Acórdão nº 00039/14.9BEMDL-S1 de Tribunal Central Administrativo Norte, 13 de Maio de 2022

Magistrado ResponsávelRicardo de Oliveira e Sousa
Data da Resolução13 de Maio de 2022
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam, em conferência, os Juízes Desembargadores da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:* * I – RELATÓRIO AN---, S.A., com os sinais dos autos, vem intentar o presente RECURSO JURISDICIONAL do despacho saneador promanado nos autos na parte “(…) que decidiu julgar procedente a exceção perentória de prescrição quanto a parte do montante peticionado nos presentes autos e, consequentemente, absolver parcialmente o Réu do pedido (…)”.

Em alegações, a Recorrente formulou as conclusões que ora se reproduzem, que delimitam o objeto do recurso: “(…) 1. Vem o presente recurso interposto do segmento decisório proferido em sede de despacho saneador, datado de 05/03/2021 (notificada à aqui Recorrente por notificação eletrónica elaborada e certificada em 08/03/2021), que absolveu o Réu de parte do pedido ao julgar procedente a alegada exceção de prescrição de parte dos montantes faturados, decidindo: “Em conformidade com o exposto, cumpre concluir pela verificação da exceção perentória da prescrição invocada quanto à quantia reclamada pela autora pela nota de débito n° 2300000049, e respectivos juros de mora, vencidos e vincendos, e absolver o réu do pedido, nesta parte. Vai a autora condenada no pagamento das custas, na proporção do decaimento (cfr. artigo 527°, n° 1 e 2, do CPC, aplicável ex vi artigo 1° do CPTA e artigo 6°, n° 1 do RCP).” — Cfr. ponto ii, páginas 3 a 6 do despacho saneador.

  1. Salvo o devido respeito, a Recorrente considera que a decisão proferida no ponto ii) do despacho saneador (páginas 3 a 6 do mesmo) padece de manifesta nulidade e erro de julgamento quanto à matéria de facto e de direito, o que constitui os fundamentos do presente Recurso.

  2. Em primeiro lugar, e tendo em consideração o preceituado no artigo 88.°/1 e 4 do CPTA, o segmento decisório de que ora se recorre tem, para todos os efeitos, o valor de sentença, pelo que sempre deverá ser de aplicar o disposto no artigo 94.°/2 do CPTA e, bem assim, o disposto no artigo 607°/3 do CPC, por força da remissão do artigo 88.°/5 do CPTA, ou seja, sempre caberia ao douto Tribunal a quo discriminar os factos que considera provados e não provados e que consubstanciam a decisão proferida - o que não ocorreu nos presentes autos.

  3. Nesse sentido, veja-se o decidido pelo douto Supremo Tribunal de Justiça, em Acórdão proferido em 12/02/2004, no Processo n.° 03B1414 (disponível em: http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/6cca7e4bacc859b880256e4b0054b040?OpenDocument) e pelo douto Tribunal da Relação de Coimbra, em Acórdão datado de 14/11/2017, processo n.° 3309/16.8T8VIS-A.C1 (disponível em http://www.dgsi.pt/jtrc.nsf/-/0A0455E9775C4075802581DB004F81C7).

  4. Motivo pelo qual, a falta de fixação dos factos (provados e não provados) que levaram o douto Tribunal a quo à prolação da decisão recorrida consubstanciam NULIDADE DA DECISÃO, nos termos do disposto no artigo 615.°, n.° 1, alínea b) do CPC (aplicável aos presentes autos ex vi artigo 88.°/4 e 5 do CPTA e artigo 595.°/3 do CPC, ex vi artigo 88.°/5 do CPTA), pelo que se requer a este douto Tribunal ad quem a anulação da decisão proferida.

    CUMULATIVAMENTE, 6.

    Em segundo lugar, considera a Recorrente que o douto Tribunal a quo comete um ERRO DE JULGAMENTO QUANTO À MATÉRIA DE FACTO, precisamente por não tomar em devida consideração os factos alegados nos artigos 7.° a 11.° da Petição Inicial, bem como todos os elementos probatórios juntos aos presentes autos, concretamente o referido Acordo de Transação, junto como documento n.° 2 à PI (Cfr. fls. 76 a 86 do SITAF) - factos relevantes para a tomada de decisão quanto à prescrição do montante titulado na nota de débito 2300000049.

  5. Pois que, em 12/11/2012, Recorrente e Recorrido celebraram um Acordo de Transação (Cfr. Doc. 2 junto à PI, a fls. 76 a 86 do SITAF), onde, no termos do considerando n.° B) do referido Acordo ficou estabelecido que: “Considerando que a Segunda Contraente reclama créditos não regularizados relativos aos serviços prestados ao Primeiro Contraente no montante de € 1.915.343,27 (um milhão novecentos e quinze mil trezentos e quarenta e três euros e vinte e sete cêntimos) conforme ANEXO I ao presente ACORDO, e que o Primeiro Contraente reconhece apenas o valor de € 922.855,30 (Novecentos e vinte e dois mil oitocentos e cinquenta e cinco euros e trinta cêntimos) conforme ANEXO II e ANEXO III, fazendo parte ambos do presente ACORDO”.

  6. Assim, e se atentarmos aos créditos que foram reconhecidos no referido Anexo III daquele Acordo, consta expressamente a nota de débito n.° 2300000049, no valor total de € 405.906,86, pelo que este montante integra o valor de € 922.855,30 que o Recorrido expressamente reconheceu como devido, nos termos do supracitado considerando B) do referido Acordo.

  7. Pelo que, é manifesto que o Recorrido (Primeiro Contraente no Acordo de Transação), reconheceu o montante titulado pela nota de debito tida como prescrita pelo douto Tribunal a quo naquele Acordo de Transação, comprometendo-se a pagar o mesmo nos termos das Cláusulas 4ª, 5ª e 9ª do referido Acordo - o que sempre levará à interrupção da prescrição da nota de débito 2300000049, nos termos do disposto nos artigos 325.° e 326.° do CC, pelo que é um facto essencial que sempre deveria ter sido tomado em consideração pelo douto Tribunal a quo.

  8. Assim, e porquanto é evidente e manifesto o erro de julgamento deste douto Tribunal a quo quanto à matéria de facto, concretamente quanto à fixação dos factos provados, tendo em consideração quer o alegado nos artigos 7.° a 11.° da Petição Inicial apresentada pela ora Recorrente, quer o alegado na Contestação apresentada pelo Recorrido (porquanto este não impugnou o referido Acordo de Transação, antes pelo contrário, considera-o válido e eficaz — vide artigo 5.° da contestação), requer-se a V. Exas. que seja aditado à decisão o seguinte facto, provado através do documento n.° 2 junto à PI (Cfr. fls. 76a 86do SITAF): “Autora e Réu celebraram, em 12/11/2012, um Acordo de Transação, no qual o Réu reconheceu como devido, nos termos do considerando B) e do Anexo III do referido Acordo, e se comprometeu a pagar, nos termos das Cláusulas n.°s 4ª, 5ª e 9ª do mesmo, o montante titulado na Nota de Débito n.° 2300000049, concretamente o valor de € 405.906,86.”.

  9. Pelo que, e em terceiro lugar, considera a Recorrente que o douto Tribunal a quo comete um manifesto ERRO DE JULGAMENTO QUANTO À MATÉRIA DE DIREITO, porquanto não toma em devida consideração a interrupção da prescrição dos créditos que foram reconhecidos pelo Recorrido no Acordo de Transação, concretamente o montante titulado pela nota de débito n.° 2300000049, violando o preceituado no Código Civil.

  10. Pois que, o Acordo de Transação celebrado entre Recorrente e Recorrido, e junto aos presentes autos a fls. 76 a 86 do SITAF, não pode deixar de ser qualificado como reconhecimento expresso do direito de crédito da Recorrente, o que implica a interrupção da prescrição, inutilizando todo o tempo anteriormente decorrido, começando a correr novo prazo a partir daquele acto interruptivo, nos termos do disposto no artigo 325.° e 326.°/1 do Código Civil.

  11. Porquanto, é evidente, nos termos do considerando B) e do Anexo III do referido Acordo, que o Recorrido reconheceu expressamente e inequivocamente o direito de crédito da Recorrente ao montante titulado na nota de débito 2300000049, ainda que venha a sujeitar o seu pagamento “à resolução dos diferendos existentes entre os Contraentes” de acordo com a cláusula 5ª e 9ª do mencionado Acordo — porém, tais cláusulas não invalidam o reconhecimento daquela quantia, conforme melhor se alegou no presente recurso.

  12. E nesse sentido, veja-se o sumariado pelo Supremo Tribunal de Justiça, por Acórdão proferido em 22/03/2007, Proc. n.° 06A3279 (disponível em: https://jurisprudencia.csm.org.pt/edi/ECLI:PT:STJ:2007:06A3279.34/), concretamente: “II — O reconhecimento do direito é uma mera declaração de ciência, quanto ao conhecimento do direito do titular. (...) IV- Mostrar-se disponível junto do credor para proceder ao pagamento da dívida ou da indemnização, fazer pedido de prorrogação do prazo ou alegar impossibilidade momentânea para o fazer, é reconhecer inequivocamente o direito do credor.”.

  13. Assim, por força do disposto nos artigos 325.°/1 e 326.°/1 do CC, o prazo de prescrição interrompeu-se com a outorga daquele Acordo, pelo que, aplicando o prazo de dois anos, preceituado nas bases da concessão (Base XXIX e XXXI do DL 195/2009), aquando a citação do ora Recorrido, em 10/02/2014, tal quantia ainda não estaria prescrita, precisamente por ainda não ter decorrido tal prazo prescricional de dois anos.

  14. Nestes termos, é evidente e manifesto o erro de julgamento do Tribunal a quo quanto à matéria de direito, pois que, ao considerar prescrita a quantia titulada pela nota de débito 2300000049, viola o preceituado no artigo 325.° e 326.°/1 do Código Civil.

  15. Acresce ainda que, à data da celebração do Acordo de Transação junto aos presentes autos (ou seja, à data de 12/11/2012), o artigo 46.° do CPC (aprovado pelo DL n.0 329--A/95, de 12 de dezembro...

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