com as alterações introduzidas pela Lei n.º 129/2015, de 3/09, com a finalidade de ver esclarecidas as questões ai mencionadas.

2— Não obstante, o Mmo. JIC indeferiu o requerido, com a seguinte fundamentação: (…) 3— O presente recurso visa a revogação de tal despacho, por várias ordens de razões; 4— Em primeiro lugar, por se considerar que o Tribunal a quo incorreu em erro na determinação da norma aplicável, ao ter aplicado o previsto no artigo 26.º da Lei n.º 93/99, de 14 Julho, quando deveria ter aplicado o disposto nos artigos 67.º-A e 271.º, do Código de Processo Penal, bem como o disposto nos artigos 2.º e 33.º da Lei 112/2009 de 16 de Setembro, artigos 21.º, n.º 2, alínea d) e 24.º da Lei n.º 130/2015, de 4 de Setembro: - Em caso de pessoas vítimas do crime de violência domestica, tem aplicação o regime previsto na Lei n.º 112/2009, de 16 de Setembro e na Lei 130/2015, de 4 de Setembro, bem como o disposto nos artigos 67.º-A e 271.º do Código de Processo Penal e não o disposto na Lei n.º 93/99, de 14 de Julho; - De facto, a Lei 112/2009, de 16 de Setembro instituiu um regime específico para a tomada de declarações para memória futura a vítimas de violência doméstica, regime esse compaginável com o estabelecido na Lei n.º 130/2015 de 4 de Setembro e com o disposto no Código de Processo Penal, mas que não se confunde com o objecto da Lei n.º 93/99, de 14 de Julho, definido no seu artigo 1.º; - A supletividade deste último diploma legal por correcção com aqueles, resulta também do disposto no artigo 20.º, n.º 6 da Lei n.º 112/2009, de 16 de Setembro; - A tais argumentos, acrescenta-se o elemento literal, nomeadamente o conceito de "vítima especialmente vulnerável" previsto quer na Lei 112/2009, de 16 de Setembro, quer no artigo 67.º-A do Código de Processo Penal, conceito que engloba todas as pessoas que sofrem dano emocional ou moral, ou perda material, directamente causada por acção ou omissão no âmbito de crime de violência doméstica, e que, por conseguinte, não inclui apenas os "ofendidos" da prática do crime"; De acordo com a literatura científica, as crianças/menores que vivem em contexto de violência doméstica, a esta sendo expostas por a assistirem, sofrem danos directos, sendo, pois, "vitimas" de tal crime, tendo, entre outros: um risco maior de problemas de saúde mental ao longo da vida (Bogat, DeJonghe, Levendosky, Davidson e von Eye, 2006; Meltzer, Doos, Vostanis, Ford e Goodman, 2009 Mezey, Bacchus, Bewley e White, 2005; Peltonen, Ellonen, Larsen e Helweg-Larsen, 2010); risco aumentado na saúde fisica (Bair-Merritt, Blackstone e Feudtner, 2006); risco de abandono escolar e outros desafios educacionais (Byrne e Taylor, 2007; Koenen, Moffitt, Caspi, Taylor e Purcell, 2003; Willis et al., 2010); risco de envolvimento em comportamentos criminais (R. Gilbert et al., 2009; T. Gilbert, Farrand, & Lankshear, 2012) e dificuldades interpessoais em relacionamentos e amizades futuras (Black, Sussman & Unger, 2010; Ehrensaft et al., 2003; Siegel, 2013); são também mais propensos a sofrer e a praticar bullying (Baldry, 2003; Lepistó, Luukkaala e Paavilainen, 2011) e são mais vulneráveis ao abuso e exploração sexual, além de maior probabilidade de se envolverem em relacionamentos violentos (Finkelhor, Ormrod, & Turner, 2007; Turner, Finkelhor & Ormrod, 2010).; - Neste sentido, veja-se o Parecer da Procuradoria-Geral da República ao Projecto de Lei n.º 1183/XIII/4.0 do Bloco de Esquerda, disponível para consulta em http://app.parlamento.pt/webutils/docs/doc63765247396a6457316c626e527663306c7561574e7059585270646d464462323170633a097-ffiacdf81 .com último acesso a 7 de Março de 20201, onde se defende que as criança/menores que testemunham violência doméstica são vítimas deste...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT