Acórdão nº 354/22 de Tribunal Constitucional (Port, 12 de Maio de 2022

Magistrado ResponsávelCons. Afonso Patrão
Data da Resolução12 de Maio de 2022
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 354/2022

Processo n.º 1152/2021

3ª Secção

Relator: Conselheiro Afonso Patrão

Acordam na 3.ª secção do Tribunal Constitucional

I. Relatório

1. Nos presentes autos, vindos do Supremo Tribunal de Justiça (STJ), em que são recorrentes A. e B., e recorrida C., foi interposto o presente recurso, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro (Lei do Tribunal Constitucional, referida adiante pela sigla «LTC»), do acórdão proferido por aquele Tribunal em 4 de março de 2020.

2. A ora recorrida requereu a declaração de insolvência dos ora recorrentes, invocando a impossibilidade de estes cumprirem as obrigações vencidas. Alicerçou a sua legitimidade processual no contrato de cessão de créditos que celebrou com a D., SA., através do qual esta lhe cedeu os créditos que detinha sobre os Requeridos.

Após citação, os ora recorrentes invocaram a ilegitimidade da autora, invocando ser ineficaz a cessão de créditos, por não lhes ter sido comunicada. Por sentença do Tribunal Judicial da Comarca de Beja, Juízo de Competência Genérica de Cuba, datada de 30 de outubro de 2020, foi a exceção de ilegitimidade julgada improcedente e, em consequência, foi declarada a insolvência dos requeridos, ora recorrentes.

Inconformados, os ora recorrentes apelaram para o Tribunal da Relação de Évora. Por decisão singular da Juíza Desembargadora Relatora, datada de 23 de dezembro de 2020, foi o recurso julgado procedente com fundamento na ilegitimidade da requerente (ora recorrida), julgando verificada a exceção dilatória prevista na alínea e) do artigo 577.º do Código de Processo Civil.

A ora recorrida, não se conformando com tal decisão, requereu que sobre ela incidisse acórdão. O Tribunal da Relação de Évora, por acórdão datado de 28 de janeiro de 2021, confirmou a decisão sumária, concedendo provimento ao recurso de apelação com fundamento na ilegitimidade da então requerente (ora recorrida).

Inconformada, a autora, ora recorrida, interpôs então recurso de revista excecional, com fundamento na oposição de julgados. Por acórdão datado de 26 de maio de 2021, o Supremo Tribunal de Justiça (STJ) julgou a revista procedente, revogando o acórdão do Tribunal da Relação de Évora e repristinando a decisão da primeira instância que havia julgado improcedente a exceção de ilegitimidade.

Os ora recorrentes reclamaram do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça datado de 26 de maio de 2021, imputando-lhe nulidade por omissão de pronúncia, e dele interpuseram recurso para o Tribunal Constitucional. Por despacho datado de 13 de julho de 2021, a Juíza Conselheira relatora determinou a inscrição em tabela da reclamação apresentada e relegou para momento oportuno a admissibilidade do recurso para o Tribunal Constitucional.

Por acórdão datado de 8 de setembro de 2021, o Supremo Tribunal de Justiça indeferiu a reclamação apresentada. Deste acórdão, os recorrentes interpuseram então recurso para o Tribunal Constitucional.

3. A interposição dos recursos de constitucionalidade consta de dois requerimentos.

3.1. O requerimento de interposição de recurso dirigido ao acórdão do STJ datado de 26 de maio de 2021 vem formulado nos seguintes termos:

«A. e B., Recorridos nos autos supra mencionados e neles melhor identificados, notificados do Acórdão proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça, datado de 26/05/2021 e com o mesmo não se conformando, vêm, nos termos e para os efeitos do artigo 280.º, n.º 1 alínea b) da Constituição da República Portuguesa, doravante apenas designada por "C.R.P." e das disposições conjuntas dos artigos 70.º, n.º 1 alínea b) e n.º 2, 72.º, n.º 1, alínea b) e n.º 2, 75.º, n.º 1, 75.º-A, n.ºs 1 e 2, 78.º, n.ºs 1 e 4, todos da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional, adiante apenas denominada de "LO.F.P.T.C.", do mesmo interpor para o Colendo Tribunal Constitucional,

RECURSO

por estarem em tempo e terem legitimidade, devendo o mesmo subir em separado, com subida imediata e com efeito suspensivo, o que fazem nos termos e com os fundamentos seguintes:

I

1.º

Antes de mais, o presente recurso tem por objeto o douto Acórdão, prolatado a 26/05/2021, pela 6.ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça, que decidiu atribuir à citação em ação instaurada por cessionária os mesmos efeitos que o artigo 583.º, n.º 1 do C.C. atribui para a notificação da cessão de créditos ao devedor, dispensando a realização prévia desta notificação legalmente exigida em momento anterior à citação.

2.º

Com efeito, o Acórdão recorrido foi proferido no âmbito de recurso de revista excecional interposto com fundamento em oposição de julgados, tendo o mesmo na sua fundamentação efetuado interpretação e aplicação do artigo 583.º, n.º 1 do C.C. e dos artigos 219.º, n.º 1 e 564.º do C.P.C, nos termos acima assinalados.

3.º

Porém, os agora Recorrentes, nas suas contra-alegações ou resposta ao recurso que foi interposto, suscitaram e invocaram logo a inconstitucionalidade material da interpretação e aplicação dos normativos supra referidos nos termos propugnados pela agora Recorrida e que vieram a ser adotados pelo Tribunal recorrido.

II

4.º

Nesta medida, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça sob impugnação não admite recurso ordinário nos termos do disposto no artigo 70.º, n.º 2 da L.O.F.P.T.C.

5.º

Encontrando-se, assim, já irremediavelmente esgotados todos os meios processuais ao alcance dos Recorrentes ou recursos ordinários que cabiam ao caso concreto.

6.º

Efetivamente, os Recorrentes não dispõem de outro meio processual que lhes possibilite, de acordo com o estatuído no artigo 280.º, n.º1 da Lei Fundamental, reagir contra a decisão judicial de aplicação e interpretação do artigo 583.º do C.C. e dos artigos 219.º, n.º 1 e 564.º do C.P.C., quando interpretados no sentido de atribuir à citação os mesmos efeitos jurídicos da notificação a que alude o artigo 583.º, n.º 1 do C.C. e servir de condição de eficácia da cessão de créditos aos devedores.

7.º

Por outro lado, saliente-se ainda que até ao presente ainda não foi proferida qualquer decisão judicial que se tivesse pronunciado, julgando a sua desconformidade ou conformidade com a C.R.P., sobre a violação dos princípios e normas constitucionais anteriormente suscitados, em sede e momento próprios.

8.º

Na realidade, a interpretação que o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça atribuiu ao artigo 583.º, n.º 1 do C.C. e aos artigos 219.º, n.º 1 e 564.º, ambos do C.P.C, e o modo como os aplicou, afeta de forma arbitrária e inadmissível os direitos e as legítimas expectativas dos cidadãos.

9.º

Traduzindo-se numa clara violação do princípio da proteção da confiança, enquanto vertente subjetiva do princípio da segurança jurídica, ínsito na ideia de Estado de Direito democrático, consagrada constitucionalmente no artigo 2.º da Lei Fundamental.

10.º

Restringindo ainda o princípio constitucional da proporcionalidade, nas vertentes de adequação e proporcionalidade stricto sensu, consagrado constitucionalmente no artigo 18.º, n.º 2 da Lei Fundamental.

11.º

Desta feita, por violação do disposto nos artigos 2.º e 18.º, n.º 2, ambos da C.R.P., o artigo 583.º, n.º 1 do C.C. e os artigos 219.º, n.º 1 e 564.º, ambos do C.P.C., padecem de inconstitucionalidade material, quando interpretados e aplicados no sentido de atribuir à citação a produção de efeitos jurídicos da notificação prevista no artigo 583.º, n.º 1 do C.C. para a cessão de créditos e da eficácia desta relativamente ao devedor já em sede judicial sem que lhe tenha sido dado conhecimento prévio da existência de um seu novo credor.

12.º

Encontrando-se tal interpretação e aplicação do artigo 583.º, n.º l do C.C. e dos artigos 219.º, n.º 1 e 564.º, ambos do C.P.C, inquinada de inconstitucionalidade material por violação do princípio da segurança e da proteção da confiança, ínsitos no princípio do Estado de Direito democrático, bem como do princípio da proporcionalidade, consagrados nos artigos 2.º e 18.º, n.º 2 da C.R.P.

III

13.º

Por sua vez, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 75.º-A, n.ºs 1 e 2 da L.O.F.P.T.C., desde já os Recorrentes esclarecem que, com o presente recurso, pretendem que o Tribunal Constitucional aprecie a inconstitucionalidade e a desconformidade com os princípios constitucionais acima indicados da interpretação e aplicação das normas supra referidas.

14.º

Ademais, igualmente por força do disposto no artigo 75.º-A, n.º 2 da L.O.F.P.T.C, suscitou a inconstitucionalidade material da interpretação e aplicação das normas acima indicadas aquando da apresentação das suas contra-alegações no Supremo Tribunal de Justiça e anteriormente à prolação do douto acórdão sob impugnação.

15.º

Neste sentido, à luz do disposto nas disposições conjugadas do artigo 280.º, n.º 1, alínea b) da C.R.P. e do artigo 70.º, n.º l alínea b) da L.O.F.P.T.C., sempre se dirá que cabe recurso da decisão judicial sob sindicância, uma vez que aplicou e interpretou normas cuja inconstitucionalidade foi suscitada previamente durante o processo pelos Recorrentes, em sede próprio e em momento oportuno.

16.º

Posto isto, continuando os Recorrentes inconformados com o Acórdão proferido pela 6.ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça, com a interpretação e aplicação efetuadas ao artigo 583.º n.º 1 do C.C. e aos artigos 219.º, n.º 1 e 564.º, ambos do C.P.C., do mesmo vêm interpor recurso para o Tribunal Constitucional, por se encontrarem integralmente observados os respetivos requisitos legais e processuais»

3.2. O requerimento de interposição de recurso dirigido ao acórdão do STJ datado de 8 de novembro de 2021 vem formulado nos...

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