Acórdão nº 59/19.7T9SSB.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 24 de Maio de 2022

Magistrado ResponsávelMARIA CLARA FIGUEIREDO
Data da Resolução24 de Maio de 2022
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acordam os Juízes na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora: I - Relatório.

Nos presentes autos de processo comum singular que correm termos no Juízo de Competência Genérica de Sesimbra-J2, do Tribunal Judicial da Comarca de Setúbal, com o n.º 59/19.7T9SSB, foram os arguidos LDA, pessoa coletiva n.º …, titular do número de beneficiária da segurança social …, com sede …. e AAA, filha de (…) solteira, empregada de escritório, atualmente desempregada, (…), condenados nos seguintes termos: A) A arguida LDA como autora material e na forma consumada e continuada de um crime de abuso de confiança à Segurança Social, p. e p. pelos artigos 30.º, n.º 2 do Código Penal e artigos 105.º, n.ºs 1, 4 e 5 e 107.º, n.º 1 do Regime Geral das Infrações Tributárias, aprovado pela Lei n.º 15/2001, de 05/06, e ainda p. e p. pelo artigo 7.º, n.º 1, do mesmo diploma legal, na pena de 600 (seiscentos) dias de multa, à razão diária de € 5,00 (cinco euros), o que perfaz o montante de € 3.000,00 (três mil euros); B) A arguida AAA como autora material e na forma consumada e continuada, pela prática de um crime de abuso de confiança à Segurança Social, p. e p. pelos artigos 30.º, n.º 2 do Código Penal e artigos 105.º, n.ºs 1, 4 e 5 e 107.º, n.º 1 do Regime Geral das Infrações Tributárias, aprovado pela Lei n.º 15/2001, de 05/06, na pena de 1 (um) ano e 10 (dez) meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 5 (cinco) anos, com sujeição à condição de, nesse prazo, a arguida proceder ao pagamento da prestação tributária devida, no valor total de € 63.969,17 (sessenta e três mil, novecentos e sessenta e nove euros e dezassete cêntimos), acrescida dos respetivos acréscimos legais, nos termos do artigo 14.º, n.º 1, do RGIT.

*Inconformada com tal decisão, veio a arguida AAA interpor recurso da mesma, tendo apresentado, após a motivação, as conclusões que passamos a transcrever: “VI. CONCLUSÕES.

33 - Da interpretação conjugada do artigo 14.º, n.º 1, do RGIT e o artigo 51.º n.º 2, do Código Penal, resulta que nos crimes tributários, tal como acontece com os restantes crimes, só pode ser imposto o dever de pagamento quando do juízo de prognose realizado resulte existirem condições para que essa obrigação possa ser cumprida.

34 - Sabemos que o Tribunal “a quo” não se pronunciou concretamente sobre esta matéria, podendo dizer que se limitou a tomar como pressuposto que não devia ou não necessitava conhecer de tal matéria, fazendo-o por simples remissão para os pressupostos do artigo 50.º do Código Penal e depois sumariamente com meras afirmações, sem que delas fizesse qualquer juízo sobre a razoabilidade da condição imposta aplicando o artigo 14.º n.º 1 do RGIT.(vide neste sentido os Ac do TRE de 19.02.2013, AC TRL de 26.04.2014 e AC TRG de11.05.2015).

35 - Mas a verdade é que se impunha fazer esse conhecimento.

36 - Não o fazendo incorreu o mesmo tribunal numa omissão de pronúncia que consubstancia uma (invalidade) nulidade de sentença, pois deixou de pronunciar-se sobre uma questão que devia apreciar – cfr. Art.o 379.º, n.º 1, alínea c), do Código de Processo Penal.

37 - Constatando-se a imposição a arguida/recorrente de uma pena de prisão declarada suspensa na sua execução, condicionada ao pagamento, no decurso do prazo da suspensão, dos valores indicados no artigo 14.º, n.º 1, do RGIT, à luz da jurisprudência recentemente fixada no Ac. do STJ de 8/2002, de 12-09, a sentença recorrida padece de nulidade, nos termos do disposto no artigo 379.º, n.º 1, alínea c), do CPP, por omissão do «juízo de prognose de razoabilidade acerca da satisfação dessa condição legal por parte do condenado, tendo em conta a sua concreta situação económica».

38 - Esta omissão de pronúncia não pode ser suprida por esta via de recurso (mesmo por via do disposto no n.º 4 do Art.º 379.º do C.P.P.), pois esse exercício corresponderia à supressão de um grau de jurisdição no que respeita a esta precisa questão omitida.

39 - A sentença deve ser anulada e os autos devem baixar ao Tribunal de primeira instância para que nele se proceda à elaboração de nova sentença, conhecendo-se nela da questão mencionada que o mesmo Tribunal deveria ter apreciado, e se necessário através da abertura do julgamento para realizar a prova adicional que habilite o Tribunal com a recolha tomada como omitida.

40 - Nos termos expostos, a sentença recorrida é nula por omissão de pronúncia quanto à não apreciação da questão mencionada (previsão e prognose do impacto actual e futuro do condicionamento financeiro a que ficou sujeita a suspensão da execução da pena de prisão em que foi condenada a arguida), devendo o tribunal “a quo”, pelo mesmo Juiz, produzir uma nova sentença que dela conheça efectivamente, se necessário com a reabertura do julgamento para a produção dos meios de prova considerados suficientes e necessários para a consideração da situação sócio-económica actual e futura da arguida.

41 - Em julgar nula por omissão de pronúncia (art.º 379.º n.º 1 al. c) do C.P.P.) a nos sobreditos termos a sentença recorrida, nulidade que deve ser sanada com a prolação de nova sentença por parte do Tribunal recorrido se necessário com reabertura da audiência para produção de prova suplementar nos termos dos artigos 369.º e 371.º do Código de Processo Penal.” Termina pedindo a declaração de nulidade da sentença recorrida por omissão de pronúncia, nos termos do artigo 379.º n.1 al. c) do Código de Processo Penal e a sanação de tal nulidade nos termos dos artigos 369.ºe 371.º do Código de Processo Penal.

*O recurso foi admitido.

Na 1.ª instância, o Ministério Público pugnou pela improcedência do recurso e pela consequente manutenção da decisão recorrida, tendo apresentado as seguintes conclusões: “1) Veio a arguida, ora Recorrente recorrer da Douta Sentença condenatória, por discordar da medida da pena que lhe foi aplicada porquanto, o Tribunal “a quo” só pode impor o dever de pagamento quando do juízo de prognose realizado resultaram existirem condições para que esta obrigação possa ser cumprida, e que ao não se pronunciar nesta matéria, tal omissão consubstancia a nulidade da Sentença prevista no artigo 379.º, n.º 1, alínea c) do Código de Processo Penal.

2) Por força do artigo 71.º, n.º 1 do Código Penal, a determinação da medida da pena deverá ter em atenção a culpa do agente e as exigências de prevenção, sendo certo que toda a pena tem como suporte axiológico uma culpa concreta, o que envolve uma proporcionalidade entre a pena e a culpa, exarando-se que, em caso algum, a pena pode ultrapassar a medida da culpa – artigo 40.º, n.º 2 do Código Penal.

3) À luz destes princípios, entendemos que a Douta Sentença recorrida doseou equilibradamente a pena aplicada à arguida.

4) A Douta Sentença, ora recorrida encontra-se bem fundamentada quanto à escolha da pena aplicada, não tendo deixado de se pronunciar em momento algum sobre qualquer questão sobre que cumprisse pronunciar-se.

5) Da prova produzida em julgamento, não vemos possibilidade de explicar os factos de forma diferente daquela que está consagrada na Douta Sentença recorrida; 6) Posto isto, e porque nenhum reparo nos merece a sentença recorrida, dúvidas não temos de que o Tribunal “a quo” andou bem ao condenar a arguida nos moldes em que o fez; 7) A sentença condenatória está em conformidade com a prova produzida em julgamento, não padece de vícios nem nulidades e fez uma correta subsunção jurídica dos factos em apreciação, razão pela qual pugnamos pela sua manutenção.”*Tendo tido vista do processo, a Exmª. Procuradora Geral Adjunta neste Tribunal da Relação pronunciou-se no sentido da improcedência do recurso.

*Foi cumprido o disposto no art.º 417.º, n.º 2 do CPP, não tendo sido apresentada qualquer resposta.

Procedeu-se a exame preliminar.

Colhidos os vistos legais e tendo sido realizada a conferência, cumpre apreciar e decidir.

***II – Fundamentação.

II.I Delimitação do objeto do recurso.

Nos termos consignados no artigo 412º nº 1 do CPP e atendendo à Jurisprudência fixada pelo Acórdão do Plenário da Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça n.º 7/95 de 19.10.95, publicado no DR I-A de 28/12/95, o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões formuladas pelo recorrente na sua motivação, as quais definem os poderes cognitivos do tribunal ad quem, sem prejuízo de poderem ser apreciadas as questões de conhecimento oficioso.

Em obediência a tal preceito legal, a motivação do recurso deverá enunciar especificamente os fundamentos do mesmo e deverá terminar pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, nas quais o recorrente resume as razões do seu pedido, de forma a permitir que o tribunal superior apreenda e conheça das razões da sua discordância em relação à decisão recorrida.

No presente recurso, atendendo às conclusões extraídas pela recorrente da respetiva motivação e considerando as questões de conhecimento oficioso, é apenas uma a questão a apreciar e a decidir: A) Determinar se a sentença recorrida enferma do vício de nulidade nos termos do disposto no artigo 379º, n.º 1, alíneas c) do Código de Processo Penal, por omissão do «juízo de prognose de razoabilidade acerca da satisfação da condição legal por parte do condenado, tendo em conta a sua concreta situação económica».

***II.

II - A sentença recorrida.

Realizada a audiência final, foi proferida sentença que deu como provados e não provados os seguintes factos: “1) A arguida LDA, é uma sociedade comercial por quotas cujo objeto social é (…).

2) Em virtude do seu objeto social, a primeira arguida é contribuinte do Instituto de Solidariedade e Segurança Social, com o número …. e, enquanto entidade empregadora, é responsável perante a Segurança Social pela entrega a esta entidade das contribuições devidas pelos trabalhadores e gerente em relação ao tempo em que estiveram ao seu serviço e deduzidas dos vencimentos pagos a estes.

3) O arguido BBB foi gerente da sociedade arguida desde a constituição da mesma e até, pelo menos, janeiro de 2015, apesar...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT