Acórdão nº 187/21.9GABBR-A.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 18 de Maio de 2022

Magistrado ResponsávelANA CAROLINA CARDOSO
Data da Resolução18 de Maio de 2022
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acórdão deliberado em conferência na 5ª seção criminal do Tribunal da Relação de Coimbra 1. Relatório A Magistrada do Ministério Público veio interpor recurso da decisão proferida pelo Juiz de Instrução no processo de inquérito n.º 187/21....

, da ... Secção do DIAP das ..., Comarca ..., que indeferiu a aplicação de medidas de coação mais gravosas que o TIR ao arguido e a tomada de declarações para memória futura da ofendida.

1.1. Conclusões do recurso (que se transcrevem na parte relevante): 1.

O Ministério Público recorre do despacho proferido pelo Mmo. Juiz de Instrução Criminal a fls. 123 (ref.ª ...65) dos autos referenciados em epígrafe; 2.

No despacho recorrido foi indeferida a promoção de fls. 220 a 228 (ref.ª ...11), porquanto o Mmo. Juiz de Instrução Criminal considerou que: “Motivo da reabertura do inquérito foi a intenção de prestar declarações por parte de AA.

De outra forma, não é justificação a presença de “novos elementos de prova” como estatui o art. 279 do C.P.P., mas tão só a nova “disposição da vítima”, conceito à margem da ordenação legal. Logo, a reabertura baseou-se em fundamento que a lei não prevê.

Em suma, a reabertura de inquérito com fundamento não previsto na lei, está ferido de invalidade, não estando previsto como nulidade, é irregular, cfr. art. 118 n.º 1 e n.º 2 do C.P.P.

Sem dúvida que a reabertura do inquérito é um ato não jurisdicional, e como tal não sujeito a recurso ou a controle judicial, sendo da exclusiva competência do MP; só que o pedido de medidas de coação, e o pedido de produção antecipada de prova (declarações para memória futura) funda-se na subsistência irregular do inquérito, o que faz com que a irregularidade afete o ato que o titular da ação penal promove, o que torna a irregularidade de conhecimento oficioso.

Termos em que, no âmbito da defesa das garantias processuais, se indefere a promoção de medidas de coação e de declarações para memória futura.

”; 3.

Entendemos que não assiste razão a tal entendimento e que, consequentemente, o despacho de que se recorre viola as disposições legais conjugadas nos artigos 67.º-A, n.ºs 1, alínea a), b), c) e d), e 3, 118.º, n.º 1 e 2, 123.º, n.ºs 1 e 2, 262.º, n.º 1, 267.º, 268.º, n.º 1, alíneas a) a f), 269.º, n.º 1, alíneas a) a f), e n.º 2, e 279.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Penal, no artigo 219.º, n.ºs 1 e 2, da Constituição da República Portuguesa, e no artigo 33.º, n.ºs 1, 2 e 5, da Lei n.º 112/2009, de 16/09; 4.

Conforme decorre a promoção a fls. fls. 220 a 228 (ref.ª ...11), o Ministério Público descreveu a factualidade indiciada, a qual se dá aqui por reproduzida para todos os efeitos legais, achando-se o arguido suficientemente indiciado da prática de crime de violência doméstica, previsto e punível pelo artigo 152.º, n.ºs 1, alínea a) e 2, do Código Penal, cometido na pessoa de AA, e promoveu-se que fosse aplicada ao arguido medida de coação mais gravosa que o TIR e que a vítima fosse inquirida para memória futura; 5.

No entanto, o Mmo. Juiz de Instrução Criminal entendeu no despacho de fls. 263 (ref.ª ...65) – objeto do presente recurso -, que aqui se dá por integralmente proferido, que (…) 6.

Com o devido respeito, o Ministério Público entende que não lhe assiste razão ao Meritíssimo Juiz de Instrução Criminal, tendo feito uma incorreta apreciação das normas contidas nos artigos 67.º-A, n.ºs 1, alínea a), b), c) e d), e 3, 118.º, n.º 1 e 2, 123.º, n.ºs 1 e 2, 262.º, n.º 1, 267.º, 268.º, n.º 1, alíneas a) a f), 269.º, n.º 1, alíneas a) a f), e n.º 2, e 279.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Penal, no artigo 219.º, n.ºs 1 e 2, da Constituição da República Portuguesa, e no artigo 33.º, n.ºs 1, 2 e 5, da Lei n.º 112/2009, de 16/09; 7.

Nos presentes autos, o arguido acha-se suficientemente indiciado da prática de crime de violência doméstica, previsto e punível pelo artigo 152.º, n.ºs 1, alínea b) e 2, do Código Penal; 8.

Pois, resulta do inquérito que, por despacho proferido a fls. 111 a 112 (ref.ª ...14), em 01/10/2021, foi determinado o arquivamento do inquérito, nos termos do disposto no artigo 277.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, por se ter concluído “pela inexistência de meios de prova que corroborem a versão apresentada aquando a denúncia, atendendo que a vítima se recusou a depor e o arguido não confessou a prática dos factos”; 9.

