Acórdão nº 366/22 de Tribunal Constitucional (Port, 12 de Maio de 2022

Magistrado ResponsávelCons. António José da Ascensão Ramos
Data da Resolução12 de Maio de 2022
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 366/2022

Processo n.º 203/22

2.ª Secção

Relator: Conselheiro António José da Ascensão Ramos

*

Acordam, em Conferência, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional

I. Relatório

1. A., SA interpôs recurso de fiscalização concreta para o Tribunal Constitucional ao abrigo do artigo 70.º, n.º 1, alínea b) da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro (Lei do Tribunal Constitucional, referida adiante pela sigla «LTC»), do acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul (TCA Sul), tendo por objeto as normas constantes dos artigos 2.º, 3.º, 4.º, 11.º e 12.º, do regime jurídico da Contribuição Especial sobre o Setor Energético (CESE), aprovado pelo artigo 228.º da Lei n.º 83-C/2013 de 31.12, que vigorou durante o exercício fiscal de 2014.

2. A recorrente propôs no Tribunal Tributário (TT) de Lisboa Impugnação Judicial contra a CESE referente ao ano de 2014 e respetivos juros compensatórios, no valor total de € 983.834,33, que foi julgada improcedente. Desta sentença recorreu para o TCA Sul, que, por acórdão de 13.01.2022, negou provimento ao recurso, confirmando na íntegra a sentença recorrida.

Interposto o recurso para o Tribunal Constitucional acima relatado, pela decisão sumária n.º 200/2022 o relator decidiu apreciar o mérito do recurso na fase de exame preliminar, conquanto o respetivo thema decidendum se cingia a matérias objeto de jurisprudência consolidada.

Os fundamentos foram os seguintes, para o que ora importa:

“(…) estas mesmas questões , com a extensão colocada, foram apreciadas pelo Tribunal Constitucional no acórdão n.º 7/2019, que decidiu “ Não julgar inconstitucionais as normas ínsitas nos artigos 2.º, 3.º, 4.º, 11.º e 12.º que modelam o regime jurídico da “Contribuição Extraordinária sobre o Sector Energético”, aprovado pelo artigo 228.º da Lei n.º 83º-C/2013, de 31 de dezembro”, posicionando-se pela conformidade para com Constituição das normas ora sindicadas, bem como da CESE cujo regime legal delas deriva.

Foi entendimento adotado no sobredito aresto que a CESE escapava ao conceito (e regime jurídico próprio) do imposto (por não constituir receita destinada a satisfazer toda a despesa pública) e da taxa (que se entende contrapartida de uma prestação pública de que beneficia o obrigado tributário), sendo qualificável como contribuição financeira a entidades públicas (v. acórdão do Tribunal Constitucional n.º 539/2015) e, como tal, inserindo-se num tertium genus que não partilha o regime jurídico de nenhuma daquelas duas classes de tributos (v. acórdãos do Tribunal Constitucional n.ºs 152/2013, 365/2008 e 613/2008). Alocada ao financiamento de Fundo para a Sustentabilidade Sistémica do Setor Energético (artigo 11.º, n.º 1 do regime jurídico da CESE) e destinada a financiar “mecanismos que promovam a sustentabilidade sistémica do setor energético” (artigo 1.º, n.º 2), a CESE acha-se construída de acordo com uma ótica interna de despesa, justificando a incidência contributiva sobre os operadores no setor energético por a atividade financiada se repercutir positivamente na sua atividade (bilateralidade genérica, potencial ou difusa).

Devendo ser qualificada como contribuição, não como imposto, mais foi entendimento do Tribunal Constitucional que a CESE não enfermava de vício de inconstitucionalidade material, designadamente por violação do princípio da igualdade (artigo 13.º da Constituição da República) na vertente de obrigação de equivalência (ou de justiça fiscal na incidência e quantificação da contribuição). A CESE compreende-se por ter abrangido os operadores no setor energético com a participação nos custos de estabilização do sistema coevo ao ramo económico em que aqueles operam. A constituição de uma entidade administrativa (o FESSE), dotada de órgão executivo autónomo, que tem por única missão obter e preservar a estabilidade e equilíbrio do setor energético e que, para esse propósito, absorve todas as receitas libertadas pela CESE, é, de si, evidente penhor do cariz comutativo e bilateral do tributo, acentuando a importância do objetivo que preside à contribuição.

Assim, não se observa tensão entre a contribuição e o princípio da igualdade na subvertente de equivalência: o encargo a que a recorrente fica sujeita por via da CESE não se pode entender desproporcionado face às contrapartidas de que beneficia, repelindo a qualificação apontada de tributo discriminatório.

Oferecendo continuidade a esta ordem de motivos e orientação de fundamentos, o Tribunal Constitucional concluiu também no aresto que a CESE não representava uma ingerência desproporcionada (artigo 18.º, n.º 2 da Constituição da República) no direito à iniciativa económica (artigo 62.º da Constituição da República), observando tratar-se de um regime contributivo compatível com a liberdade em causa, orientado por um padrão de interesse público ajustado ao sacrifício que importa e porque o seu regime legal elege os respetivos obrigados tributários de acordo com critérios fundados e atendíveis.

Foi ainda entendimento do Tribunal no mesmo acórdão que a excecionalidade da CESE e a sua qualificação como contribuição (e não imposto) justificam de forma consistente a consignação da receita às finalidades eleitas por Lei, sem que se incorra em qualquer problema de desconformidade constitucional face ao princípio geral de não-consignação de receitas (artigo 105.º, n.º 3 da Constituição da República).

O debate prosseguiu ainda, porém, para avaliar a compaginação constitucional do artigo 12.º do regime jurídico da CESE, que estabelece a desconsideração da contribuição como custo fiscal para efeitos de IRC (cfr. artigos 17.º, n.º 1 e 23.º-A, n.º 1, alínea q), ambos do CIRC). Sobre esta matéria específica debruçou-se o acórdão do Tribunal Constitucional n.º 301/2021, que concluiu pela inexistência de vício de inconstitucionalidade material também quanto a esta norma.

Em essência, o problema subjacente era o mesmo, estando o juízo de censura constitucional do artigo 12.º do regime jurídico da CESE dependente da sua qualificação como imposto sobre o rendimento, não como contribuição financeira, pelo que a questão colocada estava desprovida de autonomia face à temática antes apreciada. Não obstante, o Tribunal Constitucional fez também ver que a propósito da arguida violação do princípio da proporcionalidade (artigo 18.º da Constituição da República Portuguesa) neste âmbito, haveria que levar em conta a operatividade do instituto enquanto instrumento tributário de captação de receita tendo em vista a consolidação orçamental: a conexão necessária entre contribuição e benefício (difuso) obtido (tributo comutativo) apenas se poderia entender alcançável se a CESE participasse na sustentabilidade do setor energético sem implicar uma diminuição da receita de IRC, como seria o caso se fosse admitida como custo a abater a ganhos no exercício fiscal. Não fosse assim e o tributo ficaria desprovido de boa parte do seu alcance contributivo efetivo, produzindo um efeito marginal de mera transferência entre fontes de receita.

Cabe também notar que o entendimento adotado no acórdão tem sido repetidamente reiterado pelo Tribunal Constitucional. Os exemplos são muito numerosos mas, por proximidade com a temática destes autos, assinalamos que, com relação à CESE referente ao exercício de 2014, debruçaram-se sobre a constitucionalidade do seu regime de incidência, natureza jurídica (artigos 2.º-4.º e 11.º) e desconsideração como custo fiscal (artigo 12.º), os acórdãos com os n.ºs 303/2021, 463/2021, 506/2021, 777/2021 e 856/2021, em todos os casos renovando-se o sentido decisório daqueles dois arestos e a doutrina neles contida, sem divergência assinalável. (...)

Pelo exposto e levando em conta a consistência e o cariz uniforme da Jurisprudência constitucional nesta matéria, também porque a recorrente não suscitou qualquer nova questão normativa, nem apela à violação de outros parâmetros de Direito Constitucional que pudessem levar a revisitar o problema ou observá-lo por novo prisma, igualmente porque não se divisa fundamento para reavaliar o entendimento firmado, importa reiterar o juízo adotado pelo acórdão n.º 7/2019, afastando a censura de inconstitucionalidade sobre as normas sindicadas.”

3. A recorrente reclamou para a conferência desta decisão, ora nos seguintes termos:

“(…) vem pelo presente, ao abrigo do n.º 3 do artigo 78º-A da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro (Lei do Tribunal Constitucional), dela deduzir RECLAMAÇÃO PARA A CONFERÊNCIA, nos termos e com os fundamentos que se seguem:

1. Segundo a Decisão Sumária, o Tribunal Constitucional (TC) já apreciou a inconstitucionalidade das normas objecto do presente recurso em vários Acórdãos e Decisões Sumárias, nos quais se decidiu pela não inconstitucionalidade das normas ínsitas nos artigos 2º, 3º, 4º, 11º e 12º do regime jurídico da "Contribuição Extraordinária sobre o Sector Energético" (CESE).

2. A Decisão Sumária reclamada foi, assim, proferida ao abrigo do n.º 1 do artigo 78º-A da Lei do TC: para o Relator dos autos, a questão colocada pela Reclamante é uma "questão simples, designadamente por a mesma já ter sido objeto de decisão anterior do Tribunal”.

3. A ora Reclamante não ignora a jurisprudência a que o TC alude.

4. Porém, entende que essa jurisprudência - constante do Acórdão n.º 7/2019 e de outros que, citando-o, se debruçaram sobre a CESE de 2014 - está longe de ser representativa do sentido actual da jurisprudência deste Tribunal, designadamente no que respeita ao critério de justificação da CESE.

5. No entendimento da Reclamante, apesar de esta jurisprudência ter ido também no sentido da validade da CESE, a sua argumentação suscita a necessidade de outra interpretação da validade constitucional da CESE, impedindo que a questão dos presentes autos seja dirimida por mera Decisão Sumária e simplesmente por remissão para um aresto que não é a última...

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