Sucede que, posteriormente ao despacho de arquivamento, em 12/10/2021, foi junto aos autos o aditamento que se acha a fls. 120 a 121 (ref.ª ...35), onde a vítima denunciava, em síntese, que no dia 10/10/2021, cerca das 17 h., o arguido deslocou-se ao seu local de trabalho, sito na Rua ..., em ..., onde o mesmo pretendia falar com a mesma no interior da viatura, o que aquela recusou, tendo aquele lhe dito que queria tratar da conta bancária em conjunto, que iria sair de casa, que ia viver para a casa do seu falecido pai situada na localidade de ... ..., garantindo que não assumiria qualquer despesa relativamente aos filhos e à habitação onde a vítima residia, e de seguida, o arguido disse à vítima “o amor que tenho por ti neste momento é ódio”, o que deixou a vítima intimidada e com receio da conduta do mesmo; 10.

Face ao teor do aditamento supra referido, e uma vez que os factos ali relatados tinham sido denunciados pela vítima e a mesma tinha-se recusado a prestar declarações no inquérito, ordenou-se, por despacho proferido a fls. 138 (ref.ª ...80), datado de 18/10/2021, que o Sr. Funcionário entrasse em contacto telefónico com a vítima e apurasse se a mesma mantinha o propósito de se remeter ao silêncio ou se pretendia prestar declarações; 11.

No mesmo dia da prolação do despacho referido no ponto anterior, foi junto aos autos o aditamento que se acha a fls. 145 a 150 (ref.ª ...35), cujo original se acha na ref.ª ...18, onde se dava conta que no dia 13/10/2021, pelas 15 h. e 04 m., o arguido tinha remetido para o telemóvel da vítima o SMS que se acha transcrito a fls. 154, onde se lê: “Tudo depende de ti como te vais portar no tribunal mas se pensas em mexer no dinheiro que está destinado aos nossos filhos só os vai projodicalos e vai-me ver durante muito tempo não te vou deixar em paz por muitos anos”; 12.

No dia ..., foi aberta conclusão com a informação de que a vítima AA tinha informado que pretendia prestar declarações no âmbito dos presentes autos; 13.

Nessa sequência, e uma vez que a vítima estava disposta a colaborar com a descoberta da verdade material, assumindo uma postura diferente daquela que havia assumido até à prolação do despacho de arquivamento, determinou-se a reabertura do inquérito por despacho proferido a fls. 165 (ref.ª ...22), considerando o depoimento da vítima um novo elemento de prova fundamental e imprescindível à descoberta da verdade material; 14.

Tal despacho foi notificado ao arguido e à vítima, os quais nada disseram ou arguiram no prazo estabelecimento no artigo 123.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, nem dele reclamaram para o superior hierárquico imediato – conforme previsto no artigo 279.º, n.º 1, do Código de Processo Penal -, e, assim , prosseguiu o inquérito com a realização da inquirição da vítima – cf. se verifica dos autos a fls. 177 a 179 e 189 a 184 -, de onde resulta que a mesma prestou declarações acerca dos factos imputados ao arguido quer relativamente aos factos denunciados inicialmente, quer relativamente aos factos constantes dos aditamentos juntos aos autos após a prolação do despacho de arquivamento; 15.

Estabelece o artigo 279.º, do Código de Processo Penal, que: “1. Esgotado o prazo a que se refere o artigo anterior, o inquérito só pode ser reaberto se surgirem novos elementos de prova que invalidem os fundamentos invocados pelo Ministério Público no despacho de arquivamento.

2. Do despacho do Ministério Público que deferir ou recusar a reabertura do inquérito há reclamação para o superior hierárquico imediato”; 16.

Acresce que dispõe o artigo 118.º, do Código de Processo Penal que: “1. A violação ou a inobservância das disposições da lei de processo penal só determina a nulidade do acto quando esta for expressamente cominada na lei.

2. Nos casos em que a lei não cominar a nulidade, o acto ilegal é irregular…”.

17.

Por sua vez, o artigo 123.º, do Código de Processo Penal, estatui o seguinte: “1. – Qualquer irregularidade do processo só determina a invalidade do ato a que se refere e dos termos subsequentes que possa afetar quando tiver sido arguida pelos interessados no próprio ato ou, se a este não tiverem assistido, nos três dias seguintes a contra daquele em que tiverem sido notificados para qualquer termo do processo ou intervindo em algum ato nele praticado.

2. Pode ordenar-se oficiosamente a reparação de qualquer irregularidade, no momento em que da mesma se tomar conhecimento, quando a ela puder afetar o valor do ato praticado”; 18.

Por outro lado, resulta do artigo 263.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, que: “A direção do inquérito cabe ao Ministério Público, assistido pelos órgãos de polícia criminal”, e do artigo 219.º, n.º 1, da Constituição da República que “Ao Ministério Público compete representar o Estado e defender os interesses que a lei determinar, bem como, com observância do disposto no número seguinte e nos termos da lei, participar na execução da política criminal definida pelos órgãos de soberania, exercer a ação penal orientada pelo princípio da legalidade e defender a legalidade democrática.

”.

19.

Importa ainda salientar que são da competência exclusiva do Juiz de Instrução Criminal os atos expressamente previstos no artigo 268.º, n.º 1, alíneas a) a f), do Código de Processo Penal, onde não se insere a apreciação da decisão do conhecimento da reabertura do inquérito; 20.

Deste modo, cabe ao Ministério Público decidir da reabertura do inquérito, por se tratar de um ato respeitante ao inquérito, cuja direção cabe exclusivamente ao Ministério Público, de acordo com as disposições legais acima referidas dos artigos 219.º, n.º 1, da Constituição da República, e...

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